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Cérebro comanda percepções em
exercícios, demonstra tese

Estudo revela ascendência do órgão sobre o
músculo, ao contrário do que se imaginava

ISABEL GARDENAL

Duas perguntas muito comuns na área desportiva são por que os atletas diminuem o seu desempenho atlético durante os exercícios e qual é a percepção que eles têm da fadiga? A resposta está no cérebro. Foi o que sugeriu um estudo de doutorado desenvolvido na Faculdade de Educação Física (FEF). Após vários testes com oito ciclistas de alto nível, o autor do trabalho – Eduardo Bodnariuc Fontes – demonstrou uma ascendência do cérebro sobre o músculo, ao contrário do que se imaginava. “As pessoas tendem a analisar os efeitos periféricos da respiração e do lactato. Agora estamos tentando virar essa página mostrando a relevância da participação do cérebro no exercício.” Grande parte da pesquisa foi realizada na Universidade da Cidade do Cabo (UCT), África do Sul.

Fontes, que é educador físico, analisou ciclistas africanos, modalidade esportiva muito incentivada naquele país. Foi então que simulou altitudes de 2.500 metros com diminuição de oferta de oxigênio, a mesma situação verificada quando eles ficam cansados. Normalmente, recorda, quando se fala em nível do mar, respira-se 21% de oxigênio. Nesses testes respiravam 15%, baixando o seu desempenho atlético em mais ou menos 30%.

Segundo o doutorando, que em sua tese teve orientação do docente da FEF Antonio Carlos de Moraes, especulava-se se a causa para isso seria a presença de mais lactato, um ácido que, com o trabalho intenso dos músculos, é liberado na corrente sanguínea. Por muitos anos, achou-se que este ácido era o responsável pela fadiga. Ele é produzido pelo organismo após o consumo da glicose, para fornecimento de energia, sem o oxigênio.

Em atividades físicas de longa duração, o suprimento de oxigênio nem sempre é suficiente. O organismo acaba buscando energia em outras fontes, produzindo esse ácido. O seu acúmulo nos músculos pode desencadear dor e desconforto após o exercício. Assim, a determinação da concentração sanguínea do lactato permite avaliar a acidose metabólica e a capacidade aeróbia do exercício, além de monitorar a intensidade do treinamento.

Respostas

Na UCT, o educador físico empregou o aparelho Nirs que – através de luz de infravermelho – mede a oxigenação tecidual. Foi posicionado no cérebro e no músculo para identificar qual órgão tinha maior relação com a percepção. Será que os atletas estavam ficando cansados pela diminuição do oxigênio no músculo ou do cérebro?

Fontes associou as respostas do Sistema Nervoso Central (SNC) a essa percepção e comprovou-a em situação de hipóxia, apesar de reconhecer que tal associação não se restringe a isso. Se o atleta estiver em perigo – como ocorre quando diminui a força do oxigênio, que pode causar isquemia cerebral –, então ele manda uma informação para outras áreas do cérebro, como as sensoriais, que aí informam: “a gente está numa situação difícil no cérebro: por favor, parem de fazer exercício!”

O autor da tese, surpreso, não compreendia por que o cérebro, sendo o principal órgão do organismo, podia ser tão egoísta na seleção dos substratos energéticos. “É como se para ele não pudesse faltar nada. Para os outros, sim”, sintetiza. Mais adiante, viu que este age como um mecanismo de proteção, já que o músculo, o lactato e a frequência respiratória não estavam em estado tão crítico assim. Estavam até normais.

A seleção dos atletas foi rigorosa. Um era triatleta e outro chegou a ser campeão sul-africano de ciclismo. A ideia era agregar profissionais com esse perfil justamente porque, na teoria, eles conhecem melhor o próprio corpo, vivenciando o esporte de seis a oito horas por dia. Sua percepção é mais acurada. “Esta foi uma boa forma de associar a percepção com as respostas fisiológicas”, comenta Fontes. Na prática, eles se submeteram a exercícios de curta duração, porém intensos.

Os atletas frequentaram os laboratórios da UCT seis vezes com essa finalidade, fazendo exercícios de várias intensidades, para ver se os efeitos da fadiga diferiam: se eram mais na perna ou se mais na respiração. “Induzimos o estado de fadiga para esclarecer o que causaria estes desconfortos”, esclarece. Em alguns casos, vivenciavam uma queda de oxigênio em altitude, em outras não. Só que não sabiam disso. Além de manipular a condição, o pesquisador também fazia isso com carga. Os ciclistas ficavam algum tempo no ambiente com diminuição de oferta de oxigênio e depois começavam a pedalar até não aguentar mais.

Vários trabalhos na literatura explicam os efeitos periféricos do músculo: porque está fatigando e porque o sangue está entrando em acidose. Entretanto, a associação destas respostas com a percepção é o que faz correr mais ou correr menos. “Quando se está correndo, o atleta não interrompe o exercício porque o seu lactato está com oito milimoles. Simplesmente diz que está cansado”, pondera o pesquisador. A percepção dá respostas fidedignas, afirma. Mas outras variáveis fisiológicas e do cérebro acabaram sendo investigadas.

