Untitled Document
PORTAL UNICAMP
4
AGENDA UNICAMP
3
VERSÃO PDF
2
EDIÇÕES ANTERIORES
1
 
Untitled Document
 

O leite no ‘tribunal científico’
Livro aponta prós e contras do
consumo de leite por adultos


O leite de vaca tornou- se um alimento polêmico. Existe o consenso de que as crianças devem tomar leite, desde que não apresentem hipersensibilidade às suas proteínas, intolerância à lactose ou manifestem outros fatores impeditivos. Quanto aos adultos, a ingestão de leite é controversa. O leite é visto como causador de alergias – principalmente, sua fração protéica –, intolerância à lactose, asma, rinite, aumento da produção de secreções mucosas, diabetes, catarata, câncer do ovário, entre outras doenças.

Ademais, a despeito dos avanços da indústria de laticínios – que com o desenvolvimento de novas técnicas de processamento têm possibilitado a obtenção de produtos mais seguros do ponto de vista higiênico-sanitário –, ainda assim existem problemas de contaminação do leite por antibióticos, micotoxinas, hormônios e pesticidas agrícolas – além da ocorrência de fraudes.

Entretanto, o leite e seus derivados constituem importantes fontes de minerais, vitaminas e proteínas de alto valor biológico. O produto contém nutrientes capazes de modular funções fisiológicas específicas, o que o torna fonte de ingredientes funcionais promotores da imunomodulação – estimulação do sistema imune. O consumo de leite está associado à prevenção de osteoporose, hipertensão arterial, ao controle do peso corpóreo e até a modulação da gordura corporal, entre outros fatores. Contribui também na atividade antimicrobiana e antiviral.

O consumidor, ao se defrontar com problemas e benefícios associados à ingestão de leite, se sente sem rumo e em geral não encontra orientação consensual entre os profissionais da saúde. Motivada pela polêmica e pela desorientação envolvendo o consumo de leite por adultos, a pesquisadora Adriane Elisabete Antunes de Moraes, docente do curso de Nutrição da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), do campus de Limeira da Unicamp, uniu-se à pesquisadora Maria Teresa Bertoldo Pacheco, do Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), com o objetivo de realizar uma revisão abrangente da literatura
científica envolvendo o tema.

O objetivo era resgatar evidências científicas que permitissem apresentar mitos e fatos envolvendo o consumo de leite pelo adulto. Ao se darem conta da dimensão da tarefa, as pesquisadoras decidiram levá-la a cabo organizando uma equipe multidisciplinar constituída por profissionais das áreas de Nutrição, Biologia, Medicina, Engenharia de Alimentos, Química, Bioquímica, Zootecnia, Farmácia e Economia.

Do trabalho resultou o livro Leite para adultos: mitos e fatos frente à ciência, editado por elas, também autoras de vários dos capítulos. Dividida em quatro partes, a obra aborda o leite como alimento polêmico; alimento nutritivo; fonte de ingredientes funcionais; e dá um panorama da evolução histórica de seu consumo, focando aspectos genéticos. O trabalho foi realizado em apenas dois anos, desde a primeira reunião até o lançamento da obra, que tem cerca de 500 páginas.

A professora afirma que “a ideia foi apresentar argumentos contrários e favoráveis ao consumo de leite por adultos para que o leitor possa tomar sua decisão individualmente”. Reconhece que o público alvo deve ser mais especificamente constituído por profissionais ligados à área da saúde e alimentos: nutricionistas, médicos, zootecnistas, veterinários e os que trabalham na cadeia do leite.

Adriane esclarece que a obra traz informações atualizadas e abrangentes sobre o tema e pretende oferecer aos profissionais da área de alimentos e saúde, bem como para a população em geral, um manual de consulta que possa trazer benéficos individuais e coletivos.

Ao final do prefácio, as autoras-editoras convidam o leitor “a ser júri deste ‘tribunal científico’ e a formar uma opinião crítica sobre o tema e desta forma absolver ou condenar o réu”.

Mitos e fatos
Adriane sempre teve interesse em pesquisas com leite e derivados, mesmo estando pessoalmente desvinculada dos meios produtivos e comerciais. Segundo ela, o leite é um alimento de excelente qualidade nutricional. Apresenta adequado equilíbrio de macro e micronutrientes, fatores de crescimento, imunoglobulinas, satisfazendo todas as necessidades nutricionais dos recém-nascidos nos primeiros meses de vida.

O homem optou pela ingestão do leite ao longo da vida devido à escassez de alimentos e até de água, por apreciar-lhe o gosto, por questões psicológico-afetivas relacionadas à infância e para promoção da saúde, principalmente as relacionadas à manutenção da saúde de ossos e dentes.

A introdução do leite na dieta do homem adulto, lembra, foi possível graças à domesticação do gado e ao desenvolvimento de tecnologias de refrigeração, de pasteurização e ultra-pasteurização, do envase e à distribuição que permitiram sua industrialização e sua fácil disponibilidade para o mercado consumidor.

Segundo ela, o trabalho de revisão procurou buscar argumentos favoráveis e contrários ao consumo de leite pelos adultos e examiná-los e discuti-los com base em fundamentações científicas.

Ela entende que realmente existem pessoas que não devem consumir leite, da mesma forma que outras não devem consumir outros tipos de alimentos como trigo e soja, por exemplo, porque lhes causam alergias ou provocam reações indesejáveis no organismo.

