Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 04 de julho de 2016 a 31 de julho de 2016 – ANO 2016 – Nº 662Telescópio
Água
em Ceres?
Ceres, um planeta-anão localizado no cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter, pode ter lagos ou mares sob a superfície. Artigo publicado na Nature mostra que os misteriosos “pontos brilhantes” localizados em crateras do pequeno planeta são compostos de carbonato de sódio e outros materiais originados no interior do astro, em processos que envolveram água no estado líquido.
“Propomos que esses materiais são o resíduo sólido da cristalização de líquidos salobros e de sólidos modificados pela água e arrastados”, diz o artigo, de autoria de pesquisadores da Itália, França, EUA e Alemanha. “A fonte de calor pode ter sido transiente”, gerada pela energia do impacto que formou a cratera, ponderam os pesquisadores, mas sem descartar a possibilidade de o planeta-anão ter temperaturas internas altas o suficiente para manter o material salobro em estado líquido permanente. “Nesse caso, fluidos podem existir nas profundezas de Ceres, hoje em dia”.
Outro artigo sobre Ceres, este publicado em Nature Geoscience, mostra que as crateras do astro são profundas demais para que o planeta-anão possa ter uma camada espessa de gelo sob a superfície – pois, nesse caso, fluxos de gelo derretido, após os impactos, teriam apagado ou preenchido uma proporção maior das depressões.
A viscosidade do subsolo, calculam os autores, dos Estados Unidos e da Alemanha, é pelo menos mil vezes maior que a do gelo de água pura. O conteúdo máximo de gelo na camada subterrânea não poderia ser maior que 40%, em tais condições. “No entanto, diversas crateras anormalmente rasas são consistentes” com a presença de bolsões locais mais ricos em água ou gelo. Ambos os artigos se baseiam em dados da sonda Dawn, da Nasa, lançada em 2007.
Hélio
na África
Um grande reservatório de gás hélio foi descoberto na Tanzânia, informaram pesquisadores do Reino Unido e da Noruega no fim do mês passado, durante a Goldschmidt Conference, um evento internacional de geologia realizado no Japão. O gás é importante em pesquisas científicas e também para aplicações tecnológicas avançadas, como máquinas de ressonância magnética.
O hélio, segundo elemento mais leve da tabela periódica, atrás apenas do hidrogênio, é abundante no cosmo e em planetas gasosos com Urano e Netuno, mas na Terra é considerado um recurso raro e escasso: sua pequena massa faz com que escape facilmente da gravidade terrestre e se perca no espaço. Ao contrário do hidrogênio, que reage com outros elementos, incorporando-se a moléculas mais pesadas que não conseguem deixar a Terra, o hélio é um gás nobre, muito pouco reativo.
Por conta da raridade e importância do gás, os Estados Unidos mantêm uma Reserva Federal de Hélio, que atualmente contém 0,7 bilhão de metros cúbicos. Estima-se que a fonte na Tanzânia contenha pelo menos 1,5 bilhão de metros cúbicos. Os autores da descoberta aplicaram técnicas derivadas da prospecção de petróleo na busca pelo hélio, e acreditam seus métodos poderão revelar mais novas fontes do gás, reduzindo a escassez global.
Ozônio
na Antártida
Artigo publicado na revista Science aponta que uma progressiva recuperação da camada de ozônio sobre a Antártida vem ocorrendo desde 2000, tornando-se mais evidente, a cada ano, no início da primavera. Com a abolição dos produtos químicos que destroem o ozônio na alta atmosfera pelo Protocolo de Montreal, que entrou em efeito em 1989, a comunidade científica passou a aguardar a recuperação da camada, que protege a superfície terrestre do excesso de radiação solar ultravioleta. No entanto, embora alguma estabilização da camada já tenha sido verificada, sinais de efetiva recuperação têm sido mais difíceis de confirmar.
Em seu estudo, a equipe de Susan Solomon, do MIT, usando dados de balões lançados a partir do polo sul e da base antártica japonesa de Syowa, além de simulações, constata ganhos na altura da coluna de ozônio, mudanças no perfil vertical de concentração do gás e redução na área do chamado “buraco de ozônio” sobre a Antártida. O grupo atribui a extensão recorde atingida pelo buraco, em 2015, à contribuição de erupções vulcânicas que, desde 2005, vêm confundindo os sinais de recuperação.
