Bairro
São José, região sudoeste de Campinas. Assim como muitos
conjuntos habitacionais espalhados pelo Brasil, este, construído
na década de 80, era o retrato do modelo de planejamento
urbano adotado no país. Ruas e calçadas estreitas, ausência
de equipamentos públicos, falta de previsão de áreas para
comércio e prestação de serviços e inexistência de áreas
verdes estavam entre suas características mais marcantes.
Cercados por tantas carências, os moradores não se sentiam
estimulados a realizar mudanças. Nos últimos três anos,
porém, a comunidade começou a promover melhorias nas áreas
livres do local. O ponto de partida dessa transformação
foi a iniciativa de um grupo de pesquisadores da Faculdade
de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp,
que levou ao bairro um projeto voltado à qualificação dos
espaços abertos de áreas habitacionais sociais. Atualmente,
o São José ainda espera por infra-estrutura, mas já consegue
oferecer maior qualidade de vida às famílias que nele vivem.
Batizado
de Datahabis, o projeto é coordenado pelas professoras Silvia
Mikami Pina e Lucila Chebel Labaki, do Departamento de Arquitetura
e Construção da FEC. As docentes explicam que embora seja
uma iniciativa independente, a ação está articulada com
duas iniciativas anteriores, uma na área de transferência
de tecnologia na autoconstrução e outra relacionada com
a sustentabilidade e qualidade de vida em conjuntos habitacionais.
“Com o Datahabis nós trabalhamos mais fortemente a questão
dos espaços abertos. Em bairros como o São José, as deficiências
não estão apenas nas habitações, mas também no entorno delas,
como quintais, calçadas, ruas e áreas destinadas a praças
públicas”, afirma a professora Lucila.
De
maneira geral, conforme a professora Silvia, o bairro era
bastante árido. As áreas destinadas a praças não contavam
com árvores ou jardins. Além disso, com o passar do tempo
os quintais foram progressivamente pavimentados. Outra tendência
apurada pelos especialistas era a construção de lajes que
serviam como garagens. “Isso interferiu negativamente na
salubridade das moradias. Os moradores viviam reclamando
que suas casas eram muito quentes, mas não sabiam identificar
a razão”, conta. O principal desafio dos pesquisadores foi
conscientizar a comunidade sobre a necessidade de ela própria
buscar soluções diferenciadas e mais sustentáveis para alguns
desses problemas. Tal estímulo foi feito por meio de três
workshops. Nessas oportunidades, as pessoas foram esclarecidas
sobre os prós e contras de suas opções.
Num desses encontros, os pesquisadores exibiram maquetes
produzidas por alunos de graduação da FEC. “Esse recurso
foi muito interessante porque elas passaram a identificar
suas casas e a se reconhecer como elementos constituintes
do bairro”, diz a professora Silvia. Paralelamente, foram
distribuídas mudas de árvores e apresentadas sugestões de
intervenção, como a introdução de pergolados, ampliação
das calçadas e a criação de jardins em terrenos públicos
ociosos. Segundo outro integrante da equipe da FEC, o professor
Evandro Ziggiatti Monteiro, uma preocupação do projeto foi
não fazer analogias. Ou seja, as projeções de como o bairro
poderia ficar conforme a atitude de cada um levou em consideração
a realidade vivida pela comunidade. “Assim, os moradores
puderam antever como o bairro ficaria com mais impermeabilização
do solo e menos verde ou com mais verde e menos asfalto
e concreto”, esclarece.
Explicações
dadas, os pesquisadores perceberam que havia chegado o momento
de construírem algo em conjunto com as famílias do São José.
Em comum acordo, eles escolherem uma área reservada para
uma praça pública e construíram no local um pergolado. A
estrutura, mais tarde, assumiu a condição de símbolo do
projeto. Tanto é assim que alguns moradores resolveram adotar
esse tipo de solução no lugar da garagem em alvenaria. “Na
ocasião, nós também distribuímos e plantamos mudas de árvores
e desenvolvemos atividades com as crianças, sempre ressaltando
a importância das ações que assegurem a acessibilidade e
a sustentabilidade”, acrescenta a professora Silvia.
