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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 21 de março de 2016 a 03 de abril de 2016 – ANO 2016 – Nº 650O olhar desconhecido de Steiner
(Hans Steiner) “...no Brasil efetuou todo o seu aprendizado artístico, tendo tido a Carlos Oswald como único mestre. A despeito de sua técnica verdadeiramente excepcional, tem escrúpulos de documentarista incompatíveis com a sensibilidade moderna. De uma viagem de estudos ao Araguaia trouxe, contudo, em 1959, uma série de chapas, representando paisagens, espécimes da flora e da fauna da região, muito apreciáveis não só pelo apuro técnico, quanto por um senso até então mal pressentido de fantasia”.
Praticamente um verbete. Era o que havia sido publicado até então sobre o artista austríaco Hans Steiner (1910-1974), autor de mais de quinhentas gravuras, realizadas no Brasil entre as décadas de 1930 e 1970. Aluno do pioneiro Carlos Oswald, Steiner incorporou o país em suas obras. De tal forma que, no final da vida, mudou a assinatura de seus trabalhos suprimindo o Hans e acrescentando Rio, de Rio de Janeiro. Steiner Rio encontrou, muitos anos após a sua morte, alguém que lhe resgatasse do esquecimento e que olhasse para suas obras com a devida atenção. Esse encontro se deu em um site de compras, que oferecia uma de suas gravuras a um preço irrisório.
Paulo Leonel Gomes Vergolino, alguém especialmente interessado na “seara dos artistas eclipsados”, achou que deveria pagar para ver, e então recebeu em casa uma das gravuras da série Mata pau, que retrata as formas de um tipo de figueira que se desenvolve podendo “estrangular” outra árvore que lhe serve de hospedeira. “Casualmente me deparei com a gravura à venda no Mercado Livre. Fiquei impressionado com a qualidade da gravura, com a técnica quase fotográfica que ele empregou”.
A curiosidade fez com que Paulo começasse a buscar por informações sobre o artista. Isso foi muito antes do mestrado, há sete anos. Escreveu para museus do Brasil e no exterior, fez uma varredura na literatura especializada, nas pesquisas sobre a gravura e encontrou apenas duas ou três linhas. “O professor José Roberto Teixeira Leite [aposentado do Instituto de Artes da Unicamp] já havia citado o artista, mas era só. ‘Meu’ artista é completamente fora da mídia, ele dedicou cerca de 30 anos à realidade do país que o acolheu, ou seja: o Brasil, representando-o em todos os seus peculiares aspectos, porém, ainda o considero um artista desconhecido”.
Esse desconhecido chegou ao país em 1930. Filho único e solteiro, em 1937 iniciou sua produção com a ajuda do professor e amigo Carlos Oswald. Sua gravura é sobre temas brasileiros: índios, baianas e gaúchos, a fauna a flora e os detentos! Sim, Hans Steiner foi a presídios procurar modelos pra representar. “Esse tipo de olhar, típico estrangeiro, é o olhar que Hans Steiner tem e que aparece nas suas gravuras”.
O pesquisador descobriu uma coleção no Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, e também obras no Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro e Biblioteca Nacional. O levantamento resultou na reunião de cerca de 150 gravuras que o pesquisador dividiu por temas: paisagens, figura humana, flora, fauna realidade, indígena. Com isso Paulo conseguiu publicar seu primeiro texto sobre Hans Steiner disponível hoje no site especializado Revista Museu.
A partir daí a pesquisa deslanchou e culminou na dissertação de mestrado. Paulo fez contato com um entusiasta da obra da Hans Steiner, um italiano chamado Eros Cosatto, de Gorizia, cidade onde Steiner passou seus últimos anos e que abriga suas matrizes. O amigo acabou lhe dando um presente fundamental: um livro de registro feito pelo artista, que descreve a realização de todas as suas obras, desde a primeira até a última. “É o que chamamos na museologia de livro de tombo, e nesse caso, feito pelo próprio artista porque Steiner, como ‘bom’ estrangeiro, gostava de registrar tudo o que fazia”, observa Paulo.
Steiner facilitou, e muito, o trabalho de seu especialista. “Parei de supor e consegui descobrir exatamente o que era tal gravura”. Paulo descobriu os temas de predileção do artista, nomeados pelo próprio: Niterói antigo, Guanabara, Mata pau, penitenciária, urubu, vegetação, miniatura e indígenas”.
Dados da biografia de Hans Steiner também foram reunidos pelo pesquisador. Como foi a vida dele como estudante de arte no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, como desenvolveu seus trabalhos artísticos, além da gravura. “Steiner também foi pintor, aquarelista e desenhista. O que é muito curioso porque a aquarela é uma técnica oposta à gravura no sentido em que a mão precisa ser leve. E ele faz as duas coisas com primazia”. Na dissertação de mestrado Paulo contextualizou a época, falou sobre o Rio de Janeiro da década de 1930, quando o austríaco chegou no Brasil.
No final da dissertação, Paulo registrou a produção de 517 chapas que são as matrizes das gravuras. “É um artista que produziu muito e que precisava de pesquisadores para trazer isso a público. Um artista que dedicou sua criatividade e seu percurso de vida ao Rio de Janeiro. Isso precisava ser dito”.
Publicação
Dissertação: “O olhar estrangeiro: A obra gravada de Hans Steiner como recorte-modelo para o resgate da história da gravura no Brasil”
Autor: Paulo Leonel Gomes Vergolino
Orientador: Márcio Donato Périgo
Unidade: Instituto de Artes (IA)