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Tese detalha relação entre
recursos hídricos e dinâmica demográfica
Estudo mostra que redistribuição de investimentos e educação ambiental atenuariam perdas
TATIANA FÁVARO
Especial para o Jornal da Unicamp
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Córrego na região metropolitana de Campinas: tese mostra que existem vários elementos importantes na relação entre demografia e meio ambiente |
O pesquisador Roberto Luiz do Carmo, vice-coordenador do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp, é o tipo de pessoa que, se não tem nada para fazer num domingo de manhã, vai para a frente do computador e esboça um projeto. Aos 36 anos, graduado em Ciências Sociais, mestre em Sociologia e doutor em Demografia, Carmo aproveita esse perfil para levar, cada vez mais, o conhecimento acadêmico às pessoas diretamente envolvidas com seus objetos de estudo. A relação entre os recursos hídricos e a sociedade é prioridade na maioria de seus trabalhos. "As doenças, a distribuição e tantos outros aspectos mostram que há uma relação muito grande entre a dinâmica social e os recursos hídricos. Isso sempre me chamou a atenção", comenta. Em sua tese de mestrado "População, Meio Ambiente e Desenvolvimento em Campinas", defendida em 1995, o pesquisador cruzou informações sobre a expansão na região, de 1970 a 1991, e o impacto sociambiental que isso tinha provocado. Em tese de doutorado defendida recentemente, lançou uma discussão sobre limites ambientais. "Quando trabalhamos com a relação população X meio ambiente, nos deparamos muito com uma perspectiva Malthusiana (Thomas Malthus, 1766-1834, economista inglês), de que o uso de recursos está sendo bastante grande porque a população está crescendo demais. Meu objetivo, nesta tese, foi contestar essa hipótese e mostrar que existe uma série de outros elementos importantes na relação entre dinâmica demográfica e meio ambiente", lembra Carmo.
População - O pesquisador centrou esforços e investigações na área de recursos hídricos. Eles são mesmo restritos, ou a população é que está distribuída de forma equivocada? A partir dessa questão, o demógrafo estudou três situações, buscando delinear esses limites ambientais. "Trabalhamos com três regiões dentro do Estado de São Paulo, onde existe uma considerável disponibilidade de água. Ou seja, não pensei numa região semi-árida, onde as restrições ambientais são mais evidentes", explica.
A primeira situação estudada, na qual os recursos hídricos estão no limite, foi o Alto Tietê. A segunda, na qual chega-se perto desse limite, foi a região da bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. E a terceira região, considerada uma área mais de possibilidades do que de estrangulamento, foi o Pontal do Paranapanema. "Quando falo em limite não é para passar a idéia de que chegamos nele e está tudo acabado", ressalta. "Ele pode significar um ponto a partir do qual ocorre uma mudança. Boa ou ruim."
Resultados - Entre as conclusões, Carmo destacou a necessidade de redistribuição dos investimentos. "É preciso um planejamento estadual que leve em consideração essa distribuição populacional. O professor José Alberto Magno de Carvalho (da UFMG) prevê que a população brasileira estará estabilizada em 250 milhões de habitantes em 2050. É importante pensarmos nisso", alerta. O pesquisador do Nepo lembra que, na década de 70, o Estado trabalhou políticas importantes de desconcentração dos investimentos, principalmente industriais, para buscar um desenvolvimento mais homogêneo das regiões. "O problema é que, como os economistas costumam dizer, foi uma "desconcentração concentrada", pois esses recursos deixaram de ficar na Região Metropolitana de São Paulo, mas foram para locais muito próximos como Campinas e São José dos Campos", analisa. Além de mudar a forma de distribuição de investimentos e de população, o pesquisador diz ser necessário investir em tratamento de esgoto. "Depois de muita luta, hoje a maioria das regiões tem coleta de esgoto, mas não há nada significativo na área de tratamento. O esgoto é coletado e jogado nos cursos d'água", salienta.
Perdas - A tese de Carmo mostra, ainda, que a educação ambiental é fundamental para evitar o desperdício e o uso excessivo dos recursos. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a média de consumo de água por pessoa deve ser de 150 litros/dia. No Brasil, diz o pesquisador, ele chega a 300 litros/dia. As perdas no sistema de adução tornam a situação ainda mais preocupante, avalia o pesquisador. "Há uma perda de 30% a 40% de água entre o que é captado nos mananciais e o que chega à população. Em alguns municípios estudados, essa perda chegou a 60%", pontua. "Se a gente diminui essas perdas, consegue água para atender o crescimento populacional previsto." No âmbito público, algumas alternativas vêm sendo estudadas para atenuar o problema. A cobrança pelo uso bruto da água, por exemplo, está em discussão na Assembléia Legislativa de São Paulo, há cinco anos. "Outro ponto que tem enfrentado resistência é a possibilidade de os recursos arrecadados por determinada região serem investidos nela mesma. A proposta mais recente do governo estadual é de que o Estado fique com 50% do arrecadado e os outros 50% fiquem para a região", comenta Carmo.
