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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 21 de março de 2016 a 03 de abril de 2016 – ANO 2016 – Nº 650De Manila a Montjuic: a intrincada rede dos
nacionalismos e anarquismos no Oitocentos
“Vocês enforcaram homens em Chicago, cortaram suas cabeças na Alemanha, estrangularam-nos em Jerez, fuzilaram-nos em Barcelona, guilhotinaram-nos em Montbrisons e Paris, mas vocês nunca destruirão o anarquismo. Suas raízes são demasiado profundas; ele nasceu no coração de uma sociedade corrupta, que está caindo aos pedaços; é uma reação violenta contra a ordem estabelecida. Representa as aspirações igualitárias e libertárias que estão bombardeando a autoridade estabelecida; está por toda a parte, o que torna impossível capturá-lo. E, por fim, matará vocês.”
(Emily Henry)
O que há de comum entre as Filipinas coloniais, a Cuba revolucionária e a Alemanha de Bismarck? Em Sob três bandeiras: anarquismo e imaginação anticolonial, Benedict Anderson tem como objetivo esclarecer que os processos de transformação que envolveram o fim dos Impérios Coloniais no final do século XIX, a emergência dos nacionalismos na Ásia e na América e a propulsão do pensamento anarquista são todos interligados dentro de uma mesma “astronomia política”, usando a expressão de Melville.
A obra se organiza em cinco capítulos, tendo como ponto de partida a cidade de Manila no final do século XIX. Através do método comparativo – utilizado por Anderson desde The Spectre of Comparisons: Nationalism, Southest Asia and the World
O primeiro deles traz uma série de reflexões sobre a obra de Isabelo de los Reyes. Por ter sido o pioneiro a estudar as tradições e os costumes filipinos, utilizou-se dos trabalhos de folcloristas e etnólogos da Europa (especialmente da Península Ibérica) para traçar paralelos e tentar traduzir o que as Filipinas tinham de característico. Por sua vez, acabou destruindo muitos mitos implantados pela atividade colonial e pela Igreja na região ao mostrar que havia semelhantes manifestações na Europa. Como resultado, de los Reyes passou a não mais se compreender como um filipino, ainda que não visse a si como um peninsular – ele era, assim, um indivíduo sem caracterização na lógica da alteridade. Tornou-se o thôma.(1998) – o autor apresenta a trajetória de três homens de letras filipinos: o antropólogo Isabelo de los Reyes, o escritor José Rizal e o dirigente Mariano Ponce.
Já no segundo capítulo surge a figura de José Rizal, o mais importante romancista filipino, autor de Noli me tangere e sua continuação, El filibusterismo. Para elucidar a importância de sua obra, tida como o primeiro romance de intenso cunho anticolonial composto por um colono não europeu, Anderson busca montar o quebra-cabeça de suas apropriações intelectuais, sejam elas nas vanguardas francesas, holandesas ou mesmo espanholas, apontando quais elementos compuseram seu arcabouço literário.
Rizal continua sendo o protagonista do capítulo seguinte, que passa a relacionar o conteúdo de sua obra com o momento político de sua produção. O autor analisa como as três últimas décadas do século XIX viram emergir diversas frentes do movimento anarquista em diferentes partes da Europa. Também aponta os conflitos que deram origem a um forte movimento nacionalista filipino na Espanha. Por fim, Anderson compara o teor dos dois romances de Rizal: se Noli me tangere transformou-o em um importante símbolo do ativismo contra o colonialismo dentro das Filipinas, El filibusterismo pode ser encarado como um romance mundial, que trata de questões de seu período presentes na Alemanha de Bismarck, na Rússia niilista, em toda a Europa e nas Américas.
O quarto capítulo trata das redes revolucionárias que foram organizadas nas diversas partes do mundo entre o período em que Rizal foi exilado e sua execução (1891-6). Anderson começa percorrendo as transformações sofridas na Cuba de José Martí e a formação das comunidades cubanas em Nova York e na Flórida, passando então para a análise das consequências da transferência de Taiwan para o domínio japonês e para a apresentação do plano (que não saiu do papel) de Rizal para a construção de uma colônia filipina próxima a Bornéu.
Por fim, Anderson debruça-se sobre a produção da imprensa anarquista do final do século XIX em vários pontos da Europa, mostrando como os movimentos eram plurais e matizados por seus locais de origem. O último capítulo vai discutir o assassinato de uma das figuras mais conservadoras da Espanha, o primeiro-ministro Cánovas, por um jovem anarquista – relacionando essa ação com a decadência do Império Espanhol no ano seguinte. Entra em cena nosso último filipino ilustre, Mariano Ponce, que deixou a Espanha no final de 1896 para tornar-se um dos maiores diplomatas e propagandistas do governo revolucionário. Anderson esclarece o impacto de sua ação ao analisar sua correspondência com estrangeiros de diversos países.
Com sua escrita fluida, quase jornalística, Anderson prende seu leitor para apresentar, nas figuras dos três filipinos, a tríade dos caminhos de ativismo político dentro do mundo colonial fora da via militar: a negação da Coroa e a valorização do nacional, como o fizera de los Reyes; o ativismo político através da imprensa e das mensagens pelos romances, vívido em Rizal; e a diplomacia e a propaganda política, tal qual em Ponce. De forma magistral, Anderson mostra que os três não são apenas estrelas brilhando na escuridão: suas ligações, como filipinos, e as apropriações que fizeram do mundo intelectual oitocentista abrem os olhos do leitor para quão conectado era o mundo no século XIX – e como eles faziam parte de galáxias muito, mas muito maiores.
Júlia Rany Campos Uzun é doutoranda em História Cultural pela Unicamp e pesquisadora do Colégio Mexiquense de Toluca – México.
Publicação
Título: Sob três bandeiras: Anarquismo e imaginação anticolonial
Autor: Benedict Anderson
Tradução: Sebastião Nascimento
Páginas: 304
Editora da Unicamp
Coedição: Eduece – Editora da Universidade Estadual do Ceará
Áreas de interesse: História e Ciências Sociais
Preço: R$ 76,00
www.editoraunicamp.com.br