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O embrião de duas escolas ‘diferentes’
Tese resgata
origem de
práticas
educacionais
avançadas
implantadas
em dois colégios
Tese de doutorado desenvolvida
na Faculdade de Educação (FE) resgata
as origens de duas escolas de Campinas, abrangendo um século de desenvolvimento da educação na cidade, do início da República aos dias atuais. Sua autora, Ana Elisa de Arruda
Penteado, parte do princípio de que o desenvolvimento da educação em cada escola estudada revela quadros que compõem um panorama maior da história da educação na cidade, no estado e no país. Ela afirma que “quis dar essa contribuição através de dois colégios muito importantes para a cidade em um período que vai de 1900 até os dias de hoje”. O trabalho, orientado pelo professor José Luís Sanfelice, desenvolvido dentro da linha de pesquisa História das Instituições Escolares, foi apresentado
ao Departamento de Filosofia
e Historia da Educação, da FE.
A pesquisadora se interessou em estudar as origens da Escola Comunitária de Campinas, criada em 1977 na rede privada, porque sempre a instigou a peculiaridade de seu nascimento, pois se sabia que essa instituição teve origem na crise por que passou o Colégio Progresso Campineiro, que eclodiu naquele mesmo ano. Somado a isso, havia o fato de ela se destacar no meio educacional
como uma escola “diferente”.
Despertou o interesse de Ana Elisa o projeto de cunho humanista da Comunitária que visava, desde suas origens, a formação integral do homem como um ser crítico e participativo, o cultivo de valores sociais e a promoção da autonomia do educando frente à construção do seu conhecimento. Esse projeto, diz ela, se materializava em práticas escolares pouco convencionais para a época. Essas práticas envolviam autonomia do aluno para o estudo, de maneira a construir o seu próprio conhecimento; trabalho em grupo; desenvolvimento de ideias próprias para posterior discussão
com colegas e na sequência com o grupo, de forma a chegar a um consenso; discussão de temas sociais; estudos dirigidos; e estudos do meio.
O que se pretendia era a formação de uma pessoa que soubesse opinar, argumentar e participar. Ela diz que “essa filosofia que hoje pode parecer comum a muitas escolas soava como diferente no final dos anos 70. Tanto que a Comunitária não se propunha a ser uma escola alternativa, como outras que começavam a existir na cidade, mas uma escola ‘diferente’ ”.
Ao buscar compreender a origem da Comunitária, a pesquisadora teve a percepção de que precisava se remeter ao Colégio Progresso e àquela crise para entendê-la. Ela se propôs, então, a descobrir as origens da filosofia que embasava todo o projeto da nova instituição
e verificar o que efetivamente tinha de diferente em relação à escola a que se contrapunha. Nos arquivos do memorial do Colégio Progresso, no entanto, encontrou documentos sobre suas práticas escolares e constatou que elas eram muito semelhantes às adotadas pela Comunitária, inclusive na nomenclatura atribuída: assembleias
e estudos do meio e em grupo.
Estas descobertas a levaram a constatar que “o diferente da Comunitária
estava acontecendo no Progresso desde a década de 60”, quando o tradicional colégio iniciou seu processo de renovação educacional,
cujos méritos eram exaltados pela mídia local. Esse movimento de renovação educacional se contrapunha
a uma educação em que os alunos ficam alinhados em cadeiras fixas, ouvem e anotam, não questionam e são submetidos a um ensino centrado no professor que dá o que o educando recebe. Nesse processo, comumente chamado de tradicional, o aluno participa
menos e o professor faz mais.
Volta no tempo
É preciso voltar no tempo para entender o surgimento do Colégio Progresso Campineiro, sua transformação
ao longo dos anos, a crise que levou ao pedido de demissão de sua diretora e a saída maciça de seus professores,
que culminou com a criação da Escola Comunitária da Campinas,
para a qual migraram os ideais educacionais ali então cultivados.
