| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 388 - 10 a 23 de março de 2008
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Historiadora analisa fotografias e filmes em que
Juscelino Kubitschek aparece como protagonista


Fina estampa

MANUEL ALVES FILHO

A pesquisadora Maria Leandra Bizello, autora do estudo: figura do JK sorridente e realizador serve de inspiração para políticos que o sucederam (Foto: Antoninho Perri)Embora seja freqüentemente associada à figura do homem sorridente e moderno, a imagem pública do ex-presidente Juscelino Kubitschek vai muito além desta estampa. “A imagem de Juscelino é multifacetada e foi construída ao mesmo tempo em que governava. Ela não estava pronta antes da sua posse e tampouco foi finalizada com a saída dele do poder”, sustenta a historiadora Maria Leandra Bizello, que acaba de defender tese de doutoramento sobre o tema no Departamento de Multimeios do Instituto de Artes (IA) da Unicamp. Orientada pelo professor Marcius Freire, a pesquisadora analisou cerca de 400 fotografias e 20 filmes publicitários produzidos entre 1956 e 1961, período em que JK ocupou a Presidência da República.

Imagem foi construída ao longo do governo, conclui tese

Juscelino Kubitschek em instantâneos reproduzidos das revistas semanais Manchete e O Cruzeiro: publicações passavam a idéia de homem público moderno e realizadorAs fontes consultadas por Leandra foram as revistas ilustradas Manchete e O Cruzeiro, além de cinejornais produzidos pela Companhia Administradora de Brasília (Novacap) e filmes institucionais realizados pela produtora Jean Manzon Films. O desafio que a pesquisadora se impôs foi entender como a imagem pública de JK foi construída. Para isso, ela trabalhou com alguns temas, a começar pela crise. A historiadora afirma que apesar de a historiografia oficial registrar que o governo de JK foi marcado pela estabilidade, essa informação não é a mais precisa. “A própria chegada de Juscelino ao poder foi acompanhada por uma crise institucional e militar. À época, alguns setores chegaram a discutir se ele deveria ou não tomar posse, o que somente foi possível graças às garantias dada pelo general Lot [Henrique Teixeira, então ministro da Guerra]”, lembra.

Juscelino Kubitschek em instantâneos reproduzidos das revistas semanais Manchete e O Cruzeiro: publicações passavam a idéia de homem público moderno e realizadorAssim, o primeiro ano de governo de JK foi permeado pelas negociações, acordos e conchavos. Esse aspecto, de acordo com a autora da tese, aparece claramente nas fotografias publicadas pelas revistas semanais. Nelas, o então presidente é mostrado em reuniões tanto com seus apoiadores quanto com representantes da oposição. Um dos principais temas das conversas era o Plano Nacional de Desenvolvimento, também chamado de Plano de Metas. “Nessas fotografias, o homem sorridente dá lugar ao homem pragmático”, destaca Leandra. JK, prossegue a pesquisadora, freqüentava assiduamente as seções políticas e as fotorreportagens das duas publicações. É a partir daí que a figura dele ganha projeção nacional.

Um segundo aspecto estudado por Leandra em relação à construção da imagem de Juscelino foi a edificação de Brasília. Nas fotos e filmes analisados por ela, o presidente surge como um homem visionário, realizador e moderno. Esses atributos são reforçados por instantâneos que mostram Juscelino visitando os canteiros de obras, desembarcando de aviões e helicópteros e falando ao telefone. “Como a construção de Brasília não era objeto de consenso e a estrutura governamental já não contava mais com o DIP [Departamento de Imprensa e Propaganda], o presidente valia-se dos cinejornais da Novacap para tentar convencer a população da viabilidade e importância da nova Capital”, explica a historiadora. Nesse aspecto, considera a autora da tese, a imagem de JK confunde-se com a do herói que convoca a população a viver uma aventura com ele.

Juscelino Kubitschek em instantâneos reproduzidos das revistas semanais Manchete e O Cruzeiro: publicações passavam a idéia de homem público moderno e realizadorEm suas constantes visitas a Brasília, o presidente fazia questão de levar consigo figuras de destaque de vários setores, notadamente da política. Entre elas estavam o presidente norte-americano Dwight Eisenhower e o então mandatário cubano Fidel Castro. Sobre este último, JK disse que era o líder que sabia defender a América Latina. Ao mesmo tempo em que serviam para mostrar a figura de um homem público moderno e realizador, as imagens da época também tinham a intenção de desviar o foco da crise gerada pela construção da nova Capital. “Como as revistas ilustradas eram claramente favoráveis ao projeto, esse aspecto foi muito explorado em suas capas, mas sempre ganhado um tom positivo”, relata Leandra.

