Engenheiro civil, Wilians precisou do transplante de medula ao descobrir por acaso uma leucemia mielóide aguda. O hemograma apontou células desconfiguradas e, imediatamente, passou a ser tratado em um hospital de Campinas. Foi transferido para a Unicamp a fim de fazer o teste de compatibilidade de medula. Dois irmãos eram compatíveis com ele e lhe trouxeram a esperança da cura. Entre a internação e o pós-operatório, a permanência do paciente no HC durou ao todo 35 dias.
Segundo o paciente, a perda de peso foi uma conseqüência: dos 82kg que pesava, caiu para 69. Wilians já consegue, porém, relativizar o problema e diz que tudo isso valeu. Hoje, completamente curado, sente-se de novo disposto. Casado há oito anos, voltou a sua rotina, que ganha como aditivo a força de vontade para vencer obstáculos difíceis. “A parte mais complicada foi ter que me submeter a três quimioterapias”, revelou. Por outro lado, relatou que a compatibilidade e a qualificação da equipe que o atendeu foram decisivos para ter êxito no procedimento. “Agradeço a oportunidade da vida, de poder continuar junto com a minha família e com os meus amigos para alcançar meus objetivos”, manifestou-se.
Dos sete tipos de órgãos e tecidos que podem ser transplantados, o HC da Unicamp não realiza apenas os de pulmão e ossos. É um dos hospitais que mais efetua esses procedimentos no país, situando-se entre os dez do Estado de São Paulo. Na Unicamp, a equipe da Urologia realizou o primeiro transplante renal, em 1984. O primeiro transplante de fígado foi realizado pela equipe do professor Luís Sérgio Leonardi em 1991. O transplante de medula óssea ocorreu em 1993 e o de coração em 1998.
Trajetória - O coordenador-geral da Universidade e hematologista, Fernando Ferreira Costa, pontuou que esse marco representa o trabalho empenhado como hospital universitário. A implantação deste procedimento, segundo ele, fornece à sociedade a oportunidade de tratamento igual ao de outros destacados países. “Oferecemos um dos melhores atendimentos e contribuímos para a formação de RH. Muitas investigações, com geração de conhecimento, resultaram deste atendimento. Sem a dedicação de todos, o sentido institucional não seria aqui comemorado”, frisou.
O superintendente do HC, Luiz Carlos Zeferino, forneceu alguns dados que revelam a importância dos transplantes para um hospital terciário. Disse que hoje a média de transplantes do hospital é de 260 por ano e que 2002 e 2003 foram numericamente os anos mais expressivos dos transplantes 300, representando 1 transplante por dia.
O superintendente comentou que quando se fala em transplante lembra-se logo da troca de órgãos, mas ele acredita ser mais conveniente realçar todo processo. “Neste final de semana tivemos dois transplantes e um, de rim, não foi compatível. O órgão teve então que ser encaminhado para outra cidade”, contou para exemplificar a logística que envolve para que ocorra o procedimento. “Transplante de órgãos não é item de prateleira. É preciso ter doador e não depende de hospital. Também a disponibilidade de buscar, informar e integrar é algo meticuloso. É uma ação coletiva. Parabéns a todas as equipes”, afirmou Zeferino.
O diretor da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), José Antonio Rocha Gontijo, destacou o papel dos transplantes como mecanismo de estímulo acadêmico. Também incentivou o aparecimento de novas equipes, qualificadas e que dêem maiores chances aos pacientes.
Luís Augusto Pereira, representando a Secretaria Estadual de Saúde, recordou as fortes resistências contra os transplantes nos primeiros anos e a polêmica, até hoje, dos critérios de distribuição. Reforçou em grande medida a falta de formação em recursos humanos nas escolas de Medicina e de Enfermagem, acrescentando que, na Espanha, o tema é uma especialidade e que este deve ser o caminho para o Brasil.
O pró-reitor de Desenvolvimento Universitário, Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva, relembrou o início dos transplantes no hospital, quando era superintendente do HC. “Fazíamos poucos. Mesmo assim, notamos que era necessária uma estrutura permanente. O hospital não recebia pelo procedimento e ficamos um bom tempo sem credenciamento. Foram 24 anos de dificuldade. Para chegar a este ponto, é preciso mesmo comemorar”, comentou.
Medula - De acordo com o hematologista Cármino Antonio de Souza, em 1994 o Hemocentro começou a fazer transplantes com células-tronco periféricas. O primeiro estudo randomizado do país pareando transplante de medula óssea e com células-tronco foi da Unicamp. “A nossa Unidade de Transplante de Medula Óssea é muito produtiva, com um mediano de 60 transplantes por ano, pagos pelo SUS”, informou.
O transplante é, segundo Cármino, uma ação multidisciplinar e não existe hegemonia profissional neste caso. “Parte de nossos transplantes são feitos no Hemocentro e no HC. Mas ainda temos uma demanda reprimida pela falta de leitos e estrutura para transplantes”. Para o gastrocirurgião Luís Sérgio Leonardi, um dos homenageados por liderar a primeira equipe de transplantes de fígado, existe uma estrutura hospitalar anacrônica que deve, a seu ver, ser corrigida para evitar a divisão de transplantes.
Cármino lamentou que apenas 35% dos candidatos a transplante de medula óssea consigam chegar ao procedimento e que 70% sejam realizados somente no Estado de São Paulo, sendo que o Nordeste não dispõe de uma unidade sequer. “O número de transplantes não poderia ser melhor. Deveria”, esclareceu. Uma curiosidade: cerca de 14 nomes indicados para o prêmio Nobel concedidos à saúde foram para a área de transplante, tal a sua relevância social.