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Entre a expansão e a crise

Em seu trabalho para a obtenção do título de professor titular, José Carlos Braga aponta as incertezas relativas ao sistema capitalista global

O sistema global do capitalismo vive uma espécie de “era da indeterminação”. A hipótese foi defendida recentemente pelo docente do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, José Carlos de Souza Braga, durante aula ministrada como parte das exigências para a obtenção do título de professor titular. De acordo com ele, alguns aspectos contribuem para o estabelecimento do cenário de incertezas. “Atualmente, não há um padrão monetário internacional estável, como havia no passado com o dólar-ouro. Também não está claro como se dará a divisão internacional do trabalho. Há dúvidas sobre quem produzirá o quê e em que lugar. Além disso, ninguém sabe o que acontecerá aos países desenvolvidos, que ainda sofrem reflexos da crise. Será que eles estariam absorvendo aspectos do subdesenvolvimento? A alta taxa de desemprego, por exemplo, preocupa tanto aos países europeus quanto aos Estados Unidos”, analisa.

O trabalho apresentado por Braga, intitulado Teoria e História dos Capitalismos, é o resultado de toda uma vida dedicada ao estudo de temas relacionados às áreas da Teoria Econômica, Economia Internacional e Economia Brasileira. Além de ministrar a aula, o docente também apresentou um memorial acadêmico e se submeteu a uma prova de títulos. “No memorial, eu procurei salientar as minhas linhas de trabalho. Meu propósito foi pensar o capitalismo contemporâneo, cujo recorte temporal compreende desde os anos 1970 até os dias atuais”, explica o docente. De acordo com ele, está cada vez mais claro que o capitalismo entrou numa crise sistêmica global a partir de 2007/2009. “Os desdobramentos dessa crise ainda podem ser sentidos, embora a fase mais aguda já tenha sido superada, graças à atuação dos bancos centrais que apoiaram os sistemas financeiros dos países mais afetados”.

Como decorrência dessa crise sistêmica, continua Braga, o capitalismo teria ingressado nessa fase de indeterminação. O economista lista os fatores que estariam contribuindo para a configuração do período de incertezas. Em primeiro lugar, ele cita a ausência de um padrão monetário consistentemente dominante, como era o dólar-ouro e a libra-ouro. O dólar, que vem cumprindo essa função, tem sido alvo de desconfianças por causa da situação econômica dos Estados Unidos, como lembra o professor da Unicamp. “Os Estados Unidos sofreram nos últimos anos várias instabilidades. O país apresenta déficits fiscal, comercial e de transações correntes importantes, além de ter uma dívida pública igualmente significativa. A princípio, isso deveria tornar a moeda fraca. Isso somente não ocorreu porque o fenômeno monetário está diretamente ligado ao poder político. Então, o dólar segue sendo o padrão monetário, embora o ouro não esteja mais por trás dele. Trata-se, hoje, de uma moeda fiduciária ainda dominante, mesmo que sujeita a muitas flutuações. Tanto é assim que, recentemente, quando a situação da Europa começou a se complicar, os detentores da riqueza correram para o dólar, o que equivale dizer que correram para os títulos da dívida pública americana”, detalha.

As incertezas em relação ao dólar, conforme o economista, também atingem o euro, em razão da crise. “Há, ainda, o caso do yuan, a moeda chinesa. Entretanto, é pouco provável que a China queira inserir a sua moeda no jogo internacional. É que, ao tornar-se internacional, o yuan também se tornaria alvo de especulações por parte dos donos da riqueza. Portanto, nós temos uma indeterminação sobre qual padrão monetário vai conduzir uma nova etapa de desenvolvimento mundial”, reforça Braga. Outra indeterminação aventada por ele refere-se à divisão internacional do trabalho. Ou, em termos mais acessíveis, de como a geografia mundial da produção será dividida. “Estamos assistindo a uma inquestionável manifestação de poder da indústria chinesa, que está articulada com os demais países asiáticos. De outro lado, temos a União Europeia, que tem na Alemanha uma grande potência industrial. E temos os Estados Unidos, que continuam sendo fortes em setores como aeronáutica, tecnologia da informação etc. É briga de cachorro grande. E não podemos nos esquecer dos países emergentes, entre eles o Brasil. Uma pergunta pertinente é: o Brasil continuará sendo um país industrializado? Apenas para lembrar, dados de 2011 do IBGE indicam que a participação da indústria brasileira no PIB foi de 14% naquele ano. É o mesmo índice da era JK! Sem contar que essa participação já atingiu 27% em outras épocas. O fato é que o Brasil está perdendo tecido industrial, principalmente por causa da valorização “fictícia” do real face ao dólar. Estamos perdendo competitividade e oportunidades de exportação”.

