Aluno do IG é premiado por método de detecção de jazidas de chumbo e zinco
A geologia, do martelo ao satélite
LUIZ SUGIMOTO
O geólogo apanha seu chapéu à Indiana Jones, mochila, bússola, martelo e parte para uma região rochosa e sem viva alma, onde começa a quebrar e estudar rochas buscando indícios de jazidas preciosas. No imaginário dos leigos, as atividades de mineração ainda estão associadas a aventuras, riquezas fáceis e garimpagem, enquanto as ocupações de laboratório entreteriam alquimistas. "Muita geologia ainda é necessariamente feita assim, no campo e com martelo", admite o professor Carlos Roberto de Souza Filho, do Departamento de Geologia e Recursos Naturais, do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp.
O trabalho de campo é fundamental, mas constitui parte demorada e onerosa da pesquisa geológica. Depois de passar mais de um ano em frente ao computador e sem sair a campo, Lucas de Melo Melgaço, recém-formado em geografia no IG, desenvolveu um novo método de detecção de jazidas minerais metálicas, que pode reduzir o tempo despendido no campo e tornar o processo mais eficiente. Sua pesquisa de iniciação científica financiada pelo CNPq, sob orientação de Souza Filho, ficou entre os cinco trabalhos premiados na categoria pelo comitê do XI Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto (SBSR).
"Nossa idéia era justamente, com pouca experiência de campo, criar um modelo para detecção específica de jazidas de chumbo e zinco", explica o professor Souza Filho. Ao invés de pitadas de alquimista, Lucas Melgaço teve um trabalho e tanto, levando os primeiros seis meses para inserir imagens de satélite e digitalizar informações de mapas topográficos e aeromagnetométricos no Sistema de Informações Geográficas (SIG) - um ambiente computacional capaz de gerenciar dados geo-referenciados.
A integração no SIG dos dados de sensoriamento remoto, topográficos e magnetométricos ofereceu como resultado mais que belas imagens em três dimensões: nas paisagens topográficas são apontadas, com grande precisão posicional, áreas entre os municípios de Itacambira e Monte Azul (norte e nordeste de Minas Gerais), onde podem existir jazidas de chumbo e zinco. Essa região é atualmente foco de pesquisas da Companhia Vale do Rio Doce e, segundo Souza Filho, trabalhos de campo realizados por geólogos da empresa comprovaram a existência de ocorrências metálicas, algumas em pontos coincidentes com os indicados no trabalho de Lucas.
O desafio - O novo método ganha importância diante do desafio que significa detectar jazidas metálicas (ouro, chumbo, zinco, ferro etc.) sob ambientes de clima tropical como o brasileiro. Um dos pontos críticos nas primeiras fases de prospecção mineral, onde o sensoriamento remoto é muito utilizado, é a separação entre superfícies ricas em ferro e superfícies ferruginosas genéricas - sendo que estas nem sempre implicam jazidas. "O uso de imagens de satélite permitiu separar superfícies ricas em ferro das demais, mas não foi possível diferenciá-las categoricamente entre si, tornando ambígua a determinação daquelas que podem estar associadas a depósitos", observa Lucas Melgaço.
Carlos Roberto Souza Filho explica que uma jazida formada há cerca de 2 bilhões de anos (como as estudadas em Minas Gerais), pode ser composta por vários minerais, entre os quais: sulfetos de ferro (pirita), sulfeto de chumbo (galena), sulfeto de zinco (esfalerita) e um óxido importante, a magnetita, que é um mineral magnético. Passados muitos milhões de anos sob ação do clima na Terra (sol, chuvas, ventos, variações na temperatura etc.), a superfície próxima à jazida ganha solo e rochas oxidados e desagregados. Deste processo surgem alguns produtos básicos, como argilas, óxidos e hidróxidos de ferro (goetita, hematita, limonita) que, em função da concentração de metais nas rochas originais, podem formar uma carapaça extremamente rica em ferro, denominada de "gossans" pelos geólogos.
"Conforme a paisagem vai se formando, a tendência é que a jazida se sustente no terreno, "protegida" pela carapaça, enquanto outros materiais ao redor se decompõem mais rapidamente ao longo dos anos. Surgem então altos topográficos mais agudos e irregulares na paisagem, abaixo dos quais é possível existir uma jazida metálica", afirma Souza Filho, desenhando no papel o que lembra uma montanha na superfície, com seu espigão, e a camada mineralizada subjacente em profundidade.
O método - Após cuidadoso estudo de todas as variáveis geológicas relacionadas a jazidas de chumbo e zinco, professor e aluno conceberam uma estratégia para detecção indireta de áreas com prováveis ocorrências desses metais, sem uso de perfurações ou martelo. Inicialmente, procurou-se detectar as superfícies ricas em ferro da região em Minas com o uso de imagens do sensor ETM+ a bordo do satélite Landsat-7. Como segundo passo, os dados topográficos, convertidos para o formato digital, foram incorporados na análise, a fim de relacionar setores no terreno onde altos topográficos mais agudos na paisagem apresentavam-se sustentados por superfícies bastante ferruginosas - evidência adicional da presença de jazidas.
A partir da identificação desses setores, um outro tipo de dado - o magnetométrico - foi utilizado complementarmente, para diminuir a ambigüidade da análise: são informações sobre distorções locais nos elementos do campo magnético da Terra. Tais distorções são produzidas por minerais magnéticos, também comuns em jazidas metálicas, como a magnetita. "Integradas todas essas informações num SIG, as áreas que apresentam, simultaneamente, um alto índice de ferro, um alto topográfico e uma "anomalia" magnética, oferecem grande probabilidade de conter jazidas abaixo da superfície exposta e tornam-se mais interessantes para uma investigação detalhada", conclui Souza Filho.
A nova metodologia, além de contribuir para a descoberta de novas jazidas de chumbo e zinco no Brasil, pode ser adaptada para a prospecção de outros depósitos minerais, desde que as variáveis geológicas relacionadas a tais depósitos sejam bem conhecidas. O professor do IG considera que um grande diferencial em sua área de pesquisa, nos últimos anos, tem sido a utilização das geotecnologias como método de detecção e monitoramento à distância de recursos naturais, facilitando o trabalho de campo. Mas ressalva: "Apesar da altíssima tecnologia, o que conseguimos é restringir as possibilidades dentro de uma hipótese de trabalho. A comprovação, entretanto, se inicia com a investigação de campo, na base do martelo geológico".