O Colégio Progresso Campineiro nasceu em 1900 com a função de educar moças da elite da cidade de Campinas e região, por iniciativa do fazendeiro, empresário e político liberal Orozimbo Maia e de outros quatro fazendeiros e homens públicos, todos ligados ao movimento republicano
de São Paulo. A iniciativa, no bojo de outras de sucesso, deixava para trás décadas de descaso com a instrução de meninas, especialmente em relação ao ensino secundário, que durante o Império se dirigia prioritariamente ao sexo masculino e se orientava para o ensino superior.
Depois do malogro e da passagem fugaz da primeira diretora, o colégio foi entregue a dona Emília de Paiva Meira, que ocupa sua direção por cerca de 35 anos. Ela introduz na escola
a formação e os ritos religiosos católicos, contrariando em alguma medidas princípios republicanos que defendiam o ensino laico. O colégio,
estritamente feminino e muito fechado, propunha-se a proteger do mundo externo as moças que se destinavam
ao casamento e à maternidade.
Ana Elisa considera que “da mesma
forma que dona Emília de Paiva Meira se tornou um ícone das quatro primeiras décadas do Colégio Progresso
Campineiro, pode-se assegurar que dona Amélia Pires Palermo, sua sétima diretora, constituiu o ícone da renovação educacional encetada nesse colégio no início da década de 1960”.
A pesquisadora conta que dona Amélia entra na escola, em 1940, como professora. Nessa época, com as alunas do Colégio, ela participava das atividades da JEC – Juventude Estudantil Católica –, na qual as jovens militantes aprendiam fazendo
e discutindo. Inquietava-a, entretanto, o fato de ao retornarem
ao colégio essas alunas voltarem
a um ensino não-participativo.
Nesse tempo, quando já vislumbrava
a necessidade de uma escola mais arejada, dona Amélia conhece, por meio de uma amiga comum, a educadora Maria Nilde Mascelani, que em uma escola estadual, o Instituto
de Educação de Socorro, tinha a seu cargo as chamadas classes experimentais.
Diante do sucesso dessa iniciativa, Maria Nilde, já então na Secretaria da Educação, torna-se responsável pelos ginásios vocacionais
que vieram a se instalar em São Paulo, Americana, Barretos, Batatais, Rio Claro e São Caetano do Sul. O contato contínuo e a troca de experiências
com a educadora atendiam seus anseios e a levaram a começar a trazer para Campinas as novas ideias que vicejavam nos ginásios vocacionais, adaptando-as ao Colégio que dirigia.
As mudanças introduzidas por dona Amélia visavam à formação de um aluno participativo, crítico e engajado,
como se dizia na época. Eram os anos 60. O anseio de participação dos alunos levou dona Amélia a abrir o colégio para grupos de fora, como os do Colégio Culto à Ciência. Veio a ditadura e essa ebulição participativa atraiu a atenção dos órgãos de segurança.
Não raro, durante as batidas policiais, participantes, professores e palestrantes tinham que deixar o prédio pulando os muros. Esta situação
constrangia e desagradava à sociedade mantenedora, constituída por senhoras que a geriam desde 1928, quando criada por dona Emília para dar continuidade à sua empreitada.
Além de tudo, lembra Ana Elisa, o Plano Pedagógico estabelecido pelos vocacionais previa que todo planejamento
administrativo devia estar intrinsecamente
relacionado ao planejamento
pedagógico e dele não poderia ser dissociado “por ser o trabalho dos educadores fundamentalmente trabalho
de equipe”, o que a mantenedora também não aceitava. Essas discordâncias
conduziram a situações tensas e mal resolvidas durante 13 anos.
No fim de 1977, a equipe pedagógica
faz reivindicações que não são atendidas e os indícios de que a mantenedora pretendia destituir a diretora a levaram a demitir-se, sentindo
a impossibilidade de continuar o projeto a que se propusera. Com ela saem 45 professores, ficando apenas oito no Colégio. Um grupo de cerca de um terço dos pais, não contando mais com a diretora e os professores em que confiavam, resolveu pela retirada de seus filhos da instituição e decidiu, com a equipe pedagógica e professores
demissionários, montar outra escola. Dois terços de pais se dividiram
entre permanecer no Progresso ou procurar outras escolas da cidade.
