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A segunda geração do Matvox
Aplicativo que ajuda deficientes visuais
a fazer cálculos complexos ganha novas funcionalidades
Em
2010, o professor Luiz César Martini, da Faculdade de Engenharia
Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp, orientou dissertação
de mestrado, apresentada pelo estudante Julian Mauricio Prada
Sanmiguel, que resultou no desenvolvimento de uma tecnologia
batizada de Matvox, aplicativo voltado às pessoas com deficiência
visual que necessitavam de uma ferramenta que as auxiliasse
no aprendizado nas áreas de ciências exatas. A versão original,
que já era apontada como um poderoso recurso para esse público,
acaba de ser aperfeiçoada por outro orientado do docente,
Henrique da Mota Silveira. “A segunda versão do Matvox conta
com novas funcionalidades que incorporam principalmente cálculos
de números complexos, matrizes e equações polinomiais”, explica
o professor Martini.
Dito de maneira simplificada,
o Matvox é uma calculadora programável, que funciona acoplada
a um editor de texto dotado de um sintetizador de voz que
se comunica com o deficiente visual. Esta ferramenta, batizada
de Dosvox, foi desenvolvida pelo professor Antônio Borges
e equipe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Ela conta com cerca de 80 programas, tais como formatador
para o sistema Braille, caderno de telefones, agenda, jogos
diversos, navegador de internet, leitor de telas, entre outros.
“Resolvemos utilizar o Dosvox por ser um programa com código
aberto e de uso gratuito, que já vem sendo amplamente utilizado
pelos deficientes visuais. Hoje em dia, aproximadamente 20
mil pessoas no Brasil, Portugal e América Latina já operam
com ele”, esclarece o professor Martini.
A primeira versão do Matvox,
conforme o docente, já representou um grande ganho para os
deficientes visuais, que não contavam com qualquer recurso
do gênero. Entretanto, por causa de demandas apresentadas
pelos próprios usuários, houve a necessidade de aperfeiçoá-lo.
Assim, foram agregadas novas funcionalidades ao sistema. “A
segunda versão do Matvox permite a realização de todos os
tipos de cálculos matemáticos. Os usuários podem trabalhar
com logaritmos, raiz quadrada, raiz cúbica, radiciação e até
funções hiperbólicas, estas últimas específicas da área de
engenharia. O aplicativo permite, ainda, trabalhar com tangente,
cotangente, seno, cosseno etc. Ou seja, ele faz tudo o que
uma calculadora científica faz, com a vantagem adicional de
oferecer artifícios de programação”, detalha o professor Martini.
Na prática, a tecnologia
funciona da seguinte maneira. Primeiramente o usuário aciona
o Dosvox em seu computador, que não precisa ter uma configuração
robusta. Em seguida, abre Matvox, e o programa pergunta pelo
nome do arquivo que o usuário deseja carregar ou criar. Por
meio do teclado interativo, o usuário escreve os algoritmos
e cálculos. Conforme vai digitando, o deficiente visual recebe
informações sonoras através do sintetizador de voz. Após a
execução do código produzido pelo deficiente visual, os resultados
são obtidos. Estes tanto podem ser salvos no diretório quanto
transferidos para uma planilha semelhante ao Excel, que possibilitará
a realização de outras atividades. “O processo é muito simples
e autoexplicativo. Durante a pesquisa conduzida pelo Henrique
Silveira, ele fez uma avaliação do uso da ferramenta por parte
dos deficientes visuais e pode constatar que eles não tiveram
grandes dificuldades para operá-la”, diz o docente da FEEC.
Os testes ocorreram no Centro Cultural Louis Braille de Campinas
(CCLBC).
A nova versão do Matvox já
está disponível para ser baixada gratuitamente pelos interessados
no seguinte endereço eletrônico: www.decom.free.unicamp.br/~martini.
O professor Martini destaca que nem ele nem seu orientado
se preocuparam em pedir registro de patente sobre a tecnologia
porque a intenção jamais foi a de transformá-la em produto
comercial. “Normalmente, os deficientes visuais são pessoas
com baixo poder aquisitivo. Não faria sentido cobrar pelo
Matvox”, pondera. Ele revela que a sua equipe continua trabalhando
no aprimoramento do aplicativo, bem como no desenvolvimento
de novos recursos voltados aos deficientes visuais. “Como
o professor Antônio Borges, da UFRJ, também está lançando
a segunda geração do Dosvox, nós já estamos atuando no sentido
de incorporar a ele a versão dois do Matvox”.
Também
em parceria com o docente da UFRJ, a equipe do professor Martini
tem conduzido um trabalho que objetiva conceber uma ferramenta
computacional que reproduza as mesmas funções da mais completa
calculadora financeira disponível comercialmente, a HP12C.
“Estamos fazendo isso também por solicitação dos deficientes
visuais, que encontram enormes dificuldades para trabalhar
na área de Ciências Contábeis”, esclarece o professor Martini.
