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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 04 de julho de 2016 a 31 de julho de 2016 – ANO 2016 – Nº 662Inventário inédito
Projetados no início do século 20, os bairros nobres dos Jardins, localizados na zona oeste da cidade de São Paulo, foram tombados no final da década de 1980 como patrimônio da capital paulista. Apesar do reconhecimento e proteção, não houve, naquela época, como parte do processo de tombamento, uma consideração sobre a importância histórica da arquitetura das construções edificadas na região.
Na opinião da pesquisadora da Unicamp Maria Ester de Araújo Lopes, funcionária desde os anos de 1990 do Departamento de Patrimônio Histórico da Prefeitura de São Paulo, levou-se em conta como parâmetro para o tombamento naquela época apenas o valor ambiental, como o paisagismo e o traçado dos bairros. Na compreensão da pesquisadora, foram desconsiderados, principalmente, os inventários arquitetônicos específicos das edificações daquele período.
A partir desta constatação, a arquiteta, formada pela Universidade de São Paulo (USP), desenvolveu um extenso estudo que identificou nas quadras dos Jardins, muitas vezes cercadas por grandes muros, exemplares com relevantes características do patrimônio arquitetônico, alguns completamente desconhecidos por não terem sido sequer ordenados em listagens. O traçado estudado, denominado pela arquiteta como “bairros-Jardins”, compreende seis bairros: Jardim América, Jardim Europa, Jardim Paulista, Jardim Paulistano, Vila Primavera e Vila Paulista.
“A busca de referências histórico-arquitetônicas pode contribuir para o restabelecimento do perfil da área como patrimônio cultural, não mais apenas como patrimônio ambiental nos moldes propostos no tombamento dos anos de 1980”, justifica a estudiosa, autora de dissertação de mestrado sobre o tema.
O trabalho foi defendido recentemente junto ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura, Tecnologia e Cidade (Pós-ATC) da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp. Maria Ester Lopes foi orientada pela docente Regina Andrade Tirello, que atua no Departamento de Arquitetura e Construção da Unidade. O estudo desenvolvido por ela insere-se no âmbito da linha de pesquisa “Metodologia e Teoria do Projeto e da Cidade: Fundamentos da Arquitetura e Preservação do Patrimônio Arquitetônico e Urbanístico”.
“Apoiada nos acervos documentais consultados para a minha pesquisa, pude identificar e reunir projetos de arquitetos que tiveram papel importante na configuração da arquitetura moderna paulista. Alguns desses projetos, inclusive, são inéditos”, revela a estudiosa. “Espero que, com a divulgação dos documentos que antes da minha pesquisa se encontravam dispersos, possa haver maior reconhecimento e preservação do patrimônio urbanístico da cidade de São Paulo. Além disso, o meu trabalho permitirá que outros campos de estudos sejam abertos, sobretudo na área da história da arquitetura”, ressaltou.
Maria Ester Lopes investigou e identificou contribuições relevantes de quatro arquitetos para os bairros dos Jardins: Alfredo Ernesto Becker, Eduardo Kneese de Mello, Olavo Franco Caiuby e Francisco Beck. Além desses, também foram localizadas intervenções de Gregory Warchavchik, de Rino Levi e de Richard Barry Parker, sendo este último o responsável pelo projeto do loteamento do Jardim América, quando era funcionário da Companhia City.
“Cheguei num número bastante amplo de projetos envolvendo os arquitetos pesquisados. No total foram localizadas 118 obras dos quatros arquitetos, sendo 26 de Alfredo Ernesto Becker, 41 de Eduardo Kneese de Mello, 28 de Francisco Beck e 23 de Olavo Franco Caiuby. Nós poderíamos sugerir pelo menos uma obra de cada um desses arquitetos para uma análise de eventual tombamento por serem representativas desse período em que os bairros dos Jardins foram projetados”, detalha a arquiteta, ressaltando que um eventual tombamento dependeria de outros estudos e análises.
