Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 21 de março de 2016 a 03 de abril de 2016 – ANO 2016 – Nº 650Entre o efêmero e a experimentação
Os alunos de hoje mudaram radicalmente. Em vez de priorizar o conhecimento construído em processos lineares, ou seja, quando uma coisa vem depois da outra, estão ávidos pela experimentação e a simultaneidade. “Tudo ao mesmo tempo agora” faz parte do dia a dia de uma geração absolutamente conectada. Essas crianças e adolescentes costumam prestar atenção em algo por cerca de 10 segundos apenas. Para elas o mundo se baseia em vivências e é, sobretudo, um mundo efêmero.
Pensar sobre essas questões pode ser assustador, principalmente se a pessoa é parte de outra geração, aquela que enxerga o mundo como concreto, palpável, que tem sua atenção voltada a uma coisa de cada vez e para quem os conceitos e definições, muitas vezes, são mais significativos do que as vivências. Uma geração a qual pertencem: os professores.
É um mundo em confronto e em conflito, como explicou a professora Maria Bernadete Marques Abaurre, do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, na palestra “Os espaços da leitura e da escrita: desafios de um mundo conectado”. A palestra, realizada no último dia 12, foi a terceira da série “Colóquios Unicamp Ano 50”, que traz temas como educação, artes, ciência e cultura e é voltada ao público de professores do Ensino Fundamental e Médio. A série é coordenada pela professora Celene Margarida Cruz e integra as festividades dos 50 anos da universidade, sob a coordenação da professora Ítala D’Ottaviano.
Para chegar ao que a professora considera desafios a serem enfrentados pelos professores nas salas de aula, Maria Bernadete fez um longo percurso, começando com os marcos da tecnologia que possibilitaram o aparecimento das mídias sociais. “Uma vez construídos esses espaços eles começaram a ser utilizados de maneira extraordinária. Hoje as informações que invadem nosso mundo são imateriais, são ‘não coisas’, inapreensíveis, apenas decodificáveis”, salientou.
A professora ilustrou a palestra com vários vídeos. Para mostrar a diferença entre um “nativo digital” e um “imigrante digital” ela apresentou um vídeo de um bebê tentando em vão expandir com seus dedinhos as imagens de uma revista impressa. O imigrante é aquele que “liga para saber se o e-mail chegou e imprime um texto para ser lido no papel, enquanto o nativo já tem a aptidão digital em seu DNA”.
O nativo digital é o estudante de hoje, que segundo pesquisa apresentada por Maria Bernadete, atualiza seus status na rede social em sala de aula e conversa muito mais online, do que pessoalmente. “Tirar a conexão dos alunos em sala de aula é visto por eles como uma violência” acentuou a palestrante.
Sala de aula
Daí então a professora fez vários questionamentos relacionados à leitura e a escrita. Munida de dados sobre o “analfabetismo funcional” ou a inabilidade de uma pessoa em compreender os textos, que apontaram números muito baixos entre os estudantes dos níveis fundamental e médio, Maria Bernadete perguntou; “Será que essas fileiras não estão sendo engrossadas por alunos que simplesmente não estão acostumados a ler de forma linear?”.
A pergunta serviu para uma ampla reflexão sobre como apresentar os conteúdos aos alunos e a importância de apresentar novos repertórios. Maria Bernadete recorreu aos anúncios publicitários, que procuram conquistar, por meio de uma linguagem persuasiva. Uma propaganda do jornal The Guardian mostrava os vários olhares para um mesmo fato fictício, para sugerir que todas as visões estavam no jornal e, no entanto, a construção da opinião caberia ao leitor. Outro anúncio do jornal The Sunday Times ilustrou a importância do repertório, nesse caso cultural.
Maria Bernadete debateu a necessidade de trabalhar com os alunos gêneros discursivos da internet, como posts, chats, comentários, vídeos e até os “memes”. Em analogia, a professora comentou que muitas vezes os professores querem trabalhar gêneros com os alunos que são “textão”, ou seja, textos que são alvos de piadinhas nas redes sociais porque são enormes para os padrões desse tipo de mídia.
A professora citou um trecho de um artigo de Juan Carlos Rodríguez Ibarra, publicado no jornal El País, que diz “Um adolescente de 12 ou 13 anos é digital quando se encontra fora da aula e analógico quando se senta em sua carteira”.
A palestrante em nenhum momento descartou a importância do papel do professor em sala de aula. “Jamais a tecnologia vai substituir os professores. O mestre é aquele que aponta caminhos. Os professores que usam a tecnologia, estes sim, substituirão os outros”. Maria Bernadete finalizou afirmando que seria uma enorme perda os textos em prosa e poesia não serem mais lidos pelas futuras gerações. “Que bom se a gente conseguisse seduzir nossos alunos para experiências de leitura diferentes da que eles estão mais habituados. Mas tem que ser possível construir uma nova metodologia de trabalho com os nativos digitais”.