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José Martins Filho recebe título
de professor emérito da Unicamp
O ex-reitor José Martins Filho recebeu o título de professor emérito da Unicamp em solenidade no último dia 22, na sala repleta do Conselho Universitário (Consu), com um discurso em que enalteceu a importância dos pediatras na formação dos adultos de amanhã – e que interrompeu algumas vezes por conta da emoção. “A pediatria faz parte da minha vocação. O pediatra é um tratador de doenças infantis, mas é antes de tudo um preventivista, um pregador do crescimento e desenvolvimento do país, da humanização, da distribuição de renda, do direito das crianças a creche e escola. Esta é uma luta de quem sabe que o pediatra de hoje ajuda a formar o adulto de amanhã”.
A trajetória de Martins Filho se confunde com a própria história do Departamento de Pediatria, aonde ele chegou em 1969, quando a Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp ainda funcionava na Santa Casa de Misericórdia de Campinas. Defendeu a primeira tese de doutorado do departamento (e a segunda da FCM), intitulada “Desnutrição intra-uterina–crescimento fetal”, que levou à construção da primeira curva de crescimento intra-uterina no Brasil.
O homenageado foi também o primeiro livre-docente em pediatria da Universidade, com a tese “Contribuição ao estudo do aleitamento materno”. O aleitamento materno sempre foi uma de suas linhas de pesquisa, tendo produzido vários artigos e escrito o livro “Como e por que amamentar”, leitura obrigatória para aqueles que fazem residência em pediatria. Na época ainda não havia consenso sobre o tema e, por isso, o autor enfrentou grande resistência. Agora, quase 40 anos depois, viu aprovada a lei da obrigatoriedade da licença maternidade de seis meses.
Os trabalhos de José Martins Filho enveredaram pela neonatalogia e, ainda, pela pediatria social e comunitária. Seu discurso ficou carregado de emoção justamente ao se lembrar do episódio que inspirou “A criança terceirizada”, o penúltimo dos seus oito livros, em que aborda o pouco tempo de dedicação dos pais e a transferência da responsabilidade pela formação dos filhos a terceiros. “A menina tinha uns 7 anos de idade e jogava malabares na rua. Eram dez da noite e fazia frio. Perguntei como se chamava e ela respondeu: ‘me chamo cachorra vadia’. Escrevi o livro numa penada”.
No âmbito administrativo, Martins ocupou todos os cargos da sua área. Foi o primeiro chefe de departamento eleito na FCM, pelo longo período de dez anos. Iniciou o programa de pós-graduação em pediatria, que hoje é um dos mais concorridos da FCM, com 67 alunos de mestrado e 48 alunos de doutorado. Como diretor da FCM, segundo o ex-aluno Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva, atual pró-reitor de Desenvolvimento Universitário, foi a voz daquela comunidade. “Era um período de amadurecimento político da FCM e tínhamos poucas pessoas para nos apoiar e levar nossas demandas para a Universidade, que não estava institucionalizada como hoje. Ele sempre apoiou todas as nossas iniciativas”.
Vice-reitor e em seguida reitor da Unicamp no período 1994-98, o professor emérito promoveu a expansão dos cursos de graduação (principalmente noturnos) e criou as áreas de arquitetura, química tecnológica e geologia. “Sou professor e homem de pesquisa, mas sempre procurei participar da administração da Universidade, o que me mantém em estado de felicidade e alegria. Para quem tem uma vida inteira dentro da Unicamp, passando por todos os cargos acadêmicos e administrativos, este é um dia bastante especial”, disse antes da cerimônia.
Presidindo a Assembleia Extraordinária do Consu, o reitor Fernando Costa lembrou que o título de professor emérito é a maior honraria concedida pela Universidade. “Tenho a sorte de outorgar esse título porque pude acompanhar a trajetória e de trabalhar com o professor Martins quando ele era reitor e eu diretor da FCM. A Unicamp é uma das duas ou três universidades brasileiras em condições de estar entre as 100 ou 200 melhores do mundo na próxima década. E isso é muito por conta da atuação de seus dirigentes. Verificando o livro de inscrições para intervenções em reuniões do Consu na década de 80, ele era o docente que mais pedia a palavra”.
