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O
interlocutor que agitava os corredores A
lembrança dominante que o professor Sírio Possenti tem de Carlos
Franchi data de 1979, ano em que ele começou a dar aulas no Instituto de
Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp. Possenti ficou impressionado com o número
de estudantes e professores que liam, reliam e debatiam um artigo de Franchi,
na verdade a introdução de sua tese de doutorado. O IEL tinha
uma característica que hoje praticamente desapareceu - não sei se
era melhor ou pior, não quero comparar -, que era o que a gente chamava
de `o corredor`; as pessoas conversavam muito, compartilhavam de tudo. Esse
comportamento era alimentado pela figura de Franchi, que funcionava como ponto
de referência. Segundo
Possenti, a facilidade com que Franchi trafegava em vários campos e o volume
de coisas que tinha lido davam uma idéia de quanto ele era, mais que diretor
do Instituto na época, em fase de consolidação ,
também um intelectual que pensava as questões de linguagem. Franchi
funcionava, por uma razão que seria interessante esclarecer, como uma espécie
de limite para as pessoas que se reportavam a ele. É mais ou menos como
se ele dissesse: `isso é legal, isso tem jeito; cuidado, isso é
concessão`. Na
avaliação de Possenti, o fato de Franchi ser um interlocutor
excepcional, capaz de dizer o que pensava com uma franqueza estonteante,
facilitava as coisas no campo da circulação das idéias, mesmo
entre pessoas que atuavam em áreas com as quais não trabalhava e
não era um especialista. Ele ficava tentado por coisas que não
o ocupavam, mas que, por alguma razão, ele percebia que eram instigantes,
luminosas, a que ele dava o devido valor embora não as cultivasse,
testemunha Possenti. Possenti
acha, inclusive, que esse perfil foi determinante para que Haquira Osakabe, seu
orientador e de Wanderley Geraldi e Maria Irma Hadler Coudry, decidisse que os
três passariam a ser orientados pelo então diretor do IEL. Osakabe
argumentava que ele falava uma linguagem comum e que o ideal seria que os três
alunos fossem trabalhar com Franchi, que colocaria problemas para o grupo. Se
vocês o convencerem de que a análise do discurso que vocês
querem fazer vale a pena, isso é um juízo importante, disse
Osakabe, segundo relato de Possenti. Esse
tipo de interação, na avaliação de Possenti, foi importante
não só para a lingüística, mas também na formação
de muitos profissionais. Muito do que aprendi certamente devo às
conversas que tive com ele, sobretudo sobre as coisas que eu tinha lido,
reconhece. Na outra ponta, Possenti lembra que Franchi, à frente de um
órgão da Secretaria da Educação do governo Montoro,
funcionava como uma espécie de árbitro do que era ajuizado ou não
ajuizado propor como política do ensino do Português. Muito
do que está nos parâmetros e textos que circundam aqueles documentos
é do Franchi, ou a versão final é dele. Possenti
destaca ainda as passagens de Franchi, depois de aposentado, pelas principais
universidades brasileiras, sobretudo a USP, onde ele formou um grupo de pesquisa
na área de sintaxe e semântica absolutamente excepcional.
Possenti prefere não opinar sobre o fato de Franchi ter publicado pouco,
mas acredita tratar-se de uma opção pessoal. Provavelmente
ele escreveu mais que a maioria das pessoas, mas, por alguma razão, ele
achava que aquilo que havia escrito nunca estava pronto para ser publicado,
pondera Possenti, para quem seu orientador era o leitor mais sofisticado de Chomsky
que havia no Brasil. Como exemplo da produção de qualidade de Franchi,
Possenti cita sua tese de doutorado (Hipóteses para uma teoria funcional
da linguagem). Se tivesse sido publicada num centro relevante, onde
circulasse, teria feito furor. Eu diria que essa obra, de 1976, é cada
vez mais atual. | |