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Um óleo de dendê
de qualidade. Sem perdas

Produto pode ter propriedades afetadas
em processos que reduzem acidez

MARIA ALICE DA CRUZ

O óleo de palma (ou de dendê) faz parte do cotidiano de muitos brasileiros, seja na culinária ou em cosméticos. Rico em carotenoides e outros compostos nutracêuticos, o produto pode perder essas propriedades quando submetido a tratamentos térmicos para redução da acidez do óleo. Para se obter um óleo refinado de qualidade, com acidez abaixo de 0,3%, no processo atual, o dendê é submetido a temperaturas muito elevadas, o que pode causar a perda total dos carotenoides e entre 10% e 35% dos esteróis e tocoferóis (antioxidantes). Porém, conforme a qualidade da matéria-prima, diferentes condições de processo podem ser aplicadas para reduzir as perdas nutricionais, de acordo com tese de doutorado de Klícia Araújo Sampaio, primeira pesquisadora da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) a obter duplo diploma de doutora (Brasil/Bélgica). Parte da pesquisa foi desenvolvida na Universidade de Ghent-Bélgica, onde Klícia realiza pós-doutorado.

De acordo com o orientador da pesquisa, Antonio José de Almeida Meirelles, o trabalho de Klícia apresenta resultados importantes ao estudar vários aspectos da degradação de compostos e aspectos que afetam a qualidade por exigir temperatura alta. A pesquisa não teve como objetivo chegar ao óleo rico em nutracêuticos, mas as informações levantadas podem levar a indústria à redução nas perdas de óleo neutro e também a obtenção de um óleo de maior qualidade.

Segundo Klícia, as empresas brasileiras já produzem óleo de palma refinado com índice de acidez abaixo de 0,3%, valor determinado pela Anvisa. Além disso, elas já conseguem produzir um óleo bruto com acidez abaixo de 2%, o que pode significar um avanço no processo de refino. “O fato de ter um óleo bruto com apenas 2% de acidez significa que precisarão utilizar tempo e temperatura menores para chegar a um óleo refinado com menos de 0,3%, preservando os compostos nutracêuticos”, explica.

Na Malásia, onde se concentram os maiores produtores de óleo de palma do mundo, as empresas obtêm óleo bruto com taxa de 5% a 6% de acidez, segundo a pesquisadora. “As empresas brasileiras estão preocupadas com a qualidade, enquanto na Malásia eles pensam em produzir em grande quantidade.” Ela acrescenta que apesar da exigência da Anvisa em relação ao óleo de palma refinado, ele também pode ser consumido na sua forma bruta. Um exemplo claro pode ser encontrado na Bahia, onde a famosa moqueca, o acarajé, dentre outros pratos típicos, são produzidos utilizando o óleo de palma na sua forma bruta, conservando sua coloração avermelhada natural. Segundo a pesquisadora, atualmente é relativamente comum encontrar o produto bruto, principalmente nos grandes supermercados, mas a acidez deve ser descrita no rótulo.

Um dos aspectos estudados por Klícia é a variação na composição do óleo de palma, fator que pode ocorrer por causa da sazonalidade das culturas e do período de maturação dos frutos. O manejo do fruto é apresentado por ela como fator determinante para a qualidade do óleo, que processado logo após a colheita terá uma menor acidez, necessitando de um tratamento térmico menos drástico e mantendo os nutrientes.

Na tese que rendeu quatro artigos, Klícia conseguiu comprovar matematicamente a relação entre a composição do óleo e a qualidade final do produto, por meio de um planejamento experimental completo. Sua coorientadora, Roberta Ceriani, professora da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, já havia descrito em sua tese de doutorado, por meio de simulação computacional, a existência de uma diferença na qualidade dos óleos de acordo com as diferentes condições de processo aplicadas, porém, não havia na literatura, segundo Roberta, uma equação que colocasse essa influência em termos matemáticos. “Conseguimos ver claramente, agora, essa influência”, acrescenta Klícia.

Segundo Roberta, a pesquisadora conseguiu fazer isso experimentalmente, verificando a influência. Daqui por diante, outros pesquisadores terão disponível a equação obtida por Klícia para poder investigar outros óleos ou o próprio dendê, de acordo com Roberta.

A segunda parte da tese foi dedicada ao estudo da cinética de degradação dos carotenoides no óleo de palma, também ainda não descrita na literatura. Por meio de técnicas de cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC), utilizando detectores de fluorescência e de arranjo de diodos para diferentes compostos, o artigo resultante da pesquisa mostra que a degradação dos carotenoides no óleo de palma é retardada por causa da presença dos antioxidantes tocotrienóis e tocoferóis. “A degradação ocorre mais lentamente”, reforça Klícia.

Neste artigo, ela enfatiza a diferença entre a quantidade de carotenoides presente no óleo de palma e em outros produtos, como, por exemplo, a cenoura e o tomate. No dendê a concentração de carotenoides está em torno de 500 a 1.500 ppm, o que significa que ele possui em torno de 15 vezes mais carotenoides que a cenoura e 300 vezes mais que o tomate, segundo Klícia. Apesar de a cenoura ser rica em betacaroteno, não contém tocotrienóis como o fruto da palma. O tomate também, apesar de ter alto índice de licopeno, não tem outros antioxidantes presentes, resultando em cinética de degradação diferente.

