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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 04 de julho de 2016 a 31 de julho de 2016 – ANO 2016 – Nº 662Mais rápidos e sensíveis
Pesquisador desenvolve biossensorespara o diagnóstico da leishmaniose visceral
Resultados obtidos em tese de doutorado defendida no Instituto de Química (IQ) oferecem uma contribuição significativa para diagnóstico e programas de controle da leishmaniose visceral (LV), a forma mais grave da doença provocada pelo protozoário Leishmania, e responsável por índice elevado de óbitos. O autor da tese, Dênio Emanuel Pires Souto, desenvolveu biossensores para detecção de anticorpos específicos da LV que permitem análises mais rápidas, sensíveis e seletivas em comparação às análises obtidas em ensaios empregados em rotinas clínicas – e, melhor, que podem ser estendidos para outras doenças, como a de Chagas. O estudo foi orientado pelo professor Lauro Tatsuo Kubota, no seu Laboratório de Eletroquímica, Eletroanálitica e Desenvolvimento de Sensores.
“O foco do trabalho em nosso laboratório consiste no desenvolvimento de biossensores voltados para as doenças negligenciadas, sendo estas assim chamadas porque acometem as populações mais carentes e não recebem a atenção devida de órgãos governamentais e indústrias de medicamentos”, afirma Dênio Souto. “Acho um bom momento para divulgarmos a importância de métodos alternativos para diagnóstico da leishmaniose visceral, visto que em 2015 tivemos um Nobel de Fisiologia e Medicina relacionado a doenças negligenciadas [para o irlandês William Campbell e o japonês Satoshi Omura, que criaram novas terapias para verminoses, e para a chinesa Youyou Tu, por uma nova terapia contra a malária]. Espero que governos e empresas invistam mais nesta área.”
O autor da tese recorreu a técnicas que ele vem estudando desde o seu mestrado e que são bastante dominadas pelo grupo do professor Kubota, a ressonância de plasmóns de superfície (SPR na sigla em inglês) e a microbalança de cristal de quartzo (QCM), para o desenvolvimento de biossensores como novas ferramentas de diagnóstico da LV. “Publicamos um primeiro trabalho demonstrando que é possível detectar a leishmaniose visceral com a técnica de SPR, a qual apresentou vantagens em relação aos testes normalmente empregados em laboratórios clínicos, como maior sensibilidade e especificidade e menor tempo de análise. Estas observações nos encorajaram a investir em estudos nessa área, tornando-se o tema central de minha tese de doutorado”.
Dênio Souto explica que as formas da leishmaniose variam conforme as espécies do parasita (Leishmania) e manifestações clínicas da doença: além da LV, as leishmanioses também são divididas em sua forma tegumentar (LT), que leva a complicações cutâneas, e a mucocutânea (LMC), que atinge as mucosas. “O indivíduo infectado possui o parasita na corrente sanguínea, o que induz uma resposta imunológica. Os ensaios mais utilizados em análises de rotinas clínicas são o Elisa (imunoadsorvente) e a reação de imunofluorescência indireta (IFI), que detectam os anticorpos específicos da LV no soro de pacientes. Em geral, os laboratórios clínicos demoram na entrega do diagnóstico e utilizam grande variação das metodologias.”
Segundo o pesquisador, mais de 90% das infecções da leishmaniose visceral estão concentradas na Índia, Brasil, Bangladesh, Nepal e Sudão (nesta ordem), mas estudos mostram um aumento de casos em todo o mundo e a expectativa de que as mudanças climáticas venham a causar impacto significativo na Europa. “Existem sintomas característicos da LV, como febre alta, dor de cabeça, anemia, e outros mais específicos que são os inchaços do fígado (hepatomegalia) e do baço (esplenomegalia). Em áreas endêmicas, os exames são feitos periodicamente em praticamente toda a população, principalmente porque há os pacientes assintomáticos. Uma vez acometido pela LV e havendo comprometimento das vísceras, o paciente que não é tratado corretamente pode ir a óbito em pouco tempo.”
Kits de diagnóstico
Além do desenvolvimento dos biossensores de SPR e QCM, Souto utilizou estes dispositivos em estudos cinéticos para demonstrar, em termos quantitativos, a elevada afinidade de ligação de novas proteínas recombinantes do protozoário Leishmania infantum frente a anticorpos da LV. “Se o foco inicial era comparar a nossa técnica com os métodos convencionais, fomos observando que o fenômeno da ressonância de plásmons de superfície auxiliou na compreensão das interações entre os antígenos e anticorpos específicos da LV: como ocorre a interação, qual a afinidade de ligação, como ocorre a infecção.”