Constatou-se que o cérebro realmente tem preponderância sobre o músculo e, quando se está em situação de hipóxia, isso é mais evidente. O cérebro tenta proteger o organismo para evitar danos durante os exercícios. É o que em geral acontece com os alpinistas de altas altitudes. Eles lutam contra o cérebro, forçando a superação de limites. Nesse estudo foram sinalizados os mecanismos da percepção do esforço em relação ao músculo. Muitos livros de Fisiologia do Exercício pouco falam da atuação do cérebro no exercício, e nunca tinham feito essa associação.

Ao verificar a atividade muscular, para ver se ela estava de fato associada à percepção de esforço, foi identificada uma relação muito próxima. “Demonstramos que, aumentando-se a atividade muscular, eleva-se a percepção de esforço. Era uma premissa quase óbvia, mas que ninguém havia determinado”, explica o doutorando.

Com base na percepção de esforço, conseguiu-se calcular a capacidade aeróbia dos atletas. Fontes enfatizou que é perceptível que, quando eles treinam, normalmente treinam numa ótima intensidade de esforço. Essa intensidade está associada à sua capacidade aeróbia. “Se treina abaixo dessa intensidade, está perdendo tempo; se treina acima, não consegue terminar o treino, por ser muito intenso.”

Normalmente, as pessoas usam – para ver a capacidade aeróbica – o teste ergométrico em esteira, com analisador de gases metabólicos ou até mesmo com lactato. No estudo, usou-se um método para analisar apenas a percepção, não envolvendo praticamente equipamentos. Ao longo do teste, foram anotadas as percepções de cansaço do atleta e foi feito um cálculo matemático para chegar à capacidade aeróbia. “Foi uma forma de economizar tempo, dinheiro. Trata-se de um instrumento mais prático e fidedigno”, expõe o autor.
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■ Publicação

Tese: Percepção de esforço em fadiga
Autor: Eduardo Bodnariuc Fontes Orientador: Antonio Carlos de Moraes
Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)
Financiamento: Capes, CNPq e Fapesp
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Bicicleta vai de ‘carona’ na ressonância magnética

Na etapa da África do Sul, o trabalho foi também orientado por Timothy Noakes, professor de Ciência do Esporte e exercício na Universidade da Cidade do Cabo (UCT). Noakes atuou em cerca de 70 maratonas e ultramaratonas e é o autor do livro Lore of Running, literatura fundamental para corredores e cientistas esportivos.

O doutorando apontou a relação existente entre oxigenação cerebral e fadiga, adotando um tipo de Ressonância Magnética funcional (RMf) que mede a atividade cerebral das áreas mais profundas. Ocorre que esse equipamento afere somente o córtex cerebral (a região da testa). E é sabido que as áreas cerebrais podem dar respostas diferentes durante o exercício. Têm as áreas sensoriais, motoras, cognitivas, de memória e relacionadas ao exercício. Por isso, os atletas foram colocados para pedalar no equipamento de ressonância magnética, pensando no cérebro como um todo.

A metodologia desenvolvida por Fontes naquele país será em breve trazida para o Brasil. Auxiliado pelo seu pai, que tem uma microempresa de protótipos, o pesquisador criou uma bicicleta para ser pedalada em sintonia com a ressonância magnética, com o propósito de efetuar a análise funcional do cérebro durante exercício. Ela pode ser adaptada a qualquer equipamento de RMf, desde que o movimento da cabeça não seja exagerado. De qualquer forma, os sujeitos são familiarizados e treinados para isso não ocorrer. Semelhante a uma bicicleta comum, ela foi batizada de MRI Cycling Ergometer (Ergômetro de Bicicleta RM). (Veja um vídeo que mostra como funciona a bicicleta durante os exercícios).

A invenção permite que os avaliados façam exercício a fim de analisar o cérebro como um todo ao mesmo tempo em que pedalam. O atleta adentra o equipamento de ressonância magnética, introduzindo primeiramente a cabeça no equipamento e ficam deitados com as pernas para o lado de fora do equipamento. Acabam pedalando deitados com a cabeça mobilizada.

Essa bicicleta possui apenas uma rotação. Por um sistema de Cardan, ela é transferida do pé-de-vela dos atletas para fora da sala, onde existe um gerador que simula volume. Com ele, pode-se colocar qualquer carga. Tanto pode ser empregado para fazer simulação de competição quanto de testes, assim como para compreender o que está havendo no cérebro durante a avaliação.

Uma peculiaridade desse invento é que ele não comporta o uso de materiais com propriedades magnéticas. “Meu pai fez uma bicicleta com alumínio, aço inox, borracha e plástico que pode ser levada para a sala de ressonância”, conta Fontes. O protótipo foi deixado na África do Sul. Agora, o seu pai está fazendo uma segunda versão, já com financiamento da Fapesp. “O desafio é fazer essa metodologia inovadora por aqui”, ressalta. A intenção agora é sondar o papel do cérebro durante o exercício no pós-doutorado, desta vez na Faculdade de Ciências Médicas.



 
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