Dos anos dourados
do capitalismo ao desemprego
MANUEL ALVES FILHO
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A cientista social Adriana Sousa de Almeida: "Insegurança generalizada contribuiu para a piora das condições de trabalho" |
A Dissertação de mestrado defendida pela cientista social Adriana Sousa de Almeida junto ao Instituto de Economia (IE) da Unicamp identificou os fatores que contribuíram para o desemprego e a precarização das condições de trabalho em países desenvolvidos. Para produzir o estudo, a pesquisadora considerou o momento atual em contraposição ao período classificado como "Anos Dourados do Capitalismo", no pós-guerra, em que havia uma situação de "quase" pleno emprego em algumas dessas nações e durante o qual ocorreram importantes conquistas trabalhistas, como a jornada de 8 horas, final de semana remunerado, férias e 13º salário.
De acordo com Adriana, a transformação do mercado de trabalho nos Estados Unidos e em países europeus ocorreu mais fortemente a partir da última década de 80. O processo, que culminou com a ampliação dos índices de desemprego, achatamento de salários, surgimento de atividades atípicas e flexibilização de diretos, é o resultado de um conjunto de acontecimentos, segundo a pesquisadora. Entre eles estão o decréscimo das economias, o incremento tecnológico, as mudanças organizacionais, o processo de terceirização nas grandes empresas, o predomínio da reprodução do capital na esfera financeira em detrimento da produção, a abertura dos mercados e o avanço da ideologia neoliberal.
Os "Anos Dourados do Capitalismo" surgiram logo após a grande depressão e as duas Guerras Mundiais. Diante de um cenário de destruição material geral, de desemprego, de miséria e do avanço do socialismo, as nações se mobilizaram e procederam a uma intervenção nos segmentos político, econômico e social, de modo a garantir a subsistência do sistema capitalista. No plano internacional, houve o acordo de Bretton Woods, em 1944, destinado a planejar a estabilização da economia internacional e das moedas nacionais.
Foi estabelecido, então, um novo sistema monetário internacional, que adotou o padrão dólar em substituição ao dólar-ouro. O pano de fundo era a reconstrução do Japão e dos países europeus, medida que interessava diretamente aos Estados Unidos, ávidos por ampliar o mercado internacional para seus produtos. O esforço norte-americano incluiu, inclusive, a elaboração do Plano Marshall, que injetou US$ 13 bilhões no programa de recuperação européia.
Na esfera nacional, os governos assumiram compromissos para a gerar empregos e fortalecer a economia doméstica. Os estados nacionais, afirma Adriana, foram os grandes responsáveis pela situação de "quase" pleno emprego. Eles agiram indiretamente ao estimular a capacidade produtiva privada, por meio de obras públicas em infra-estrutura, e ao intermediar negociações coletivas de trabalho para a elevação dos salários. Também adotaram políticas de transferência de renda para famílias carentes, inativos e desempregados.
Como empregadores diretos, geraram postos de trabalho por intermédio da nacionalização de empresas, bem como através da universalização de serviços públicos, principalmente nas áreas de educação e saúde. Algumas dessas nações chegaram a responder por até 20% da força total de trabalho. A autora da dissertação assinala, igualmente, a importante participação nesse processo dos partidos de esquerda, que contribuíram para remodelar o capital. Atuação destacada também tiveram os sindicatos, que colaboraram para a diminuição da submissão dos trabalhadores à lógica capitalista.
Crise - O modelo adotado pelos países avançados não sobreviveu, porém, por longo tempo. Já na década de 60, ele começou a dar os primeiros sinais de saturação. No cenário de liquidez internacional, tanto o Japão quanto os países europeus cresceram e se tornaram fortes concorrentes dos EUA. Isso levou ao esgotamento do padrão de produtividade e do próprio comércio mundial. Ao mesmo tempo, o governo norte-americano computava um déficit cada vez maior. Essa situação foi agravada na década seguinte, em virtude de uma sucessão de acontecimentos.
Em 1973, por exemplo, houve o primeiro choque do petróleo. Os EUA e a Europa adotaram, na ocasião, medidas para reduzir o consumo do óleo, o que alimentou ainda mais a desaceleração econômica e achatou a produtividade. Num quaro de tamanha instabilidade, as empresas passaram a investir em novas tecnologias e a ajustar os níveis de emprego e as relações de trabalho. Promoveram terceirizações e subcontratações e flexibilizaram a produção e os direitos trabalhistas. Em meados da década de 70, a estratégia das empresas foi mais na direção de aquisições e fusões do que no aumento da capacidade produtiva.
No final do período, veio a elevação das taxas de juros pelos EUA. A iniciativa abriu espaço para que o capital financeiro tivesse maior liberdade, em detrimento do capital produtivo. A partir da década de 80, os investimentos tecnológicos passam a ser acompanhados de intensas mudanças organizacionais. Surge, então, a heterogeneidade do mercado de trabalho. Crescem as taxas de desemprego e ampliam-se os índices do chamado desemprego de longa duração (mais de um ano). Ainda como conseqüência dessas transformações, acontece a flexibilização do contrato e do tempo de trabalho, assim como da remuneração.
A figura do trabalho por tempo determinado ou parcial passa a fazer parte do cotidiano dos cidadãos. "Isso tudo criou uma insegurança generalizada, que contribuiu para a piora das condições de trabalho e para a redução da taxa de sindicalização. Este último fator enfraqueceu o poder de negociação das entidades de classe", diz Adriana. Embora o foco da dissertação não tenha sido o Brasil, a pesquisadora reconhece que vários aspectos registrados na Europa e Estados unidos também foram reproduzidos por aqui. Dois exemplos claros são a Lei 9.601, que instituiu o contrato por tempo determinado, e a Medida Provisória 2.168, que criou o contrato parcial de trabalho.