O humor e o papel da
mulher contemporânea
RAQUEL DO CARMO SANTOS
Mesmo em meio a diversos avanços obtidos por movimentos feministas nas últimas décadas, a mulher dos dias de hoje se configura por meio de uma identidade em crise, na opinião da jornalista Érika de Moraes, que defendeu tese de doutorado no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). Ainda que estejam inseridas no mercado de trabalho e cursando ensino superior, elas sofrem conflitos entre ser “bem-sucedida” profissionalmente e administrar tarefas relacionadas ao lar, marido e filhos. “É uma identidade marcada por crises e contradições. Há um conflito entre o prazer da independência, especialmente financeira, pois é esta que garante a liberdade em muitos outros aspectos, e o desejo de ter ao seu lado um homem que a proteja em determinadas ocasiões”, argumenta.
Érika, embasada na escola francesa de análise do discurso, buscou refletir sobre as questões da identidade feminina a partir de quadros humorísticos e charges que representam a figura da mulher. São tiras de humoristas como Maitena, Miguel Paiva, personagem Radical Chic e Adão Iturrusgarai, com Aline. Por questões de delimitação, o trabalho não aprofunda no campo teórico do humor.
As evidências de conflitos a que chegou a jornalista em sua tese de doutorado, orientada pelo professor Sírio Possenti, não implicam, necessariamente, conotações negativas, e sim um processo de transformação natural pela mudança de papéis. Trata-se de uma identidade em construção. Nas representações, leva-se a crer, inclusive, que estas características da mulher atual levam o homem a descobertas, que, em maior ou menor medida, passa a perceber que um filho pode dar muito mais trabalho que o escritório.
Segundo a jornalista, não há exatamente uma “troca de espaços”, mas um compartilhamento, pois a mulher vai se inserindo no ambiente público, especialmente por meio da profissão, enquanto o homem aumenta sua participação no ambiente privado.
A representação discursiva nas tiras de Maitena mostra a mulher que, inconscientemente, tem dificuldades em abrir mão de seu papel de “administradora do lar”. Sofre com as imperfeições do seu corpo e, quando não atinge o ideal de beleza propagado pelos meios de comunicação, sente uma enorme frustração, que parece ser capaz de invalidar todas as outras conquistas. Já a personagem Radical Chic, de Miguel Paiva, simboliza uma mulher na faixa de 30 que está no início de sua vida independente, não se casou, mas pensa no casamento. É urbana, vaidosa, independente, exigente e sonhadora. Às vezes, é apresentada como ingênua, mas esse pode ser um aspecto de sua esperteza.
Por sua vez, a personagem de Adão Iturrusgarai, Aline, é uma jovem mulher que parece não se importar com padrões. Vive com dois namorados e possui uma relação de “ficante”, não de namorada ou mulher, pois não há compromisso, não há “contrato de fidelidade”, busca-se, sobretudo, o prazer. “Aline representa o que muitas garotas vivem, não no plano real, mas no da fantasia, evidentemente, com uma carga de exagero típica do humor”, atesta Érika.