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Lutar
pelo ensino até o desespero, se necessário A trajetória
de Carlos Franchi, um dos fundadores de IEL, que faleceu em agosto PEDRO
FÁVARO JR. e ÁLVARO KASSAB A
trajetória de Carlos Franchi, um dos fundadores do Instituto de Estudos
da Linguagem (IEL) da Unicamp, não apenas se confunde com a história
da Universidade como revela um intelectual adepto da pesquisa, do pluralismo no
campo das idéias e de uma produção que se tornou referência
na Lingüística brasileira. Franchi morreu vítima de câncer,
aos 69 anos, em 25 de agosto, 22 dias depois de receber o título de Professor
Emérito. Mas
começa antes, no amor pela Educação manifestado de forma
clara no primeiro pronunciamento do jovem vereador em 17 de fevereiro de 1960
aos 28 anos incompletos , na 4ª Legislatura da Câmara
Municipal de Jundiaí, cidade que ele amava e da qual, de certo modo, alguns
julgam ter resolvido se desterrar. Franchi era então vice-líder
do simpático Partido Democrata Cristão, que Franco Montoro liderava
no Brasil. Tivesse obtido sucesso quando se candidatou, mais tarde, à Prefeitura
da cidade, talvez a história do IEL fosse outra. Agradeço
o tempo que me foi concedido pelo vereador Flávio Ceolin que, meu aluno
que foi, sabe perfeitamente que problemas do ensino devem ser encarados com seriedade,
com devoção, com dedicação e quase com desespero,
se necessário for.... Não parece nada. Ou parece pouco, para
um primeiro pronunciamento de vereador. Mas por trás das palavras que tão
bem ele sabia e gostava de desvendar, reluz o obstinado rigor davinciano
de Franchi. Lutar pelo ensino até o desespero, se preciso... Foi
esse mesmo rigor que atraiu a simpatia do jovem arquiteto Araken Martinho, hoje
secretário de Planejamento da Prefeitura de Campinas. O arquiteto
jundiaiense recorda que o professor era da primeira geração
dos políticos do Partido Democrata Cristão com uma visão
mais à esquerda . Fazia
parte da turma do Franco Montoro, do Plínio de Arruda Sampaio, que rompia
com o conservadorismo de então da Igreja católica. Eles tinham uma
visão mais social dos problemas. Era um grupo progressista, embora por
brincadeira nós tivéssemos apelidado o Franchi de Padreco, porque
ele havia cursado seminário, recorda. Ele era aplicado na religião
e um grande músico. Tocava órgão na Cadedral de Jundiaí.
Tocou no casamento de meu irmão, informa o arquiteto. Martinho
insere Franchi no grupo de pessoas que buscava a eleição de um prefeito
para ser deputado e integrar, posteriormente, a Frente Parlamentar Nacionalista.
Começava a surgir, nesse tempo, 1959, a idéia de que era preciso
que os empresários militassem na política partidária. Franchi
tinha simpatia por essas idéias. Estava indo bem no mandato de vereador.
Nessa época vieram a Jundiaí os três Fernandos (Gasparian,
Pedreira e Henrique Cardoso), para montar um jornal e montaram O Jundiaiense,
dirigido pelo Jayme Martins. Mas não fizemos o prefeito em 1963,
lamenta. O
arquiteto que foi candidato a vice-prefeito com Franchi se lembra
que os adversários eram muito fortes: o médico Nicolino de Lucca,
do PSP, apoiado por Ademar de Barros, o governador; o jovem diretor da Fazenda,
apoiado pelo então bem sucedido prefeito, Omair Zomignani, os dois do PTB
de Jango e pelos velhos turcos, comerciantes de descendência
árabe ligados à Maçonaria e que comandavam o PSB. Com
o Fávaro, o Omair ganhou. Mas o Franchi tinha grandes idéias e planos
para urbanizar a cidade . Veio
a Revolução e com ela chegou a violência da ditadura militar.
