A
bailarina russa Natália Makarova tem o corpo ideal para a dança,
sob as considerações de coreógrafos, professores de
dança e até mesmo grande parte de bailarinos. As curvas e as coxas
grossas, características marcantes na mulher brasileira, são o tormento,
ou pelo menos foram, de artistas que pretendem exprimir seus sentimentos por meio
da dança. Atualmente, a ditadura do corpo atinge também profissionais
da moda e incomoda até mesmo cidadãos comuns que desejam manter
um padrão estético imposto pela mídia. A
dissertação de mestrado Essas bailarinas fantásticas
e seus corpos maravilhosos: existe um corpo ideal para a dança?,
a ser apresentada pela pós-graduanda Katia Cristina F. de Moura dia 21
de agosto, na Faculdade de Educação da Unicamp, revela dados curiosos
da história da dança como o rompimento do rei Luís XIV com
a dança, aos 32 anos, porque estava gordo. Versa a história,
resumida pela pesquisadora, que o rei gostava muito das artes, entre elas a dança.
O episódio, segundo ela, mostra que a dicotomia corpo-alma vigora durante
muito tempo na história da humanidade. Mais
do que um estudo fundamentado na história, na realidade, na prática
vivenciada pela pesquisadora e em entrevistas realizadas com quatro importantes
profissionais de dança, o trabalho propõe uma reflexão por
parte de professores que ensinam diferentes estilos de dança a clássica,
a moderna, a do ventre e o flamenco sobre o discurso a respeito do corpo.
O projeto propõe uma investigação acerca das idéias
e dos ideais de corpo propostos por professores e a relação desses
profissionais com o próprio corpo. A
pesquisadora observa que, infelizmente, o que se verifica no mundo da dança
é mais que uma preocupação estética com a forma do
corpo. Há o julgamento sobre o desempenho e mesmo o caráter.
Ela mesma passou por uma crise de anorexia e bulimia por tentar atingir as formas
ditas ideais para uma bailarina. Por ser sempre a única mulata nas companhias
de que participou, Kátia observou que os papéis principais sempre
foram solicitados a quem tivesse dentro do padrão imposto. Quando
a pessoa diz que faz balé clássico e se apresenta com um corpo cheio
de curvas, ou as pessoas duvidam, ou pensam que não dança bem.,
afirma. Muitos julgam preguiçosos e sem força de vontade os
que não se encaixam no modelo do bailarino dependendo de como este lida
com sua aparência, declara. Para
constituir seus estudos, Kátia vale-se também da observação
de grandes pesquisadores, como a norte-americana Naomi Wolfi que relaciona a ideologia
da beleza feminina à última tentativa de controle das mulheres por
parte do mundo machista. Para Naomi, o mito da beleza é usado contra as
mulheres, e ela observa que como grande parte não poderia, mesmo
se quisesse, atingir o padrão divulgado pela mídia, essa busca
tornou-se fonte de frustração e neurose para muitas. Dudude
Herrmann, Lu Garcia, Cinthia Nepô e Ana Carla B. Dnago, entrevistadas pela
pesquisadora, declararam que existe um corpo ideal dependendo dos objetivos do
aluno ou do profissional. Ana Carla respondeu que o importante é a expressividade.
Mas Kátia pondera que analisou o discurso das profissionais, apesar de
ter acompanhado os trabalhos na prática. Assim
como Kátia Moura, muitos profissionais da área de dança,
como Ivaldo Bertazzo, montam coreografias sem preocupar-se com o protótipo
do bailarino perfeito. Alguns aboliram até mesmo o limite de idade para
dançar. Se você tem mais de 40 e não é uma Alícia
Alonso nem Margot Fonteyn, não pode ser bailarina, enfatiza. Na
opinião de Kátia, todos os corpos podem dançar. Mas esta
cultura mudaria somente com discernimento interior, educação de
liberdade. A pessoa tem de saber que não vai ser jovem, atlético
e magro eternamente, analisa. Para ela, é preciso aceitar que há
transformações no corpo, pela própria natureza e até
mesmo pela herança genética. É preciso observar isso
com crítica, adverte. Uma
das questões mais bem observadas pela mestranda é com relação
às imposições feitas a crianças alunas de dança.
Quanto menor a faixa etária, maior a responsabilidade. Corpo e psique
interagem e influem no desenvolvimento um do outro. E a imagem corporal que temos
pode ser modificada de acordo com vários fatores de experiências
corporais vivenciadas na infância a estados de ânimo diferentes,
pontua.
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