Um
modelo de gestão integrada de resíduos sólidos urbanos,
com ênfase na sustentabilidade, é o resultado da tese de
doutorado do engenheiro mecânico José Lázaro Ferraz, apresentada
na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp e orientada
pelo professor Waldir Antonio Bizzo. A metodologia permite
diagnosticar a situação do lixo em relação à geração, coleta,
tratamento e destinação final, bem como o nível estratégico
e tecnológico de sua gestão em cada município.
Para testar e validar o modelo, Lázaro Ferraz realizou
pesquisa in loco nas vinte cidades sob abrangência da Unidade
de Gerenciamento de Recursos Hídricos – 10 e que fazem parte
da bacia hidrográfica do rio Sorocaba. Ele também elaborou
um índice de gestão de resíduos (IGR) para atribuir notas
às prefeituras. “Este indicador permite que o município
se auto-avalie, identificando os aspectos positivos e negativos
no gerenciamento dos resíduos. O objetivo é oferecer um
guia às prefeituras, pois muitas mostram desconhecimento
ou despreparo técnico para lidar com o problema”.
Waldir Bizzo, docente do Departamento de Engenharia Térmica
e de Fluídos, afirma que o nível de gestão dos resíduos
urbanos no país é sofrível, muito distante do ideal. “Ao
atribuirmos pontuações através do IGR, transformamos uma
avaliação qualitativa em quantitativa: de zero a dez, a
cidade melhor posicionada ganhou 5,4. Prevalece entre os
prefeitos a visão de que a gestão se resume em tirar o lixo
da porta das casas e jogar longe dos olhos da população”.
O autor da tese concorda que há pouco interesse das autoridades
– em todas as instâncias de governo – na busca de soluções
adequadas e sustentáveis para o gerenciamento dos resíduos
sólidos. “Ainda não temos claro como desenvolver e implantar
um sistema integrado de gestão que possa ser considerado
economicamente correto, socialmente justo e ambientalmente
correto. Na maioria dos estudos publicados, a ênfase está
nos aspectos técnicos e operacionais, deixando-se em segundo
plano os aspectos estratégicos da gestão ”.
Em um dos capítulos do trabalho, Ferraz prega justamente
a necessidade desta mudança de paradigma, com a viabilização
do ciclo ecológico dos materiais, que devem ser recuperados
e reciclados para voltarem à cadeia de produção. “A proposta
é diminuir a intensidade da exploração de recursos naturais,
como de minérios, promovendo um prolongamento da vida dos
produtos”.
Estratégia
Um dos focos principais da pesquisa, segundo o engenheiro,
está na existência ou não de um planejamento estratégico
para a questão do lixo, com a atribuição de índices para
serviços como de coleta, triagem, tratamento e transporte.
“Para o bom funcionamento de um sistema integrado de gestão
de resíduos, exigem-se políticas e diretrizes, infra-estrutura
operacional, recursos humanos capacitados, gerenciamento
de custos e arranjos institucionais e sociais, entre outros
fatores”.
Lázaro Ferraz acrescenta que esta estratégia deve ser implantada
juntamente com as autoridades e a população, começando por
verificar a quantidade e as características dos resíduos
gerados na cidade. “É importante saber o que pode ser reaproveitado,
reciclado ou incinerado, antes de se dispor os resíduos
em aterros. Trata-se, afinal, de planejar as destinações.
Um problema sério são os entulhos da construção civil e
móveis e eletrodomésticos velhos, que muitas vezes acabam
na beira da estrada”.
O
pesquisador observou que várias prefeituras não possuem
sequer um setor de resíduos sólidos, sendo o sistema coordenado
por profissionais sem capacitação. “Nossa recomendação é
que estas cidades criem uma infra-estrutura não apenas para
coleta e destinação do lixo urbano por meio de caminhões
e equipamentos adequados, mas também para organizar a fase
de processamento, visando ao aproveitamento de resíduos
e à inclusão social com a criação de cooperativas de catadores”.
