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Em outra freguesia

MARIA ALICE DA CRUZ

O município de Caldas (MG) e suas freguesias do século 19 – Poços de Caldas, Andradas, Santa Rita e Campestre – atraíram o olhar de pesquisadores, jornalistas e médicos no período de 1875 a 1888. As águas sulfurosas da região, de origem vulcânica, foram intensivamente estudadas e divulgadas, sendo as principais responsáveis pela constituição da paisagem cultural do lugar. Quem contou a história naquele período foram editores e redatores de jornais que circulavam na região. E quem conta a história agora, fazendo a reconstituição da paisagem, é a arquiteta de Poços de Caldas Marina Aparecida de Melo Andrade, que dedicou sua dissertação de mestrado à compreensão das imparidades da região onde cresceu. Segundo Marina, há muitas publicações sobre a região relacionadas a décadas posteriores, mas o período a que a pesquisa é dedicada estava documentado apenas nas páginas dos periódicos. Um total de 148 exemplares de jornais, fornecidos por colecionadores, ajudam a reconstituir a paisagem da região mineira. A dissertação recebeu orientação do professor André Munhoz de Argolo Ferrão.

A maioria dos exemplares pertenceu ao doutor Annibal de Paiva Assumpção, que, segundo Marina, durante sua vida guardou cada um desses exemplares com todo o zelo. Muitos deles, de acordo com a arquiteta, são anteriores ao nascimento de Assumpção. Outros colecionadores que contribuíram para complementar a coleção foram: Maria Clementina de Assis Assumpção, Hamilton Garcia Assumpção e Cirilo Garcia Pereira Ottoni. Entre as publicações analisadas estão O Caldense, Aurora Mineira, Gazeta de Caldas e Correio da Semana.

De acordo com Marina, os jornais, dirigidos e escritos por pessoas influentes da comunidade, entre as quais médicos e professores, foram importantes para ressaltar as peculiaridades da região, localizada no Sul de Minas. Porém, fica clara a tendência em fornecer informações pertinentes a Caldas, deixando de lado suas freguesias. Foi a partir do olhar dos redatores que a pesquisadora construiu seu croqui de mapas da região caldense daqueles tempos. “O croqui é a imaginação que construí a partir da leitura e interpretação dos textos”, explica Marina.

O olhar dos redatores e editores ajudou a perceber algumas tendências a enaltecer Caldas em detrimento de Poços. Colocado diante de uma foto de 1888 do município, o croqui construído a partir dos textos apresenta poucos indícios do que realmente havia na cidade. Uma das cidades é representada com apenas a matriz e a cadeia. “Percebemos que existia uma tendência a falar mais sobre Caldas que de suas freguesias. Poços de Caldas, por exemplo, era uma cidade em importante desenvolvimento, mas encontrei menções a poucos edifícios. Não era possível existir somente isso, mas não há mais informações”.

As águas sulfurosas de Caldas são abordadas no primeiro texto analisado por Marina, assinado pelo editor e médico Pedro Sanches de Lemos em 1875. Nas primeiras páginas da coleção de jornais, há um registro sobre uma visita de uma comissão europeia incumbida de fazer análise química e indicações terapêuticas das águas. “Ele valida a importância desse elemento da região, principalmente por ser médico”, relata Marina.

Pedro Sanches, primeiro editor encontrado, ajudou a construir a história de Caldas, de acordo com os documentos jornalísticos analisados por Marina. Neto do Barão do Rio Verde, o médico formado no Rio de Janeiro mudou-se para Caldas, onde se casou com a filha de um sesmeiro da região. Para Marina, os textos mostram Sanches como uma pessoa fundamental na construção dos balneários, no olhar para as águas sulfurosas, embasado na formação de médico. No início como editor e depois como deputado da província, contribuiu para o investimento nos balneários. O médico vira referência no Brasil porque a questão do estudo das águas sulfurosas já estava embasada na França, segundo a arquiteta.

Um de seus papéis foi desmistificar as águas, que em algumas literaturas foram tratadas como algo maléfico pelo odor de enxofre e pela temperatura muito elevada. “Tem registros que citam o diabo sobre as águas, mas ele transformou essa crença popular em elementos químicos alcalinos, em termos técnicos, mostrando a sua relevância”, acrescenta Marina. As propriedades terapêuticas das águas da região de Caldas – que prometiam curar gastrite, elefantíase, pneumonia, entre outras doenças –, chamaram a atenção da população local e de outras cidades, num momento em que ainda não havia ocorrido a descoberta do antibiótico.