Ciped inaugura anfiteatro
em homenagem a ex-reitor
O
Centro de Investigação em Pediatria (Ciped) da Faculdade
de Ciências Médicas (FCM) inaugurou as novas instalações de
seu anfiteatro, que passa a se chamar Prof. Dr. José Martins
Filho, em homenagem ao seu fundador e idealizador. Durante
a cerimônia de inauguração, ocorrida também no dia 22, muitas
lembranças, histórias e depoimentos fizeram Martins se emocionar.
A coordenadora do Ciped, Maria Marluce dos Santos Vilella,
disse que não há melhor maneira de se avaliar o significado
da vida de um homem sem contar o número de vezes que ele foi
submetido a momentos de exortação pelas suas próprias conquistas.
Em 1970, Martins foi uma das vozes que incentivaram e iniciaram
as campanhas sobre o aleitamento materno. Já na década de
1980, reestruturou o Departamento de Pediatria e, na década
de 1990, criou o Ciped. Atualmente, Martins vem produzindo
vasto material sobre a criança terceirizada.
“Martins faz da coerência uma condição de vida. Suas atitudes
vão além de todo avanço científico, reforçando uma postura
social, ética e humana de dar visibilidade para a criança
como um ser em desenvolvimento, uma visão de doutrina pediátrica”,
disse Marluce, que foi médica-residente do Departamento de
Pediatria na época de sua mudança da Santa Casa de Misericórdia
para o Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp.
O diretor da FCM, Mario José Abdalla Saad, chegou a conhecer
a fama de Martins na época do movimento estudantil de Ribeirão
Preto e nos anos de 1980 durante as assembleias dos docentes
da Unicamp. Lançado por duas vezes como diretor da FCM,foi
somente na segunda eleição que Martins foi empossado como
diretor da faculdade. Segundo Saad, exercer cargo administrativo
na Unicamp não é uma função fácil, porque é necessário cuidar
de duas coisas que são muito importantes: zelar pela competência
da instituição e transformar ou preservar as conquistas democráticas.
“Aliar isso não é uma coisa simples e o Martins, por onde
passou, deu o exemplo de como fazer isso em defesa da competência
e da democracia da Universidade, com diálogo e muita generosidade”,
disse Saad.
O pró-reitor de Desenvolvimento Universitário da Unicamp,
Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva, lembrou que muitos
dos docentes que hoje fazem parte do Departamento de Pediatria
foram médicos-residentes contratados por Martins, dos quais
ele se inclui. “Martins foi a nossa voz dentro do Consu e
talvez seja a personalidade mais importante da Unicamp como
chefe, líder, diretor, pró-reitor e reitor. Sua contribuição
foi importante para a construção da melhor faculdade de medicina
do Brasil”, disse Moreira.
O reitor da Unicamp, Fernando Ferreira Costa, lembrou da época em que a enfermaria mais concorrida do pronto-socorro do HC era a da pediatria, que atendia muitas crianças subnutridas. À frente, o professor Martins e seus residentes. “Todos nós tivemos o privilégio de ver a medicina mudar e minha impressão é que está havendo um interesse maior pela pediatria e suas especialidades. Martins contribuiu para isso de diversas maneiras e o Ciped foi ideia dele”, comentou Costa.
Em seu discurso, Martins agradeceu a todos os amigos, familiares, docentes e funcionários e disse que o Ciped foi concebido como uma unidade do Departamento de Pediatria dentro da FCM. Sua proposta era possibilitar ao médico da “infantaria da pediatria” se especializar e mostra que é possível fazer pesquisa dentro da pediatria.
“No começo, o Ciped não foi bem compreendido. Achavam que íamos elitizar e deixar de fazer atendimento. Hoje, dez anos depois, publicamos pesquisas em revistas indexadas “Qualis A” e mostramos que é possível ao pediatra fazer mestrado e doutorado. Há 40 anos trabalho com aleitamento materno. Estamos num momento de falar a verdade e acabar com os mitos. Precisamos voltar a ensinar o médico a fazer puericultura”, disse Martins. |
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