O projeto, encerrado em abril de 2008, foi desenvolvido
em três anos, graças ao apoio da Financiadora de Estudos
e Projetos (Finep), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia
(MCT). Nesse período, segundo a avaliação dos pesquisadores
da FEC, foi possível identificar várias mudanças tanto em
relação às condições do bairro quanto no que se refere à
postura dos moradores. “Penso que a principal questão foi
quebrar a barreira que fazia com que pessoas ficassem esperando
pela intervenção do poder público. Os moradores do São José
perceberam que eles próprios poderiam sugerir e implantar
soluções para alguns de seus problemas. A criação de praças
e a implantação de hortas coletivas são exemplos disso.
O segundo aspecto positivo é a forma como as pessoas passaram
a usufruir dos espaços abertos. Atualmente, alguns deles
contam com jardins e bancos e são aproveitados por todos”,
relata a professora Silvia.
De
acordo com os professores Evandro e Silvia, os pesquisadores
também notaram que a assimilação de conceitos relativos
à qualidade de vida e sustentabilidade fez com que a comunidade
passasse a encarar o futuro de outra maneira “As ações ajudaram
a abrir o horizonte dos moradores, que assumiram uma postura
mais cidadã. Eles perceberam que o que estava sendo discutido
e implantado não tinha a ver somente com conforto, mas com
salubridade. Notaram também que essa salubridade era essencial
para a garantia da qualidade de vida de seus filhos e netos”,
analisam os docentes. Para Evandro, a experiência ajudou
as pessoas se sentirem mais preparadas para lidar com assuntos
ligados à urbanização. “Quando a Prefeitura aparecer no
bairro para levar a infra-estrutura que ainda falta, como
creche e centro de saúde, as pessoas certamente se mostrarão
muito mais exigentes”, infere.
Evandro afirma, ainda, que outro resultado significativo
proporcionado pelo projeto foi a compreensão por parte da
comunidade de que assuntos vinculados à sustentabilidade
e qualidade de vida não são “coisas de rico”. Muitas soluções
aplicadas no São José, insiste, são simples e não exigem
grandes investimentos. “Entretanto, no conjunto, essas medidas
tendem a transformar um núcleo residencial em um local melhor
para se viver”. Na opinião da professora Silvia, a experiência
levada a cabo no bairro pode ser perfeitamente aplicada
a outros conjuntos habitacionais, visto que a condição fundamental
é o envolvimento da comunidade. “Não podemos pensar em uma
cidade sustentável se não trabalharmos para melhorar as
condições das áreas de habitação social”, alerta.
Mas
como fazer para que os futuros conjuntos residenciais não
sejam construídos seguindo o mesmo padrão empregado originalmente
no São José? A professora Silvia informa que a FEC vem contribuindo
para que isso não ocorra. Primeiro, formando pessoal qualificado
e compromissado com soluções humanizadas na área de engenharia,
arquitetura e urbanismo. Segundo, participando de um novo
projeto, ainda em fase inicial, também financiado pela Finep.
Conhecido por Inovahabis, a iniciativa faz parte de uma
rede nacional cujo objetivo é, nas palavras da pesquisadora,
“identificar e provocar a percepção de valores intangíveis
dos agentes envolvidos e a partir daí propor inovações no
processo de construção de conjuntos habitacionais”. “No
nosso caso, temos como parceira a CDHU [Companhia de Desenvolvimento
Habitacional e Urbano, estatal responsável pela execução
dos projetos habitacionais do governo do Estado de São Paulo].
Nosso desafio é desenvolver estudos que gerem alternativas
para melhorar a qualidade arquitetônica e construtiva, de
forma a atender as expectativas dos mutuários e não encarecer
o custo final da moradia”, adianta a docente.
Isso é factível? Na opinião da professora Silvia, sim.
Segundo ela, um simples exemplo já identificado na pesquisa
de campo é o que ocorre com vários mutuários. Assim que
são contemplados com unidades construídas pela CDHU, eles
tomam como primeira providência a substituição dos pisos.
Ou seja, o dinheiro e os materiais investidos inicialmente
são desperdiçados. Em compensação, os apartamentos normalmente
são entregues sem que haja forro no banheiro, o que faz
com que o encanamento da unidade acima fique exposto. “Não
parece haver dúvida de que a maioria das pessoas preferiria
a entrega do forro no banheiro em troca da colocação do
piso na cozinha e no banheiro. Isso certamente não traria
custos adicionais ao projeto. Embora seja apenas um pequeno
exemplo, esse é o tipo de idéia que pretendemos levar às
instituições que cuidam da política habitacional nos Estados”,
conclui a docente da Unicamp.