jovem funcionária e recém-formada em jornalismo
parou diante do pavilhão do Departamento de Artes Corporais
da Unicamp ao ouvir um canto lírico. O naipe era um soprano
dramático capaz de imobilizar qualquer transeunte. Uma
parte da janela descoberta pela cortina permitiu à funcionária
da Unicamp ver a emissora de tão rico som. Era Inaicyra,
professora-doutora da disciplina danças brasileiras,
improvisação e dança e ancestralidade na
Unicamp. Já admiradora da mulher cantante, por tê-la
observado em outras ocasiões em que falava sobre sua
experiência como intérprete e pesquisadora em dança
pelo mundo, pensou a jornalista: Essa mulher merecia uma
matéria. A realização foi inviável
por estar afastada do mercado de trabalho, à época,
o que a impedia de publicar sua reportagem.
Mas
o destino é justo e, apesar de não ter tido oportunidade
de mostrar a Inaicyra dançarina, hoje, dez anos depois,
a jornalista já nem tão jovem pode divulgar o
precioso trabalho da cantora lírica Inaicyra, por meio
da apresentação de seu CD Okanawa (Nosso Coração),
lançado na Bahia em 31 de março de 2000. Tão
diferentes quando o canto ouvido em 1991, no departamento em
que Inaicyra lecionava, das 15 peças que compõem
o repertório de Inaicyra, 13 são compostas em
iorubá e duas em português.
Segundo
Inaicyra, as melodias foram trabalhadas em cima de poemas em
iorubá chamados orikis. Classificado como coisa
linda pelo jovem fotógrafo que acompanhava a entrevista,
o canto de Inaicyra tem algo especial, além de unir o
lírico ao ritmo africano, aprimorado durante o tempo
em que permaneceu como pesquisadora em Ifé e mestranda
e professora no departamento de artes teatrais na Universidade
de Ibadan, na Nigéria.
Okanawa
foi produzido a propósito de uma festividade realizada
em Salvador em homenagem aos 100 anos de nascimento de Maria
Bibiana do Espírito Santo, Mãe Senhora, avó
de Inaicyra, descendente da tradicional família axipá,
uma das linhagens fundadoras do reino africano de Keto. Segundo
Inaicyra, o trabalho é fruto da observação
consciente, metódica e da avaliação refletida,
inspiradas na tradição oral, na vivência
direta com os descendentes dos iorubás no Brasil e na
Nigéria e nas vivências com modos de ver de outros
artistas, pesquisadores de épocas passadas e do contemporâneo.
Patrocinado
em sua totalidade pela Secretaria de Cultura e Turismo de Salvador,
Okanawa teve uma tiragem de apenas 2 mil CDs. O novo passo é
a busca de uma gravadora que se interesse em produzir o disco
em grande escala destinada à comercialização.
Todo mundo que escuta tem gostado do trabalho, diz
Inaicyra. Beto Pellegrino e Paulo Adachi dividem os arranjos.
A
experiência de Inaicyra com o canto começou durante
sua participação no coral da universidade, em
Salvador. Ela também fez parte do coral da Universidade
de Ibadan, onde fez uma opereta. O tratamento lírico
foi intensificado nas aulas de Suzel Cabral e Glédis
Spiere, responsáveis pelo sucesso de muitos cantores
líricos em Campinas. O primeiro concerto clássico
foi apresentado no Centro de Ciências, Letras e Artes
de Campinas, em 1992. Segundo ela, foi o momento em que se centrou
no canto. Os cantos iorubás foram apresentados pela primeira
vez durante um fórum realizado pela pesquisadora e professora
Roseli Fishman, da USP, sobre a coexistência de religiões.
Foi a primeira vez que cantou os orikis em público. Segundo
ela, foi uma experiência emocionante. O público
veio a baixo, todo mundo se emocionando, perguntando se eu tinha
algum disco. Fiquei perplexa e motivada.
A
dança levou Inaicyra ao palco pela última vez
em 1989, de onde veio direto para a Unicamp para integrar o
corpo docente do Instituto de Artes, como professora convidada,
o doutorado na faculdade de educação da Universidade
de São Paulo (USP). No mesmo ano em que terminou o doutorado,
1996, a professora foi nomeada chefe do departamento de artes
corporais do Instituto de Artes da Unicamp. A experiência
na Unicamp tem me enriquecido, assim como todas as outras.
Em sua vida, todas as experiências valeram profundamente,
segundo Inaicyra. Sua inspiração como intérprete
de dança, e agora como cantora lírica, vem da
sua história de vida, ao lado do pai, mestre Didi, autor
de muitas esculturas já expostas em bienais de arte de
São Paulo e no mundo, e do convívio da avó,
que dedicou-se à expansão dos princípios
religiosos e dos valores culturais nagô. A dança
entrou informalmente em sua vida, durante as brincadeiras com
as amigas. Sempre gostei de dançar; o estudo formal
da dança foi ealizado na universidade.
Graduada
em dança pela Universidade Federal da Bahia, Inaicyra
correu mundo em busca de seu objetivo. Na Nigéria estava
buscou uma linguagem de dança contemporânea que
refletisse o indivíduo, a história do indivíduo.
Sempre pautada na questão de sua ancestralidade, a artista
afirma que tornou-se uma articuladora de espaços. Não
só de espaços, mas de oportunidades para realizar
seu sonho. As experiências vivenciadas durante o mestrado
em artes teatrais em Ibadan, assim como as interpretações
e os cursos realizados no Studio Alvin Ailey em Nova York, no
Laban Centre for Movement and Dance, em Londres, e na Schola
Cantorum em Paris são contadas com empolgação
pela artista. O trabalho como intérprete em dança
rendeu-lhe várias turnês pela Europa, pelo Oriente
Médio e pela Inglaterra, como integrante de companhias
como o Grupo de Dança Contemporânea da Universidade
Federal da Bahia, Ballet Brasil Tropical; do Theatre Dnnah
Paris-França e a Companhia Intercultural Peter Badejo,
em Londres.
A
homepage de Inaicyra contém toda a trajetória
da artista, que inclui sua tese de doutorado, informações
sobre CD, seu trabalho como atriz e intérprete, pesquisadora
e professora de dança. Uma história de vida,
conclui o jovem fotógrafo, admirado. O endereço
da página é www.iar.unicamp.br/~inaicyra.
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