No processo de construção da imagem de JK, continua a autora da tese, foi estabelecida uma clara separação entre as vidas pública e privada do presidente. Entretanto, a segunda muitas vezes era usada para reforçar a primeira. Desse modo, em algumas oportunidades Juscelino aparecia ao lado da esposa e das filhas. “Isso ajudava a humanizar a figura do estadista”, avalia Leandra. A estampa que se tentava difundir era a de um homem sério e moralmente adequado Juscelino Kubitschek em instantâneos reproduzidos das revistas semanais Manchete e O Cruzeiro: publicações passavam a idéia de homem público moderno e realizadorpara os padrões da época. “Embora muita gente comentasse que JK tinha casos fora do casamento, esse assunto jamais era abordado pela imprensa. Ao contrário, as revistas faziam questão de cobrir eventos sociais como batizados e casamentos, que eu denomino de rituais de poder, nos quais Juscelino aparecia com a família. Nessas matérias, ele era revelado como o marido e o pai ideal”.

Sobre esse tipo de cobertura da imprensa, Leandra lembra que embora as imagens veiculadas pelas revistas não fossem oficiais, elas eram permitidas. Várias vezes, o próprio JK ocupa-se de negociar pautas e fotos com os veículos de comunicação. “Ele até tinha um grupo de intelectuais que se ocupava de escrever seus discursos, mas não dispunha propriamente de uma assessoria de imprensa. A relação do governo com a mídia não era mediada pela censura, que fora extinta, mas por um sutil processo de convencimento”, afirma. Ainda sobre o relacionamento com a imprensa, Leandra destaca as reportagens que mostravam o cotidiano de Juscelino fora da Presidência. Em 1956, por exemplo, O Cruzeiro fez uma matéria classificando-o como o “presidente pé de boi”.

Juscelino Kubitschek em instantâneos reproduzidos das revistas semanais Manchete e O Cruzeiro: publicações passavam a idéia de homem público moderno e realizadorDurante uma semana, os repórteres acompanharam a rotina de Juscelino fora do Palácio do Catete. Na matéria, o político era exibido fazendo barba, colocando as meias, despachando com auxiliares e visitando o alfaiate. Numa das fotografias, JK deixou-se “flagrar” sentado na cama, num instante de descanso. Em nenhum momento ao longo do mandato, porém, as revistas analisadas tocaram em assuntos mais espinhosos ou polêmicos, como o princípio de enfarto que acometeu o presidente ou mesmo as denúncias de corrupção que pesavam contra seu governo.

Outra conclusão interessante oferecida pela tese da historiadora diz respeito à relação que o presidente mantinha com o povo. Nas palavras da pesquisadora, ele era um político popular, mas não populista. “JK não era muito afeito ao povão, como se diz hoje em dia. Nas imagens que analisei, ele não aparece no meio da massa, mas ao largo ou próximo dela. Há apenas uma sugestão dessa suposta intimidade”. Já ao final do mandato, a imagem de Juscelino está mais associada à do homem cansado. Depois do golpe de 1964, o agora ex-presidente exila-se na Europa. Ao retornar ao Brasil, em pleno regime militar, este se mostra triste e abatido. Uma de suas principais mágoas é ter sido impedido de visitar Brasília, sua principal obra. JK morreu em 22 de agosto de 1976, vítima de acidente automobilístico na via Dutra, nas proximidades de Resende (RJ).

Para Leandra, a figura do JK sorridente e realizador que sobreviveu ao tempo trata-se, na realidade, de uma imagem recuperada, que tem servido inclusive de inspiração para vários políticos que o sucederam. “Mas ela não existe sozinha naquele período”, adverte. Entretanto, completa a pesquisadora, o espetáculo da política pede, em casos desse tipo, uma imagem positiva. “Nesse aspecto, JK pode ser considerado um negociador genial, visto que conseguiu trabalhar muito bem sua estampa de homem público mesmo sem ter uma grande estrutura de propaganda e imprensa por trás de si”, analisa.


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