O pesquisador considera "fantástico" o arcabouço legal brasileiro na área de gestão ambiental. Mas ressalta que a grande dificuldade é colocá-lo em prática. "Existe uma certa consciência pública desse problema. A grande questão é de onde tirar recursos para fazer o investimento."
Na prática - Atualmente, o pesquisador é coordenador da Plenária de Entidades do Consórcio das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, que congrega prefeituras, empresas e sociedade civil organizada para debater e buscar soluções para os problemas ligados aos recursos hídricos da região. "A nova coordenação da plenária assumiu este ano com a meta de, até dezembro, fazer um plano de ação coordenada das cerca de 30 entidades participantes", diz. "Juntos, esses organismos terão mais voz e visibilidade."
A plenária já fez duas reuniões - uma em Jundiaí (Alta Bacia), outra em Americana (Média Bacia) - para conhecer as entidades que atuam em cada região, saber que tipo de trabalho elas realizam e quais as dificuldades que enfrentam. O próximo encontro será em Piracicaba (Baixa Bacia). "A gente percebe, nas reuniões, que o primeiro problema a ser enfrentado é a sobrevivência das entidades, na busca constante por recursos financeiros", afirma. "Outra dificuldade é o esforço que elas fazem para terem ações, muitas vezes voluntárias, reconhecidas pela sociedade e capazes de mobilizar pessoas."
O papel de Carmo na plenária tem sido "traduzir" a linguagem técnica para a popular. "A Universidade têm uma capacidade incrível de colocar grupos diferentes para conversar. É uma articuladora", comenta. "E a idéia é abrir esse espaço para um número cada vez maior de entidades que atuam aqui na bacia discutirem o problema da água.". As organizações interessadas em participar da plenária podem entrar em contato com a Secretaria Executiva do Consórcio, pelos telefones (19) 3461-7758 / (19) 3407-5772.
Projetos - Um dos trabalhos mais recentes de Carmo segue a mesma linha de suas teses de mestrado e doutorado, avaliando as conseqüências ambientais da concentração populacional exacerbada. O pesquisador desceu a serra e foi estudar os impactos ambientais dos processos de expansão urbana nas regiões litorâneas do sul de São Paulo. Submeteu um texto com resultados desse trabalho à avaliação de organizadores de um congresso que será realizado em Recife, até o fim deste ano. "Minha equipe estudou a Baixada Santista e os municípios litorâneos que fazem parte do Vale do Ribeira", diz. A idéia central é mostrar o processo que caracteriza o crescimento das cidades no Brasil: os investimentos em infra-estrutura não acompanham o ritmo de desenvolvimento desses municípios. "Há, em algumas cidades, cobertura muito pequena de esgoto, de serviço de água e de coleta de lixo. À medida que você não tem disposição adequada do lixo, ele acaba sendo carregado para a água e, no caso das regiões litorâneas, vai direto para o mar. Isso tem impacto sério em termos de balneabilidade."
Unicamp sediará seminário
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Dentro do grupo de trabalho sobre População e Meio Ambiente, da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep), Carmo participou da produção do livro "População e Desenvolvimento no Brasil - Rio +10", lançado no ano passado e preparado especialmente para o encontro em Joanesburgo. "Esse trabalho reuniu especialistas em população e meio ambiente de todo o Brasil. Discutimos desde consumo até população indígena, um trabalho conjunto do Nepo, Comissão Nacional de População e Desenvolvimento e Abep." Carmo também preparou para este ano o seminário "Água: questões sociais, político-institucionais e territoriais". O encontro, marcado para os dias 9,10 e 11 de dezembro, deverá reunir profissionais envolvidos com a gestão dos recursos hídricos, professores e alunos dos cursos de pós-graduação nas áreas ligadas ao meio ambiente.
Segundo Carmo, no primeiro dia de evento será realizada uma mesa redonda com apresentação da atual situação dos recursos hídricos no Brasil, com foco nos impactos, desafios, usos múltiplos e distribuição. "Discutiremos sobre água, sociedade e espaço, abordando os instrumentos político-institucionais de gestão", adianta o pesquisador, que também é membro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade (Anppas), uma das entidades promotoras do encontro.
No segundo dia, haverá chamada de trabalhos para a formação de um painel sobre as experiências locais, percepções, valores, conflitos e perspectivas na relação da sociedade com a água. E durante o dia 11, todos os pesquisadores e professores da Universidade que trabalhem essa questão poderão apresentar seus trabalhos no seminário "A Unicamp e a água". "Quando circulamos dentro do campus, vemos que muita gente desenvolve projetos sobre a questão dos recursos hídricos, mas não conseguimos ter a dimensão disso. Esse dia, dedicado aos trabalhos da Unicamp, será para mostrar o que tem sido feito aqui dentro", diz Carmo. O evento será aberto à comunidade, avisa o pesquisador.
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