Segundo ele, a tecnologia deverá receber o nome de Finavox.
“Atualmente, meus trabalhos estão todos voltados para as necessidades
dos deficientes visuais. Conto com seis orientandos, e todos
eles estão envolvidos nessa missão”, acrescenta.
Henrique Silveira destaca
a motivação de ter trabalhado na pesquisa. “Eu me sinto realizado
em ter colaborado e desenvolvido meu projeto de mestrado em
meio de uma causa tão importante e carente de incentivos.
Com os novos recursos do Matvox, muitas pessoas com deficiência
visual poderão aprender e praticar temas mais profundos da
matemática”. Sobre expectativas futuras acerca do aplicativo,
Henrique espera que aumente a inserção de pessoas com deficiência
visual no âmbito das ciências exatas, propiciando que surjam
futuros profissionais engenheiros, arquitetos, físicos e matemáticos.
“As pessoas com deficiência visual necessitam de recursos
alternativos para alcançar as mesmas possibilidades de uma
pessoa dita normal. O Matvox foi concebido para oferecer meios
para os estudos desse público nas áreas de ciências exatas”,
reforça.
Acidente
A dedicação do professor Martini a essa linha de pesquisa
está intimamente ligada à sua história pessoal. Em 1995, durante
uma viagem ao Canadá, ele sofreu um acidente e ficou cego.
Ao retornar ao Brasil, teve que se submeter a programas de
reabilitação para aprender a conviver com sua nova condição.
“Como sempre trabalhei com compressão de imagens, voltei a
atuar nessa área. Com o tempo, porém, percebi que não havia
nenhum recurso computacional relacionado com matemática que
fosse dirigido aos deficientes visuais. Em 2004, tentei produzir
algo do gênero com a participação de um aluno de iniciação
científica, mas a ideia não vingou. Retomei o projeto em 2006,
com o auxílio de um orientado. Na ocasião, desenvolvemos um
leitor de telas”, relata.
Por causa da cegueira, o
docente da Unicamp passou a ter contato com outros deficientes.
A história de dois deles reforçou a disposição do professor
Martini em pesquisar soluções no segmento de acessibilidade.
“Esses dois deficientes haviam ingressado na Universidade,
um no curso de Matemática e outro no de Física. Ambos cursaram
somente o primeiro ano. Tiveram que desistir porque não contavam
com ferramentas que pudessem auxiliá-los no momento de realizarem
cálculos. Então, eu resolvi aprofundar ainda mais meus trabalhos
nessa área. Antes de iniciarmos o desenvolvimento de programas
e aplicativos especificamente para os deficientes, eles contavam
apenas calculadoras que ‘falavam’, o que não ajudava muito”.
Ao comparar os procedimentos
de um vidente com os de um cego, o pesquisador concluiu que
precisava criar algo que pudesse substituir o registro dos
cálculos em papel. Explicando melhor. Quando uma pessoa que
enxerga está fazendo um cálculo, ela olha para a equação registrada
no papel, digita os números na calculadora e registra o resultado
no papel. “No caso de um cego, não basta ter uma calculadora
que ‘fala’, visto que ele é obrigado a memorizar todas as
fórmulas. Como se não bastasse, ele também tem que memorizar
todos os passos da operação. Cadê o papel para ele registrar
e poder raciocinar? Para o deficiente visual, os ouvidos funcionam
como olhos. Foi aí que me surgiu a ideia de substituir o papel
nesse processo. O passo seguinte foi trabalhar na formulação
de um aplicativo que pudesse funcionar acoplado a um editor
de texto dotado de sintetizador de voz. Felizmente, a ideia
se mostrou exequível e surgiu o Matvox”, narra o professor
Martini.
Segundo ele, recursos como
a tecnologia desenvolvida na FEEC são fundamentais, pois permitem
que os deficientes visuais ingressem e se mantenham na carreira
desejada, no caso as relacionadas às áreas de ciências exatas.
“Eu conheço muitos cegos que tinham interesse em estudar Física
e Matemática, mas acabaram optando por outros cursos, como
Direito e Línguas, porque encontraram grandes dificuldades
para abraçar as carreiras originalmente desejadas. Para estudar
um idioma estrangeiro, por exemplo, o deficiente visual necessita,
como ferramentas fundamentais, um dicionário e um editor de
texto específicos. Felizmente, esses recursos já estão disponíveis
e são acessíveis à maioria dos interessados. No caso de quem
precisa trabalhar com cálculos, porém, a situação é bem diferente”,
reforça.
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Publicação
Dissertação: “Aperfeiçoamento
da ferramenta Matvox: um aplicativo para pessoas com deficiência
visual que proporciona a implementação de algoritmos e cálculos
matemáticos em um editor de texto”
Autor: Henrique da Mota Silveira
Orientador: Luiz César Martini
Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica
e de Computação (FEEC)
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