Franchi, grande advogado, não hesitou. Defendeu sindicalistas e militantes
de esquerda, lutando para livrá-los das cadeias das quais muitos não
voltaram. Ele era brilhante e nunca se recusava a atender alguém
que precisasse de defesa, garante Martinho. Com
a voz embargada, pouco mais de dez dias depois de ter perdido outro amigo tragicamente
o prefeito de Campinas, o também arquiteto Antônio da Costa
Santos, assassinado dia 10 de setembro e um mês depois de ter perdido
Franchi, amigo de tantas batalhas em Jundiaí, Martinho só consegue
acrescentar uma frase curta a tudo o que disse: A gente precisava que ele
tivesse ficado mais um pouco... As
tropas Nós costumávamos brincar e dizer que quem bebeu
da fonte em Jundiaí, sempre volta, comentou certa vez com o professor
Rodolfo Ilari, o então aluno do IEL Fernando Bandini. Jundiaiense, também,
Bandini tem ótimas lembranças de Franchi. Ele tinha esperança
de voltar para a terrinha. Infelizmente não conseguiu, lamenta o
agora professor, cuja formação teve fortes influências de
Franchi, de Ilari e de Sírio Possenti. Ilari
lembra, em suas conversas, o envio das tropas do II Exército, de São
Paulo, para Sul. A maioria de soldados formada de conscritos, praças sem
qualquer experiência, foi enviada para combater o governador Leonel Brizola,
cunhado de João Goulart, o presidente deposto. Jundiaí sediava então
duas importantes unidades do Exército, naquela época: o 2º
Grupo de Obuses 155 mm, a 2º Companhia de Comunicações (CiaCom)
e o QG da 11ª Brigada de Infantaria Blindada (BIB). A cidade tinha papel
militar estratégico no cenário da Revolução de 64
que se desenhava. Nela moravam um general de brigada e um tenente-coronel... Esses
moleques, muitos deles amigos meus de adolescência, voltaram e a gente achou
que eles eram os heróis. Teve um desfile na cidade, que subia até
onde hoje é o Fórum, dava a volta, descia pela rua do Rosário...
E ficavam tocando o hino, e aplausos e discurso. Eram os heróis de Jundiaí,
conta. No meio disso, falaram muitas pessoas, convidadas a dar seus depoimentos
nos microfones abertos pelas rádios da época, a Difusora e a Santos
Dumont. O
jovem professor Franchi é solicitado a um depoimento sobre os heróis
de Jundiaí. Estamos todos aqui, devemos querer bem esses meninos,
eles merecem todo o nosso carinho, toda a consideração, porque não
foram covardes, foram valentes. Mas quero dizer o seguinte: isso tudo é
uma grande patriotada, uma grande palhaçada, que poderia ter custado o
sangue de todos eles. Eles não são heróis, eles são
vítimas, relembra Ilari, que na época ficou decepcionado com
Franchi, que havia sido seu professor de Português.
Não se conformava de que tivesse falado mal dos seus amigos. Um dia, num
encontro fortuito na Universidade de São Paulo (USP), apareceu a oportunidade.
Seu Carlos, outro dia ouvi seu discurso e o senhor falou mal dos meus colegas.
Como pode?, questionou, em tom de desafio, aquele que seria mais tarde seu
colega no IEL. Você não parou para pensar, rapaz? Você
tem que começar a ver o jornal que você lê, respondeu
Franchi ao ex-aluno, para quem a sentença do professor foi um balde
de água fria na cabeça. Aos poucos eu comecei a pensar
no que estava acontecendo... embora não tivesse me arrependido de ter me
colocado como idiota, porque no fundo estava só gostando daqueles moleques,
da coragem deles e não queria o mal de ninguém. Acabei aprendendo. CURRÍCULO |
TITULAÇÃO
UNIVERSITÁRIA Graduação - Licenciatura em Letras
Neo-Latinas, pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1951/54) -
Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo (1953/1958) - Licence ès Lettres
(Linguistique) pela Université de Franche-Comté, França (1970) Pós-graduação -
Concluiu em 1969 o Curso de Teoria Literária e Literatura Comparada sob
a orientação do Prof. Antonio Candido de Mello Souza na Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP). -
Em 1971, obteve a Maîtrise ès Lettres (Linguistique) pela Faculte
de Lettres da Université Scientifique de Aix-Marseille, França,
sob orientação de Claire Blanche-Benveniste. - Em 1976, posteriormente
a um estágio na University of Tel-Aviv, Israel, doutorou-se em Ciências
(especialização:Lingüística) pela Universidade Estadual
de Campinas, sob orientação do Prof. Dr. Marcelo Dascal. - Realizou
estágios de Pós-Doutoramento junto ao Departamento de Línguas
Hispânicas da State University of New York, at Albany (1979) e junto ao
Departamento de Lingüística da University of Califórnia, at
Berkeley (1980/81). ATIVIDADES
PROFISSIONAIS - Entre 1955 e 1970, atuou no magistério secundário
de São Paulo, como professor efetivo de latim e português, em cargos
obtidos por concurso público (1º lugar em 1955, 1957 e 1959). -
Atuou como coordenador da área de comunicação e expressão
no Ginásio Pluricurricular Experimental da Lapa, em São Paulo, participou
da criação e implementação das Escolas Experimentais
e Pluricurriculares, nas equipes de Maria Anildes Mascellani e Terezinha Fran
(1966/68). - Participou do desenvolvimento dos primeiros Guias Curriculares
(1968/69), atuando junto à Coordenadoria de Normas Pedagógicas (CENP)
da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. |
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