Nesta parte do trabalho, realizada em planta piloto na Universidade de Ghent-Bélgica, Klícia conseguiu conhecer a energia de ativação mínima necessária para começar a ocorrer o processo de degradação dos carotenoides no óleo de palma. “Pudemos observar que quanto menor a temperatura (170, 180 graus Celsius) maior foi a retenção dos carotenoides e 85% dos tocoferóis e tocotrienóis”, explica a pesquisadora.

Um fator que merece atenção, segundo ela, é que poucos óleos, como o de palma, farelo de arroz e buriti, contêm tocotrienóis – mais potentes antioxidantes que os tocoferóis, normalmente presentes em outros óleos. “Os tocotrienóis possuem três duplas ligações na sua cadeia lateral. Dessa forma, conseguem estabilizar melhor os radicais livres produzidos por nosso corpo por meio do fornecimento dos seus hidrogênios fenólicos”, explica.

Sistemas modelo foram utilizados na avaliação da influência da acidez do óleo na qualidade do produto a fim de abranger a faixa de variação de acidez do óleo de palma normalmente processado na indústria. A pesquisadora conseguiu observar que óleos com maior quantidade de acidez inicial terão acidez final um pouco maior. “Não é tão maior, mas a indústria quer óleo com acidez final dentro dos padrões estabelecidos. Se não tiver dentro dos padrões, a indústria enviará o óleo para reprocesso, porém, isso trará problemas para os compostos nutracêuticos presentes no óleo. Então é muito importante ter produto de boa qualidade para obter óleo final com boa qualidade” reforça. Segundo Roberta, é intuitivo saber se obterá produto final com acidez maior, mas o trabalho quantificou isso de maneira exata.

De acordo com Klícia, o processo de desacidificação, apesar de ter como objetivo a retirada da acidez do óleo, pode também estimular a formação de acidez (hidrólise dos triacilgliceróis), por causa das condições extremas do refino físico. O quarto artigo, dedicado à avaliação da hidrólise dos triacilgliceróis durante o processo de desacidificação, mostra as condições que levam à formação de acidez e o que pode ser feito para evitá-la, a partir dos resultados experimentais obtidos na tese de Klícia.

“É preciso evitar temperaturas, bem como altas taxas de vapor associadas com longos tempos de processo”, recomenda. Segundo a pesquisadora, a acidez é formada pelo fato de no processo físico serem aplicadas temperaturas elevadas com pressão reduzida, além de ser usado um agente de arraste que geralmente é o vapor. A pesquisadora enfatiza que no refino químico existem perdas de óleo neutro muito elevadas durante o processo de purificação do óleo.

De acordo com Klícia, o óleo recebe a atenção de todo o mundo por conter duas frações importantes: uma de estearina e outra de oleína. Ela enfatiza que as duas frações são importantes para consumo. No caso da estearina, pode ser usada para produção de alimentos sem o processo de hidrogenação, causador de ácidos graxos trans, maléficos à saúde.

Compostos cancerígenos

Em 2001, foram colocados níveis máximos para os monocloropropanodióis (MCPD), compostos potencialmente cancerígenos, para um grande número de produtos alimentícios, incluindo óleos em geral. Ao extrapolar o conteúdo da tese, Klícia desenvolveu os padrões para uma posterior quantificação direta de tais compostos no óleo de palma, o que não impede que o modelo seja usado para outros óleos. Na Europa, os estudos estão avançados, mas as avaliações são feitas por método de quantificação indireta. No momento, a pesquisadora, ao lado da Universidade de Ghent, trabalha na validação do método. “É preciso ter informação de quanto há de genotóxicos nesse óleo.”

Esses resultados são muito importantes, segundo Klícia, pois não há estudos no Brasil, apesar de esses compostos estarem presentes em alimentos como pães e papinhas, entre outros. Um dos efeitos da ingestão é a modificação do DNA, entre outros problemas associados.

Betacaroteno sintético

Segundo a pesquisadora, é comum a indústria aplicar altas temperaturas para retirada dos pigmentos e do odor naturalmente presentes no óleo e depois adicionar uma versão sintética de alguns antioxidantes, como é o caso dos carotenóides (β-caroteno) para consumo. Ela explica que nos Estados Unidos, eles usam temperatura muito alta para retirar os compostos (destilado) e os colocam em cosméticos e tabletes e fazem encapsulamento de vitaminas. O orientador endossa a informação explicando que ao tentar chegar a uma cor aceitável, a vitamina A presente no β-caroteno é toda degradada, sendo substituída por β-caroteno sintético após o refino.

Segundo o orientador, há informações de que na Bahia o índice de crianças com deficiência de vitamina A é baixo devido à utilização do óleo de palma na culinária. Para a autora, a indústria brasileira ainda precisa usar melhor o conhecimento desenvolvido na academia e isso se dá através de uma maior colaboração. Ela enfatiza que apenas um tipo de óleo de baixa acidez é oferecido para o consumidor popular. “É comum ver no mercado o óleo vermelho de palma, mas geralmente é óleo bruto. Há poucas indústrias que processam o óleo de palma no Brasil. A produção é muito pequena. O Brasil é 11º no ranking mundial. Produzimos 0,1% da produção mundial”, acrescenta. Mas o Brasil começa a investir muito no produto, porque tem produção dez vezes maior que a soja e, além disso, temos área para o cultivo, segundo Meirelles.

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■ Publicação

Tese: “Desacidificação por via física de óleo de palma: efeito da composição do óleo, das perdas de compostos nutracêuticos e cinéticas de reação” Autora: Klícia Araújo Sampaio
Orientador: Antonio José de Almeida Meirelles
Coorientadora: Roberta Ceriani
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)

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