As condições imunológicas de crianças e adolescentes infectados pelo HIV podem ser alteradas de acordo com a qualidade da sua alimentação, atesta pesquisa desenvolvida para a tese de doutorado da nutricionista Yara Maria Franco Moreno, defendida recentemente na Unicamp. Ao administrar suplementos alimentares contendo proteínas do soro do leite bovino a um grupo de soropositivos na faixa etária de 3 a 16 anos, a pesquisadora constatou melhora no desempenho do sistema imunológico dessas pessoas. “Conforme os testes clínicos, as proteínas do soro do leite bovino demonstraram ter um papel imunomodulador, ou seja, apresentam a propriedade de reforçar a defesa natural do organismo contra eventuais doenças”, afirma.
Financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a pesquisa deu continuidade ao trabalho iniciado por Yara por ocasião do mestrado. Segundo a nutricionista, o objetivo desta feita era saber que contribuição os alimentos considerados funcionais, aqueles que fornecem algo além de energia ao organismo, poderiam dar ao sistema imunológico de crianças e adolescentes infectados com o vírus HIV, transmitido de forma vertical (no parto ou através do aleitamento materno).
Para isso, ela selecionou 40 pacientes submetidos a terapias antiretrovirais no Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. No momento de entrada nos testes, nenhum deles apresentava infecções associadas à Aids, conforme a pesquisadora. “Uma preocupação do estudo foi selecionar pessoas que tivessem padrões alimentares similares. De modo geral, todos apresentavam dificuldades de acesso a alimentos”, explica.
Os participantes dos testes foram divididos em três grupos. Durante três meses, cada um consumiu um tipo de suplemento alimentar presente no mercado e contendo proteínas do soro do leite bovino. Um dos produtos apresentava as proteínas nativas, ou seja, com sua estrutura e propriedades preservadas. O segundo continha a proteínas hidrolisadas (submetidas a um processo químico em que são usadas enzimas) e o terceiro era enriquecido com prebióticos, como fibras. Para avaliar os resultados da administração desses suplementos, Yara considerou a resposta do sistema imunológico à vacina BCG, aplicada para a prevenção da tuberculose.
De acordo com a pesquisadora, ao final dos três meses as crianças que consumiram tanto o suplemento com proteína nativa quanto o que continha a proteína associada com prebióticos apresentaram um aumento significativo das células de memória específicas para a BCG. Dito de outro modo, as proteínas contribuíram para reforçar as defesas naturais do organismo contra a doença. “Essa conclusão é importante, pois indica que outras patologias também podem ser combatidas com maior eficiência se, durante o processo terapêutico, os pacientes tiverem uma alimentação adequada”, afirma Yara, que foi orientada pela professora Maria Marluce dos Santos Vilela, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e do Centro de Investigação em Pediatria (Ciped).
Valor agregado A Unicamp tem tradição em pesquisas em torno das possíveis aplicações para o soro do leite bovino. O produto, normalmente descartado pela indústria de laticínios, ajuda a poluir o ambiente. Entretanto, empregado como suplemento alimentar, tem a propriedade de reforçar a defesa natural do organismo contra doenças. Um dos pioneiros nessa linha de estudos é o professor Valdemiro Carlos Sgarbieri, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), que foi orientador de Yara Maria Franco Moreno durante o seu trabalho de mestrado.
A proteína do soro do leite bovino vem sendo usada em larga escala, por exemplo, em países desenvolvidos. No Brasil, segundo Yara, isso ainda não ocorre. “Nós dispomos tecnologia, mas não a empregamos para desenvolver novos produtos”, analisa. Para produzir o queijo, as fábricas promovem a coagulação do leite por intermédio de um tratamento térmico, que também tem a função de combater as bactérias. Após a coagulação, obtém-se a caseína, base para o preparo de derivados, e o soro. Este último, embora possa dar origem a produtos com alto valor agregado, normalmente é jogado fora.