O
preconceito da mídia contra os iletrados Professor
do IEL avalia a língua como espaço de poder, onde se julga que
quem diz nós vai, não pensa
írio
Possenti, um estudioso da análise do discurso, se interessa por duas coisas:
por piadas e pela disputa política que se dá no campo da linguagem.
Mas o que tem feito ultimamente é se dedicar à coleta de opiniões
da mídia sobre a língua. O resultado da garimpagem não é
nada lisonjeiro para os profissionais envolvidos com a notícia. Possenti,
professor do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, tem percebido
que a mídia lê a língua como se ela fosse um manual, mais
precisamente um manual de etiqueta. Mais: ignora as relações existentes
entre linguagem e outros campos, como cultura, sociedade e ideologia. Ou
a gente sabe ou não sabe. Para a mídia, só existe a gramática.
Você tem os colunistas que corrigem, que falam das regras de concordância,
regência, conjugação verbal, ortografia, daquilo que está
na lei. Na opinião do especialista, o fenômeno, classificado
por ele de incompreensível, respinga em áreas vitais
educação incluída. Segundo
Possenti, o que mais impressiona na mídia é o quanto ela passa a
ser conservadora, normativa e preconceituosa por só enxergar a língua
como escrita. É espantoso o fato de seus representantes não
se darem conta de que se trata de um fenômeno sócio-cultural a ser
investigado, discutido e explicado. No diagnóstico feito pelo professor,
essa distorção predomina por ser a língua o espaço
mais óbvio do poder. Para Possenti, é ensinado que não
pega bem o homem ter preconceito contra as mulheres, ou heterossexual em
relação aos homossexuais, mas ninguém aprende que se deve
respeitar aqueles que falam de um jeito que não seja o corriqueiro. É
como se a fala fosse o divisor de águas entre quem é bom e quem
é ruim, quem está certo e quem está errado. E quem está
certo é aquele que segue o manual da escrita, uma coisa ridícula
para quem investiga qualquer coisa. Assim,
na análise de Possenti, a escrita passa a ser um lugar de indiscutível
discriminação. De um lado, pode-se discutir sexo, raça, ideologia
ou qualquer outro assunto; de outro, a discussão sobre língua é
ignorada. Quem fala errado, está errado, não pensa, embora
o Ocidente tenha descoberto há pelo menos dois séculos que não
é assim. Um conceito, continua, reproduzido na escola, no ministério,
nas secretarias de Educação, e que reflete o poder de um país
reacionário como o Brasil. O professor do IEL não entende,
porém, a adesão da mídia e de intelectuais engajados à
ladainha. Se você é democrático no que se
refere a sexo e gênero, não adianta muito, porque a escola vai continuar
reprovando quem erra ortografia. E quem erra ortografia vai ser preto e pobre.
Um
discurso, acrescenta Possenti, cujo efeito trágico pode ser conferido nas
colunas publicadas nos jornais, em sua opinião mais conservadoras que as
gramáticas e os dicionários. O lingüista choca-se com o governismo
da imprensa e acha que a preocupação deve recair não sobre
os iletrados, mas sim sobre aqueles que lêem. Fico me perguntando,
por exemplo, o que levou o doutor Ermírio de Moraes, que tem pós-graduação,
ou o doutor Delfim Netto, a votarem no Collor. Por que o homem que escreve no
jornal votou no Collor? Por que os sábios votam na direita? Por que o Gianotti
é tucano?. No
que se refere à linguagem, Possenti vê a questão como decorrente
da ideologia, que pode ser alimentada pela ignorância. Uma questão
com várias faces, uma dela a possibilidade de crítica. Sexo,
raça e poder podem ser objetos de crítica, mas a língua ainda
não o é, ela se restringe ao que é certo ou errado. Transponha
isso para o sexo e etnia e você vai ter as coisas dos séculos 13,
14, 15, 16.... As mulheres não tinham alma, questionava-se se negro e índio
eram gente. No domínio da língua, acredita o linguista, as
discussões estão nesse patamar. Quem diz nós vai, pensa
ou não pensa?, compara, para fuzilar em seguida. Pior que isso:
esquecemos que o inglês é assim. Nossos intelectuais não são
capazes de ver o óbvio, que grita na frente deles. Eles dizem i go,
mas não conseguem suportar eu vou, cê vai, ele vai. Tamanha
aberração, avalia o professor, desemboca numa discriminação
perversa, na qual a escola é emblemática, com reprovações
de alunos que não conseguem conjugar o verbo na regência certa, revelando
as distorções de uma política cultural e educacional equivocada.
Primeiramente, por achar que colocando computador nos colégios o problema
será atenuado. Segundo, pela abordagem dispensada às questões
curriculares. As perguntas das provas são para a classe média
responder, nunca para as classe populares, para os alunos de áreas rurais.
Ninguém pergunta qual a diferença entre um tico-tico e outro pássaro.
Eles perguntam a diferença entre abstrato e concreto, cutuca.
|
O
grande fator de exclusão do índio foi querer integrá-lo à
educação. Todo movimento de integração passava pela
escola, primeiramente na missionária e, depois, na escola pública.
Hoje, ele está tendo uma criatividade enorme na maneira de desenvolver
a própria educação sem jogar fora a educação
brasileira. Assim, ele lidera um movimento que de certo modo é paradigmático,
já que mostra à sociedade brasileira que a verdadeira integração
é respeitar as diferenças. ----------------------------------------------- O
índio retomou o próprio discurso, não tem medo de ser feliz.
Alguns povos conseguiram o equilíbrio de não sair da própria
educação, mantendo a escrita, o livro didático e a literatura
próprios. ----------------------------------------------- O
silêncio de uma língua não depende da estrutura, não
depende das injunções demográficas. Depende da vontade. A
sociedade indígena tem de estar decidida a manter a língua; do contrário,
ela fica silenciada. ----------------------------------------------- A
globalização é excludente por natureza. Agora, muitas vezes,
também provoca a mundialização de conhecimentos, e o que
hoje se idealiza é a anti-globalização. Por outro lado, temos
os efeitos perversos. A comida, por exemplo, está sendo globalizada numa
velocidade espantosa. Os índios estão ficando obsesos.
|