A procura era bastante grande e isso estava relacionado com a divulgação feita pelos periódicos. Nesse sentido, os jornais também tiveram grande importância por serem editados por pessoas com olhar mais apurado, educado para conseguir perceber as problemáticas, abrir questionamentos e mostrar para todos os que a região tinha de diferença a ser trabalhada.

O investimento de recursos governamentais em Poços de Caldas, já ao final do período estudado, foi uma das problemáticas observadas por Marina, pois a cidade passou a receber maior atenção que as outras freguesias. A partir da leitura dos jornais, Marina acredita que o desvio da atenção para Poços deveu-se à construção da estrada de ferro Mogiana, que teve sua estação final em Poços de Caldas, justamente dois anos antes do desmembramento de Caldas, em 1888. A estrada é considerada por ela o segundo fator importante na constituição da paisagem cultural. “Isso colaborou para o desenvolvimento da cidade. A ideia de ter a linha de Campinas a Poços fazia toda a diferença num momento em que as estradas eram precárias”, explica Marina.

Isso pode explicar por que Poços passou a ser maior em população e em desenvolvimento em relação a Caldas. Por outro lado, apesar de ser mais desenvolvida na época do desmembramento, Poços continuou a ser menos abordada pelos jornais da época. No século posterior, mais precisamente na primeira metade do século 20, Poços foi considerada um complexo de balneários por causa dessas águas, procurada pelas pessoas que desejavam se tratar ou relaxar.

Os redatores dos jornais também tiveram participação importante neste desenvolvimento. Eles eram, na verdade, os protagonistas que faziam com que as coisas acontecessem, induzindo a população a colaborar. A exposição foi tanta que eles chegaram a ser deputados da província. A vida “jornalística” acabou se expandindo para a política.

Marina enfatiza que, apesar de a dissertação estar focada na paisagem cultural, outros elementos das publicações chamam a atenção, como o acompanhamento das viagens do imperador D. Pedro II, a comunicação entre pessoas, bilhetes de agradecimento, anúncios. As cartas da população passam a ser provocações para a Câmara Municipal de Caldas, cuja ata era registrada nos jornais para mostrar as ações que estavam sendo tomadas.

Uma questão pertinente nos textos era o pedido da região para desvincular-se do estado de Minas Gerais e fixar-se ao Estado de São Paulo, criando nova capital. A alegação era de que a região estaria mais próxima de São Paulo que da capital mineira, na época Ouro Preto. Segundo Marina, os jornais chegaram a ser favoráveis à separação e incitavam o debate, além de mostrar as dificuldades por que passavam Caldas e suas freguesias. “A região se sentia abandonada em relação à capital. Muitas vezes valores que tinham sido definidos no planejamento da província, como os destinados à reforma da matriz e do hospital, não chegavam”, acrescenta.

Além de Pedro Sanches, outros personagens foram importantes para o desenvolvimento da região, entre eles o cientista sueco André Frederick Regnell. De acordo com outros documentos analisados por Marina, ele chega a Caldas a convite do ex-cônsul da Suécia no Brasil. Ao validar seu diploma de medicina no Brasil, faz um trabalho importante de catalogação de plantas na região. Esta informação não consta dos periódicos, mas eles trazem outra questão importante. Antes de falecer, o médico faz doação em dinheiro em testamento para a Universidade de Uppsala, que ficaria incumbida de manter o balneário. “O fato de ter essa pessoa morando em Caldas já torna a cidade diferente”, diz Marina.

O sueco montou um observatório em sua própria casa. Ali, fazia observações do tempo e medições de temperatura e umidade. Informações sobre o dia – se estava ensolarado ou nublado – também constam dos registros analisados. “Esses dados também contribuem para constituir a região, pois mostram como era o clima na época”, diz Marina. No primeiro ano, ele registrava isso no jornal. O registro foi interrompido por motivo de saúde, mas provavelmente ele deu continuidade e fez isso em outro período sem registrar, de acordo com Marina.

Para a arquiteta, mesmo sem fazer uma relação explícita com a paisagem atual, o estudo feito até o desmembramento de Poços de Caldas, momento muito importante da história da região, alimenta outras pesquisas que façam compreender as peculiaridades daquele lugar. Quando se viu diante dos jornais, ela não desperdiçou a oportunidade de compreender seu próprio espaço e mostrar por que sua região teria qualidades ímpares, que atraem até hoje um grande número de turistas interessados tanto em alguns dias de tranquilidade ou nos benefícios terapêuticos de suas águas de origem vulcânica.

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■ Publicação

Dissertação: “Paisagem cultural e ordenação do território do município de Caldas (MG) e suas freguesias, a partir da leitura de uma coleção de jornais locais (1875-1888)”
Autora: Marina Aparecida de Melo Andrade
Orientação: André Munhoz de Argolo Ferrão
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)

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