Um encontro promovido pela
Pastoral Universitária dia 5 de junho, no Instituto de Economia IE,
revelou a estreita relação entre o pensamento de dom Demétrius,
bispo de Jales, e o professor Plínio Soares de Arruda Sampaio Júnior,
do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, sobre a questão da fome. Os discursos
realizados pelas duas personalidades no foram semelhantes pelo ponto de vista
da trajetória de luta dos palestrantes, segundo Sampaio Júnior.
A reunião mostrou que Igreja e universidade podem caminhar juntas em projetos
idealizados para reduzir o índice de miséria no mundo. Para isso,
mais do que o empenho da Pastoral Universitária, presente em quase toda
sua totalidade no debate, a discussão requer o envolvimento de toda a comunidade. O
número de pessoas presentes nas palestras, que foram transferidas do grande
auditório do instituto para uma pequena sala de reuniões,
é emblemático para medir o compromisso das pessoas com a fome, segundo
colocação feita por Sampaio Júnior em sua abordagem. A maioria
do pequeno público (cerca de 25 pessoas) era formada por funcionários,
graduandos, pós-graduandos e professores, todos cristãos, que fazem
parte da imensurável comunidade do campus de Barão Geraldo. A palestra
aberta a qualquer interessado pretendia mostrar principalmente a alunos do curso
de economia o papel da universidade no combate à fome. Conforme informação
dada pelo professor Sampaio Júnior em entrevista anterior ao evento, a
palestra pretendia estimular nos alunos a reflexão sobre a forma como direcionar
toda a inteligência desenvolvida na Unicamp para fomentar o combate, auxiliando
pequenos produtores. Mas
nem mesmo a falta de quórum reduziu a importância do encontro. Dom
Demétrius explicou a importância do combate à fome, por meio
de uma análise sobre a Eucaristia. No seu ponto de vista, na Eucaristia,
Jesus reparte o pão e o vinho mais se identificando com uma postura de
vida. Jesus mostra o alimento como gesto de amor. A vida é para ser
dada. Para o bispo, a dinâmica de dar não pode se limitar a
ações externas. O presbítero acredita que é necessário
trazer de volta a utopia, a mística, que sempre leva à busca da
realização. Por meio da Eucaristia, Cristo ensina que tudo
tem de levar à marca da socialização. No caso da universidade,
dom Demétrius alerta para a necessidade de socializar o saber, as pesquisas,
as conquistas, até que não se empregue na dissocialização.
Na Eucaristia, segundo ele, Cristo mostra a maneira de passar de símbolo
para realidade, mostrando como se mata a fome. Sampaio
Júnior e dom Demétrius convergem ao dizer que o alimento não
é o problema da falta, pois há exuberância de produção.
Do que o mundo está envergonhado, escandalizado é que, no
meio de tantos alimentos, por que tem tanta fome?, revela dom Demétrius.
Para ele, a dívida externa é o melhor negócio para quem tem
dinheiro e a concentração de renda é que leva à miséria.
Um dos fatores que intensificaram o quadro de pobreza, segundo o bispo, foi a
financeirização da economia, quando o capitalismo passou de produtivo
para financeiro. Por conseqüência disso, o bispo enfatiza que detentetores
da economia estão enriquecendo cada vez mais. O problema, na concepção
dele, é saber até quando a Argentina vai agüentar; até
quando o Brasil vai agüentar. O processo, na sua opinião, vai
sugando as energias que deveriam ser deslocadas para produzir um sistema em que
todas as pessoas vivessem com dignidade. O sistema permite a manipulação
das tecnologias e o monopólio dos alimentos. A lei de patentes serve para
dominar a economia., alerta. Dom Demétrius defende que cabia aos
governos conduzir as pesquisas, mas atualmente elas estão nas mãos
das multinacionais. Para
Sampaio Júnior, a universidade funciona como a cabeça pensante da
sociedade nacional, o que lhe dá grande poder para conduzir o modo de ver
da sociedade. A universidade funciona como consciência ou falta de
consciência da sociedade. É nela que se cristaliza o conhecimento
técnico da sociedade, reforça. A universidade, na sua opinião,
tem sido um dos principais lugares de racionalização do status quo.
Em seu discurso, o professor falou sobre a hipocrisia da falsidade do mito do
desenvolvimento econômico. O desenvolvimento, segundo as explicações
do professor Teoria do Desenvolvimento Econômico, requer a injeção
do capital internacional, o qual acaba ditando as regras. A justificativa de que
é preciso crescer torna-se mais hipócrita após a revelação
feita por Sampaio Júnior de que o crescimento econômico brasileiro
teve uma taxa superior a 7% ao ano. Depois da japonesa, é a economia que
mais cresce no mundo e, no entanto, consegue ter ¼ da força de trabalho
desempregada. Para ele, esta é uma prova cabal de que não
basta crescer. O problema não é a falta de pão, mas
como distribuí-lo, critica. Na observação do professor,
a idolatria à técnica pode trazer soluções técnicas,
quando os problemas são de origem social e política. De
acordo com dados de pesquisa realizada em 1999 pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), apresentados durante o discurso de Sampaio Júnior, existem
54,4 milhões de pobres no Brasil. Desse número, 40% estão
concentrados no campo e 13 milhões são indigentes, o equivalente
a quase o total da população chilena. No governo FHC, o número
de brasileiros pobres aumentou 5,5 milhões. Uma parcela pequena da sociedade
brasileira, apenas 1%, concentra uma renda equivalente à renda total dos
50% dos pobres do País. Dos 166 milhões de brasileiros, 111 milhões
dispõem de renda mensal inferior a dois salários mínimos.
Outra revelação importante feita pelo professor Sampaio Júnior
foi a de que entre 1940 e 1999, a renda per capita aumentou 5 vezes, enquanto
o salário mínimo real foi dividido por 5. Só
mesmo quem tem contato com o povo tem noção da gravíssima
crise social que o rico Brasil atravessa. Sampaio coloca o desafio de se fazer
uma revolução democrática na sociedade, o que possibilitaria
resolver pendências com passado colonial. A revolução
é boa, quando é um meio de se evitar barbárie., reforça.
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