O autor da pesquisa conta que o foco passou a ser a compreensão do sistema em nível molecular, investigando novas proteínas. “Temos constatado através de nossa metodologia e mesmo em ensaios convencionais como o Elisa, que o tipo de proteína (antígeno) interfere diretamente na confiabilidade dos resultados. Ainda no Brasil, se utiliza alguns extratos brutos do protozoário causador da doença para detectar os anticorpos. Com o avanço da tecnologia de DNA recombinante, tem-se verificado que as proteínas recombinantes deste protozoário oferecem melhor especificidade, diminuindo significativamente as reações cruzadas com outras doenças. Por exemplo: um indivíduo infectado com leishmaniose pode responder para doença de Chagas, falsos positivos e falsos negativos são muito comuns nessas doenças.”
Para avaliar novas proteínas, Dênio Souto firmou uma colaboração com um grupo de pesquisa da UFMG, coordenado pela professora Helida de Andrade. Em sua tese de doutorado, a pesquisadora Angélica Faria realizou um estudo proteômico em que proteínas inéditas foram sintetizadas. “Eles nos forneceram algumas proteínas, avaliamos como reagiam com os anticorpos e conseguimos comprovar uma alta afinidade de ligação com os anticorpos da LV por meio de estudos cinéticos. Este resultado em nível molecular, somado aos resultados do grupo da UFMG, constituíram importantes provas da viabilidade do emprego destas proteínas no diagnóstico. Hoje em dia existem kits de diagnóstico com essas proteínas para detecção da doença.”
O desafio no pós-doc
O pesquisador impôs junto às atividades de seu pós-doutoramento o desafio de desenvolver um equipamento de SPR portátil, com o objetivo de levar as metodologias desenvolvidas para diagnóstico da LV a áreas endêmicas. “Nas pesquisas realizadas até o momento recorremos a equipamentos de porte, comerciais, complicados de se utilizar em campo. Um dispositivo miniaturizado é desejável porque a realidade, hoje, é que as pessoas precisam se deslocar até o laboratório para realizar o teste, que é feito através de soro ou do sangue. Acredito que é possível em um futuro muito próximo construir um dispositivo tendo fibras ópticas como nanossensores e realizar o ensaio in vivo, com resultado imediato.”
Neste sentido, o autor da tese já iniciou conversações com o grupo do professor Hugo Figueroa, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp, que já trabalha com dispositivos similares e estão construindo um voltado à SPR. “Como somos da química analítica, temos limitações para construir os componentes eletrônicos do dispositivo. Paralelamente, queremos manter a colaboração com o pessoal da UFMG, que tem desenvolvido vacinas contra leishmaniose visceral, inclusive com patentes e testes preliminares no sistema público de saúde. Também devo passar um período na Argentina, com pesquisadores do Centro de Innovación Tecnológica Empresarial y Social (Cites), interessados em testar nossas metodologias em dispositivos portáteis que eles construíram.”
Dênio Souto considera importante ampliar a rede de cooperação para aprimorar o diagnóstico da LV, principalmente pela preocupação com os casos assintomáticos da doença. “Há muitos estudos buscando descobrir o porquê da doença e estamos contribuindo com uma parte fundamental, em nível molecular. Vale salientar que os biossensores construídos, embora desenvolvidos inicialmente para LV, podem ser aplicados para diversas doenças. Em outra pesquisa do nosso grupo, focamos na doença de Chagas, inclusive validando o estudo através de ensaios com dezenas de amostras de soros de pacientes positivos (para inúmeras doenças) e negativos. Existe um espectro amplo de aplicações desses (bio)sensores.”
A LV na literature
De acordo com a literatura, o número de casos de leishmaniose está intimamente relacionado à situação econômica da região. A leishmaniose visceral (LV), também conhecida como “calazar”, é a forma mais grave, em que parasitas de Leishmania saem do local de inoculação e proliferam no fígado, baço e medula óssea, resultando em imunossupressão do hospedeiro. Esta capacidade de penetração do parasita em órgãos vitais do sistema fisiológico humano resulta em elevado índice de mortalidade em indivíduos infectados que não têm acesso a tratamento adequado.
Os sintomas típicos da LV são: febre, perda de peso, esplenomegalia, hepatomegalia, linfadenopatia e anemia. O agente etiológico mais encontrado nas Américas e no norte da África é a espécie Leishmania infantum, também conhecida como Leishmania chagasi. Nas Américas, o agente etiológico da LV mais comumente encontrado é a espécie Leishmania infantum, sendo a principal via de transmissão desse protozoário através da picada de insetos do gênero Lutzomyia, o “mosquito palha” ou “birigui”. A LV é considerada uma zoonose nas Américas, uma vez que os cães ou outros canídeos são os principais hospedeiros do parasita.
Publicação
Tese: “Estudo da imobilização de antígenos de Leishmania infantum sobre plataformas organizadas empregando SPR e QCM para detecção de anticorpos específicos da Leishmaniose Visceral”
Autor: Dênio Emanuel Pires Souto
Orientador: Lauro Tatsuo Kubota
Unidade: Instituto de Química (IQ)