Estilos diversos
A autora da pesquisa assinala que há uma mescla de estilos arquitetônicos da época nos projetos identificados, que variam do bangalô romântico a construções protomodernas. De acordo com Maria Ester Lopes foi possível identificar, basicamente, quatro estilos arquitetônicos: o neocolonial, em suas duas versões distintas, como o luso-brasileiro e o mission style; um estilo denominado por ela como “normando”, baseado num método construtivo de proveniência europeia; o protomodernismo, em que novas concepções construtivas estão associadas à Semana de Arte Moderna de 1922; e, por fim, o moderno, com alguns projetos de Gregori Warchavchik e de Eduardo Kneese de Mello.
“As edificações dos Jardins atestam, em sua grande maioria, a especificidade e unicidade de bairros que foram ocupados por uma elite advinda do auge da economia cafeeira e substituída pela elite industrial. O estilo das edificações também evidencia o momento de grande expansão urbana que conferiu à cidade a envergadura de grande metrópole”, situa a arquiteta.
Fontes documentais
A autora do trabalho informa que o desenvolvimento da dissertação de mestrado se apoiou em avaliação crítica de bibliografia específica e em arquivos documentais públicos e privados disponíveis. Maria Ester Lopes esclarece que as edificações objeto do estudo são propriedades privadas, inacessíveis ao público.
“Baseei-me em bibliografia sobre a arquitetura do bairro Jardim América, que é um dos bairros que compõem os Jardins e dos bairros circunvizinhos, tendo como parâmetro inicial a incidência de tombamento ambiental. Também fiz pesquisas intensas, sobretudo em dois arquivos: Arquivo Geral da Prefeitura do Município de São Paulo (Arquivo Municipal do Piqueri) e Acervo de Pastas de Vendas e Obras da Companhia City, que possui extenso acervo de projetos dos bairros loteados pela empresa.”
Neste ponto, a pesquisadora da Unicamp aponta a dificuldade de acesso aos arquivos e a falta de informações bibliográficas específicas sobre os arquitetos selecionados na pesquisa. “Eu vejo, neste sentido, uma necessidade da ampliação do acesso aos arquivos públicos de pesquisa”, defende. Ainda sobre a carência de informações e pesquisas, Maria Ester Lopes prevê que a seleção dos quatro projetistas deve expandir o conhecimento da produção arquitetônica para além dos chamados arquitetos “notáveis”.
O conceito dos Jardins
A estudiosa da FEC explica que no início do século 20 ocorreram grandes mudanças na configuração urbana da cidade de São Paulo, sobretudo com o impulso da economia cafeeira e da industrialização. Houve, assim, um aumento populacional da cidade, impulsionando a expansão urbana e a busca pela inovação dos padrões urbanos de até então.
É neste contexto que surge, segundo ela, na década de 1910, o conceito vinculado ao “bairros-Jardins”. A concepção, que privilegiava a introdução de áreas verdes e parcelamento do solo em lotes de grandes dimensões, foi proposta pela Companhia City (City of São Paulo Improvements and Freehold Land Company Limited), empresa inglesa sediada em Londres. A Companhia, que contava com um sistema de financiamento próprio, se tornou proprietária de áreas significativas do território paulistano, objetivando a diversificação de investimentos, informa Maria Ester Lopes.
“À época do tombamento de 1980, priorizou-se a preservação do primeiro loteamento nos moldes de bairros-Jardins, o mais antigo da Companhia City conhecido como ‘Jardim América’, associado a outros três loteamentos vizinhos compostos pelos ‘Jardim Europa’, ‘Jardim Paulista’ e ‘Jardim Paulistano’. Estes bairros integram a zona da cidade conhecida como Jardins e para os quais foram propostos parâmetros de preservação para o traçado urbano, os limites dos lotes e a vegetação. Portanto, eles foram o objeto do meu estudo, com enfoque especial para o Jardim América.”
Publicação
Dissertação: “Conhecer os bairros- Jardins paulistanos confinados nos arquivos: o caso do Jardim América”
Autora: Maria Ester de Araújo Lopes
Orientadora: Regina Andrade Tirello
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)