Neste particular, a pesquisadora se perguntou por que esse pequeno grupo de pais, mesmo sem experiência, se propôs a essa iniciativa, uma vez que existiam outras escolas equivalentes à disposição na cidade. Ela entende que os moveu o idealismo de um projeto humanista que queriam manter e fazer vingar. E como tinham receio de que o projeto pudesse ser novamente interrompido
se houvesse uma mantenedora
que fosse apartada do pedagógico, decidiram criar uma sociedade civil para gerir a escola, que passa a ter uma direção pedagógica e uma direção
administrativa. Com essas duas instâncias que dialogam, mas não se sobrepõem, pretendiam evitar o perigo de que o processo fosse interrompido.
Os documentos que ela compulsou
lhe permitiram concluir que a nova escola criada já existia como ideário antes de 1977. A novidade era que ela incorporava toda essa prática pedagógica através de uma gestão diferente. A Comunitária era diferente porque até então não existia em Campinas uma escola que constituísse
uma sociedade civil em que pais, professores e funcionários detinham cotas e gozavam dos mesmos direitos.
O contexto
Que conjunturas sociais determinaram
as transformações educacionais por
que passou o Colégio Progresso Campineiro?
Ana Elisa responde dizendo que, embora não lhe agrade personalismo,
é preciso considerar a história de vida de dona Amélia Pires Palermo. Ela que fora catequista, vinha de uma família de professores, trabalhava com o que na época chamou de periferia do Cambuí, tinha vivência de participação na JEC. Para uma pessoa que acumulara
essas experiências, era questão de foro intimo acreditar em um cidadão participativo, cristão, em um homem com valores morais. Ela acreditava que esse projeto não podia ser realizado na escola que se tinha. Tomou consciência de que seus anseios e desejos já estavam acontecendo em outros lugares. É nesse caldo de culturas e ideias que ela se insere, diz a pesquisadora.
“Sem essa ânsia por modificações ela não teria sido levada a incorporar as novas ideias. Já como professora, ela tentara implantar as mudanças que defendia. Ao assumir a direção do Progresso, imprimiu ao colégio a orientação em que acreditava”. Mas tinha a lucidez de entender que o professor
devia estar imbuído desse novo espírito, por isso não impôs a mudança.
Inicialmente envolvem-se no processo apenas dois professores que atuavam no que na época se chamava de primário. Para que toda a escola adotasse as novas visões, longos anos tiveram que ser percorridos.
Ana Elisa credita a vários fatores o amadurecimento da necessidade de transformação da antiga escola. Segundo ela, as ideias do aprender fazendo vinham amadurecendo desde o século XIX. Vários educadores, a exemplo de Piaget, trouxeram contribuições ao longo dos anos. O inconformismo em relação ao papel desenvolvido pela escola, centrada no professor, impunha mudanças.
Como era de se esperar, contudo, os ginásios vocacionais não resistem à ditadura, mas as reformas implantadas
no Progresso eram irreversíveis e passa-se a falar em ensino global e integral, embora se utilizassem as mesmas práticas trazidas pelos novos ventos: assembleias, estudo do meio, estudos dirigidos, trabalhos em grupo. Adotava-se a proposta do ginásio vocacional que era a de trabalhar com a disciplina Estudos Sociais como eixo, com projetos, em torno dos quais giravam as demais disciplinas. Os estudos centravam-se inicialmente no bairro, para depois atingir a cidade e o país. O aluno passava a ir atrás da informação, do conhecimento, em contraposição à postura de só receber, estudar o que estava no caderno, decorar.
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Publicação
Tese: “Da renovação educacional do Colégio Progresso Campineiro à gênese da Escola Comunitária de Campinas”
Autora: Ana Elisa de Arruda Penteado
Orientador: José Luís Sanfelice
Unidade: Faculdade de Educação (FE)
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