| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 388 - 10 a 23 de março de 2008
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‘Invento formas para dar
conta
de uma proposta estética’

Continuação da página 5

(Foto: Antoninho Perri)JU – Você não acredita mais nessa tese?

Arrigo – Hoje, acho essa idéia muito discutível. Na época, eu achava que era arte. Pensava: por que a música do povo não pode ser tão boa quanto as outras? Era uma coisa confusa. O importante, para nós, não era a obra mas sim quem havia feito a obra.

É óbvio que aí você vê que existem trabalhos autorais incríveis, como os do Cartola e Nelson Cavaquinho, entre outros. Esses trabalhos transcendem a idéia de entretenimento. Já são, no mínimo, um documento, servem como grandes indicadores.

Na verdade, essas categorias precisam ser discutidas. Essa é uma das coisas que a gente está pensando em fazer na Unicamp, talvez com o pessoal da pós-graduação. Seria interessante estabelecer um grupo de estudos para discutir elementos de coerência para uma estética da música brasileira, inclusive para poder entendê-la sob uma perspectiva científica e filosófica. Seria interessante contrapor [Theodor] Adorno, [José Ramos] Tinhorão e Augusto de Campos.

JU – Em que medida, na sua opinião, a introdução de novos elementos em sua obra foi um avanço em relação ao Tropicalismo?

Arrigo – Sempre tive uma preocupação maior com a música. Meu trabalho é de músico, de compositor. Não sou um autor lítero-musical. Vejo o Tropicalismo como um movimento lítero-musical. Seus integrantes eram autores de canção, o que por si já caracteriza uma diferença básica. A Bossa Nova, por exemplo, chegou num ponto de qualidade musical muito superior ao Tropicalismo. Ninguém discute isso. É ponto pacífico. Musicalmente, o Tropicalismo não significou nada.

Teve muito peso em termos de comportamento, em termos de compreensão e de síntese da cultura brasileira mas, do ponto de vista musical, era muito simples, retrógrado até.

JU – Apesar das experimentações...

Arrigo – Era um negócio amador. Meu trabalho já é de composição. É todo escrito, tem uma estruturação diferente. Sou um inventor de formas musicais. O que eu faço não é canção. Não eram coisas que já existiam, nem na área popular nem na área erudita. Na verdade, estou criando formas para dar conta de uma proposta estética. Por outro lado, não sou um cara de literatura, de texto, como os autores do Tropicalismo, que eram mais inspirados e estavam no metiê da canção popular. Meu trabalho mais estabeleceu referências do que lidou com referências.

JU – Não foram poucas as bandas que ganharam o topo das paradas diluindo os elementos que culminaram na ruptura estética provocada por sua obra. Alguns desses grupos inclusive figuram em publicações como referência de época. Como você vê essa diluição?

Arrigo – Essa história é muito malcontada. Ela foi escrita por jornalistas que têm uma leitura muito superficial da história da música popular brasileira. Trata-se de um negócio muito malfeito, sem nenhum tipo de investigação. Não dá para levar a sério. Nada disso vai ficar. De qualquer forma, acho que a gente contribui para essas coisas.

Quem usou mais claramente as minhas referências foi a Blitz. Quando ouvi a banda pela primeira vez, eu achei que a canção era do Itamar. Eu dava aula numa escola de música e dança em Pinheiros e, ao sair com os alunos, comentei: “Olha a música do Itamar tocando no rádio. Que incrível”. Ao prestar atenção à letra, ouvi o refrão da “batata frita” e logo vi que não era dele, embora sonoramente fosse muito semelhante. O que tinha de parecido com a minha obra eram aqueles vocais...

Porém, isso é assim mesmo. Às vezes é até legal que aconteça. Realmente, eu não tenho preocupação com esse negócio do sucesso. Claro que eu gostaria de ter ganhado mais dinheiro, mas somente fiquei muito famoso... Na verdade, nunca me senti bem como ídolo, aquele que as pessoas reconhecem na rua. Nunca quis esse papel. Esse esquema de tocar em casas lotadas, onde as pessoas ficam bebendo nas mesas, não entra na minha cabeça. Nunca quis o sucesso.


JU – Passadas quase três décadas do lançamento de Clara Crocodilo, que avaliação você faz do seu legado?

Arrigo – O chato é que as pessoas não reconhecem que beberam na sua fonte. E reconhecer não tem nada demais. Tom Jobim, por exemplo, dizia que gostava do Villa-Lobos, do Debussy. Existe outro universo, que não depende desse negócio de ficar aparecendo na mídia. É horrível. Parei de pensar nisso em 1994. Foi a melhor coisa que fiz. De lá para cá, eu produzi muito. Não que esse processo tenha sido fácil: tive de voltar a escrever música – estava até então só fazendo canção –, voltar a estudar música erudita, reavaliar tudo o que eu tinha produzido. Foi um processo de interrupção, de começar uma outra história.


JU – Você e outros parceiros – entre os quais, Itamar Assumpção – permaneceram fiéis aos princípios que norteavam seus trabalhos. Paradoxalmente, ganharam os rótulos de “difíceis” e “malditos”. Por que isso ocorre?

Arrigo – Meu problema, minha grande dificuldade, é a dissonância. Minha música privilegia a dissonância. Eu a celebro. Isso me diferencia do Itamar, do Rumo, do Premê etc. Os caras não tinham essa alegria pela existência da dissonância que aparece na minha música (risos). Isso já é um grande causador de estranhamento. As pessoas têm muita dificuldade para aceitá-la. É até uma questão física, porque são intervalos que estão mais distantes da harmonia e de outros elementos da música tradicional.

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