Motor para Marte
passa em teste
Um foguete de combustível sólido desenvolvido para auxiliar o lançamento da nova geração de naves tripuladas da Nasa – cujo objetivo final é levar astronautas a Marte – passou por um teste crucial no fim de junho, entrando em ignição por dois minutos numa base do deserto de Utah. Esse motor fará parte do Sistema de Lançamento Espacial (SLS, na sigla em inglês), o mais potente foguete criado pela Nasa desde o fim da era dos veículos Saturno, que levaram astronautas à Lua. O primeiro teste de um SLS completo, incluindo uma versão ainda não-tripulada da cápsula Órion, projetada para transportar seres humanos, deve ocorrer em 2018.
Perturbações
Amazônicas
O desmatamento costuma ser apontado como o principal responsável pela perda de biodiversidade na Amazônia, mas a perturbação que os seres humanos causam na floresta, mesmo sem derrubá-la – por exemplo, por meio do corte seletivo de árvores, do parcelamento de áreas, de incêndios florestais – pode ser tão danosa para a ecologia quanto a remoção pura e simples da mata, afirma artigo publicado na revista Nature.
O trabalho, realizado no Estado do Pará e que envolveu cientistas de diversos países, com forte presença de pesquisadores brasileiros, mostrou que estimativas de impacto na biodiversidade que levam em conta apenas o desmate, sem considerar as perturbações, podem subestimar os efeitos negativos em mais de 90%.
Em artigo de análise publicado na mesma edição da Nature, o pesquisador britânico David P. Edwards, da Universidade Sheffield, afirma que “os resultados sublinham a necessidade de uma mudança de passo na conservação florestal, com muito maior ênfase na saúde da floresta preservada”. Ele pondera que leis como o Código Florestal Brasileiro, que estabelecem metas de preservação da cobertura florestal sem determinar padrões de qualidade para a floresta restante, são insuficientes.
Poluição
doméstica na China
O uso de carvão, lenha e outras formas de biomassa na cozinha e no aquecimento de ambientes é um fator importante para a poluição do ar na China, diz artigo publicado no periódico PNAS. O carvão, principalmente, é uma fonte considerável de dióxido de enxofre e fuligem, com impacto não apenas sobre o meio ambiente mas, também, na saúde humana.
“O governo impôs restrições a grandes fontes de poluição, como carros e usinas termelétricas”, escrevem os autores, de instituições chinesas e americanas, ponderando que a redução nas emissões residenciais, negligenciadas, também traria benefícios significativos.
Insetos
Agricultores
Os mais antigos sinais do plantio de alimentos no planeta Terra são jardins de fungos cultivados por cupins africanos há 25 milhões de anos, diz artigo publicado no periódico PLoS ONE. Certas espécies de cupins e formigas coletam pedaços de plantas não para comê-los, mas para “adubar” plantações de fungo mantidas em câmaras subterrâneas.
Estimativas baseadas no DNA dos insetos sugeriam que o comportamento teria tido início há cerca de 30 milhões de anos, mas ainda não haviam sido encontrados vestígios físicos que corroborassem esse resultado. A descoberta de jardins de fungos fossilizados na Tanzânia, descrita na PLoS, ajuda a confirmar a hipótese: uma revisão das estimativas genéticas, à luz dos novos fósseis, sugere que a agricultura, entre os cupins, teve origem 31 milhões de anos atrás.
Os autores do trabalho, de instituições da África, Europa, América e Austrália, lembram que a adoção da agricultura pelos cupins permitiu que os insetos – e os fungos de que se alimentam – se espalhassem por novos ambientes, numa dinâmica semelhante à que liga a dispersão de populações humanas à de seus produtos agrícolas.
Dicas sobre
Estatísticas
Publicado no periódico PLoS Computational Biology, o artigo “Ten Simple Rules for Effective Statistical Practice” (“Dez Regras Simples para o Uso Eficiente da Estatística”) oferece uma série de sugestões para a aplicação mais adequada das técnicas estatísticas da inferência científica. Os autores, de instituições dos Estados Unidos e Canadá, propõem que pesquisadores das mais diversas áreas tratem a estatística como uma ciência em si, e não como uma mera caixa de ferramentas a ser acessada mecanicamente para produzir resultados publicáveis.
A primeira regra, “métodos estatísticos devem permitir que os dados respondam a questões científicas”, vem acompanhada do seguinte exemplo: em vez de, diante de uma tabela de dados sobre expressão gênica, perguntar “qual teste estatístico devo usar?”, o pesquisador deveria manter o foco na questão “onde estão os genes diferentes?” e, a partir daí, buscar modos, estatísticos ou não, de encontrar uma resposta.
Entre as demais regras estão: “o sinal sempre vem com ruído”; “planeje com muita antecedência”; “preocupe-se muito com a qualidade dos dados”; “reveja seus pressupostos”. O artigo completo pode ser acessado em https://dx.doi.org/10.1371/journal.pcbi.1004961