Houve cidades em que os responsáveis pela limpeza pública
forneceram informações inconsistentes, temendo que sua divulgação
resultasse em multas. Isto obrigou o autor a desconsiderar
algumas entrevistas iniciais e partir diretamente para visitas
aos lixões e aterros, constatando realidades bem diferentes.
O apoio da Fapesp permitiu o custeio das viagens. “Esta
pesquisa só apresentou bons resultados porque, ao invés
de simplesmente enviar questionários, o pesquisador percorreu
todas as cidades, num esforço considerável”, endossa o professor
Waldir Bizzo.
Aterros e lixões
Em sua pesquisa de campo, Ferraz encontrou aterros sanitários
em apenas três dos vinte municípios da bacia do rio Sorocaba;
os demais destinam os resíduos a antigos lixões. “Dentro
do modelo de gestão, classificamos se a destinação é adequada,
parcialmente adequada ou inadequada. As prefeituras ficam
acomodadas porque mesmo a Cetesb, que condena o depósito
em lixões, considera a situação como ‘controlada’ se sobre
os resíduos for jogada uma camada de terra”.
Entretanto, na opinião do autor, a Cetesb terá que rever
esta avaliação, que foi contestada em recente relatório
publicado pelo IBGE. “Queremos convencer os municípios de
que a concepção está errada. Além de manter um aterro sanitário
adequado, nele deve ser jogado apenas o que não é aproveitável:
o lixo seco pode ser reciclado e o lixo molhado (como restos
de alimentos) permite sua compostagem e utilização como
adubo e na correção de terrenos, ou ainda gerar biogás através
de tratamento adequado”.
O engenheiro acrescenta a opção da incineração, agora que
novas tecnologias permitem o controle e prevenção da poluição
provocada por estes equipamentos, além do reaproveitamento
dos resíduos gerados por eles. “Se aproveitarmos todas as
possibilidades de recuperação dos resíduos urbanos estaremos
contribuindo fortemente para a preservação do planeta e
também gerando renda”.
O Brasil carece de uma legislação que previna contra os
impactos do lixo urbano no meio ambiente e na saúde da população,
havendo apenas o índice de qualidade de aterro de resíduo
(IQR). Entretanto, Waldir Bizzo considera um engano pensar
que o aterro, mesmo que adequado, seja a melhor opção. “Os
aterros prevalecem no país porque ainda temos bastante espaço.
Mas existem outras formas de destinação, embora exijam mais
tecnologia”.
Comitê de bacia
De acordo com Lázaro Ferraz, a bacia hidrográfica vem sendo
adotada por pesquisadores como unidade geográfica básica
para realização de seus estudos. Daí a importância da parceria
com o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Sorocaba e Médio
Tietê, que já identificou a geração e destinação inadequada
de resíduos sólidos como um dos principais problemas da
região, devido ao risco de contaminação de águas superficiais
e de lençóis freáticos.
O autor considera que sua pesquisa de campo permitiu testar
o modelo de gestão integrada e comprovar o elevado nível
de robustez da metodologia adotada. Durante o ano de 2009,
visando consolidar os resultados obtidos, a metodologia
será aplicada pelos próprios municípios da região de Sorocaba.
“É uma oportunidade de implementar políticas públicas via
Comitês de Bacias, que podem exercer uma força indutora
nos processos de desenvolvimento local e regional”.
O professor Waldir Bizzo adianta que, se o modelo for aprovado
no âmbito da UGRHI-10, ele será transformado em um software
que estará disponível para os gestores das 22 bacias do
Estado de São Paulo. Uma expectativa do autor e do orientador
da pesquisa é de que esta ferramenta chegue inclusive ao
Ministério das Cidades, auxiliando na implantação de uma
política nacional para a gestão de resíduos sólidos urbanos.