A questão é reforçada, assinala Braga, até mesmo por mudanças incipientes. Exemplo é a recente movimentação do México, que até há pouco tempo não era considerado como participante do jogo competitivo internacional, por ser caracterizado como economia das “maquiladoras”, empresas apenas montadoras de partes e peças importadas, sem criação forte de valor agregado. “Nos últimos tempos, o México desvalorizou o peso e ganhou competitividade. Voltou a entrar no jogo, prometendo inovações tecnológicas. O país vai competir com a China pelo mercado dos Estados Unidos e da América Latina, o que representa uma clara ameaça ao Brasil, segundo analistas internacionais. Não é à toa que a presidente Dilma Rousseff está preocupada com a atual taxa de câmbio”, detalha o docente do IE.

Uma terceira indeterminação relativa ao capitalismo contemporâneo, destaca o economista, diz respeito ao futuro das nações desenvolvidas. “O que vai acontecer com elas? Será que estão absorvendo aspectos do subdesenvolvimento? Atualmente, observamos um fenômeno relevante no mundo desenvolvido. De um lado, cresce o desemprego. De outro, aumenta a concentração da renda e da riqueza. O presidente Barack Obama, por exemplo, teve enormes dificuldades para promover uma reforma parcial no sistema de saúde dos Estados Unidos, país que soma 50 milhões de pessoas sem cobertura. O que dizer da desejada regulação financeira?”.

Desregulação


Por último, mas não menos importante, Braga chama a atenção para um ponto fundamental nesse cenário de incertezas. Ele questiona se surgirá uma cooperação internacional capaz de regular o atual capitalismo, cuja desregulação contribuiu para a emergência da crise de 2007. “Isso não está à vista. Na Europa, cada país diz uma coisa. A situação da Grécia, por exemplo, foi levada ao limite. A saída para esse tipo de situação, a meu ver, seria constituir uma federação de nações europeias para promover uma ajuda mútua, a exemplo do que acontece no Canadá, onde as regiões mais ricas socorrem as demais, de modo que ocorra certo equilíbrio. Tal medida, repito, não está à vista, pois temos no mundo um sistema interestatal capitalista. Traduzindo, temos uma realidade na qual, além da competição entre os capitais, os estados nacionais competem entre si, defendendo seus interesses e poderes, inclusive com o uso de armas”.

E qual seria o fórum adequado para o eventual estabelecimento desse tipo de cooperação internacional? Na opinião do professor da Unicamp, as alternativas naturais seriam a ONU, as organizações multilaterais como o Banco Mundial e o FMI. “Ocorre que nenhuma dessas instituições tem força e/ou representatividade suficiente para promover a aproximação dos países. Hoje, não podemos ter clareza se surgirá uma espécie de capitalismo regulado, no sentido de termos uma disciplina financeira”, entende Braga. O economista faz questão de registrar, porém, que toda essa problemática não significa afirmar que o capitalismo está caminhando para o colapso. “Não é nada disso. Estamos vivendo um período de tensão. São turbulências de um sistema dinâmico que recorrentemente fica entre a expansão e a crise”, esclarece.

Em seu trabalho, Braga também faz uma análise do papel do Brasil no cenário internacional. Segundo ele, desde o advento do Plano Real, em 1994, o país adotou um novo padrão liberal de “desenvolvimento” do capitalismo, que por definição atende, sobretudo, aos interesses do capital. A questão da distribuição de renda e da riqueza, conforme esse modelo, é secundária. “A inflação está baixa e o país dá sinais de voltar a crescer. Nos últimos anos, tivemos uma melhora na distribuição de renda, através do aumento real do salário mínimo e dos programas de transferência do governo federal, como o Bolsa Família. Também experimentamos o aumento da concessão de crédito às famílias de baixa renda. Tudo isso fez com que o consumo crescesse e a economia crescesse junto. A despeito disso, cabe a pergunta: em que pé estamos? Com a taxa de câmbio altamente valorizada, penso que, agora sim, estamos diante do risco de desindustrialização. A saída contra esse tipo de ameaça é a adoção de um projeto nacional de desenvolvimento”, sustenta.

O professor do IE prossegue dizendo que o país carece de uma política macroeconômica mais consistente do que a atual, que está baseada no tripé câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário. “Esse modelo, que parece estar mudando no atual governo, tolhe o nosso desenvolvimento. O Brasil tem uma base industrial importante e um agronegócio igualmente forte. São condições que nos favorecem. Todavia, necessitamos de uma política industrial para valer. Carecemos também de uma política financeira que junte os bancos públicos e induza os bancos privados a financiarem o desenvolvimento de longo prazo. Aqueles que agissem assim poderiam pagar menos tributo, por exemplo. Outra missão importante é adotar políticas de desenvolvimento regionais, que sejam pensadas sob a lógica nacional. Não podemos continuar arcando com as negatividades geradas pela guerra fiscal entre os estados. Por fim, também não podemos deixar de adotar políticas sociais mais consistentes, que objetivem atender as necessidades da população nas áreas de saúde, educação etc, bem como promover a autonomia das pessoas que hoje dependem do Bolsa Família. Isso sem falar nos investimentos em infraestrutura, que são indispensáveis. Se não atuarmos nessas estratégias, correremos o sério risco de sofrer uma regressão histórica”, alerta Braga.






 
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