Entre os mitos analisados no livro, a docente destaca a afirmação de que o homem é o único animal que continua ingerindo leite na fase adulta. Rebate dizendo que os animais mamíferos adultos também bebem leite desde que lhes seja ofertado e isso não acontece por se tratar de um alimento caro. O desmame dos animais ocorre porque o leite precisa ser preservado para as novas crias. A propósito, lembra que o soro do leite resultante da fabricação do queijo é utilizado para alimentar porcos adultos.

Constitui para ela outro mito a afirmação de que o homem não necessita incluir leite na sua dieta. Ela diz que isso até pode ser verdadeiro desde que se fique atento a outras fontes de cálcio, o que não é fácil. E esclarece: “Todo cálcio que o ser humano precisa pode vir dos vegetais, a exemplo do que acontece com animais como girafa e elefantes, que vivem de folhas. Mas a comparação dificilmente atende às necessidades humanas porque os animais passam muitas horas do dia se alimentando. A biodisponibilidade de cálcio nas folhas é pequena comparada ao leite e existem ainda alguns fatores anti-nutricionais que dificultam sua absorção, o que torna seu aproveitamento mais difícil”. Ela afirma que quem não consome leite e derivados e não se alimenta de vegetais ricos em cálcio poderá vir a desenvolver osteoporose.

A pesquisadora lembra que à exceção da manteiga, que é obtida da porção gordurosa do leite, a grande fonte de cálcio é constituída pelo leite e derivados. Três copos, do tipo americano, de leite diários são suficientes para atender cerca de 75% das recomendações nutricionais do organismo. Para obter as mesmas quantidades de cálcio, com a ingestão do leite, é necessário o consumo de um grande volume de vegetais, o que não é frequentemente observado na dieta da maioria das pessoas.

Entre os fatos envolvendo o consumo de leite por adultos, Adriane comenta a intolerância à lactose, que é o açúcar que se encontra apenas no leite de todos os mamíferos. O fato de dois terços da população mundial serem resistentes à lactose serve de argumento para os que são contrários ao consumo do leite, considerando-o alimento não adequado na fase adulta.

Enzima
Essa intolerância é decorrente de o organismo cessar ou reduzir a produção da enzima que quebra esse açúcar. A professora explica que certas pessoas depois do desmame perdem a capacidade de secretar essa enzima ou a produzem menos. Aí surgem os sintomas da intolerância, como diarréia osmótica, cólicas, flatulência, dor e distensão abdominal. Como mostra o livro, essa intolerância está relacionada também a fatores raciais. No Brasil, devido à miscigenação, apenas 25% da população apresenta intolerância à lactose, porcentagem muito baixa em relação à de muitos países. Na África, na China e no Japão quase toda a polução é intolerante a esse açúcar. Mas em países como a Nova Zelândia, Austrália e em regiões como o norte europeu a intolerância à lactose é mínima.

Adriane explica que essa adaptação orgânica está relacionada a fatores históricos, envolvendo domesticação do gado e consumo de produtos lácteos que propiciaram uma mutação genética que favorece a produção da enzima necessária para quebra do açúcar do leite. Ou seja, a intolerância original à lactose foi se modificando com o consumo de leite, o que não aconteceu com os que não o utilizavam em suas dietas.

Para ressaltar a importância alimentar do leite e o seu papel como alimento funcional, a pesquisadora lembra que a China, onde tradicionalmente não se consome o produto, ele começa a ser introduzido, naturalmente sem lactose. Com a decisão, o governo pretende não só reduzir os altíssimos índices de osteoporose verificados no país como o problema da baixa estatura da população.

A docente menciona ainda o fato de o leite ser considerado um dos alimentos mais alergênicos, o que para ela é verdade. O produto está no topo do grupo dos alimentos que causam alergia. Por quê? Adriane lembra que a amamentação com leite materno em geral tem sido muito curta sendo logo substituída pela alimentação com leite de vaca. Na tenra idade, o trato digestório da criança apresenta permeabilidade maior para que ela possa adquirir os anticorpos presentes no leite da mãe. Devido a essa permeabilidade maior, com a introdução precoce do leite de origem animal o organismo da criança acaba gerando anticorpos contra as proteínas que desconhece. Essa alergia, explica a professora, não aconteceria ou diminuiria muito se a criança fosse amamentada com leite materno até o sexto mês.

Pelos menos as gerações mais antigas acreditam piamente que ingerir leite com manga faz mal ou pode levar à morte. Adriane conta que essa é uma lenda que surgiu na época da escravatura para que os negros consumissem as mangas abundantes e preservassem o leite para os senhores. Ela diz que, para que a crença se estabelecesse, muitos escravos foram envenenados e adoeceram ou até morreram. Hoje nas gôndolas dos supermercados encontram-se iogurtes sabor manga.

No passado, conta Adriane, acreditava- se que o leite, como alimento neutro, seria bom para o tratamento de gastrite. Segundo ela, existem pessoas com gastrite que submetidas ao tratamento com leite pioram porque, nesses casos, ele ativa a acidez do estômago. Embora esse efeito varie de intensidade de pessoa para pessoa, ela conclui que o leite pode não ser um bom alimento para os portadores do problema.




 
Untitled Document
 
Untitled Document
Jornal da Unicamp - Universidade Estadual de Campinas / ASCOM - Assessoria de Comunicação e Imprensa
e-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP