Sexo, as perguntas de uma descoberta
Pesquisadores da Unicamp identificam mutação no gene que deflagra o processo de diferenciação sexual
PAULO SAN MARTIN
Especial para o Jornal da Unicamp
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A professora Maricilda Palandi de Mello, coordenadora do laboratório de Genética Humana do CBMEG: novo horizonte de pesquisas |
A descoberta de uma mutação altamente específica no gene SRY, aquele que dispara o processo de diferenciação sexual nos embriões humanos, abriu um universo inesperado de pesquisas e até o momento provoca mais perguntas do que respostas entre pesquisadores da área de genética do Grupo Interdisciplinar de Estudos da Determinação e Diferenciação do Sexo (Giedds) da Unicamp. A mutação no gene SRY, descoberta no ano passado por geneticistas ligados ao Giedds e relatada pela primeira vez na edição de dezembro da revista alemã Journal of Molecular Medicine, provoca defeitos na diferenciação sexual humana. Ela foi localizada no SRY de três pacientes do Giedds vítimas de uma rara anomalia sexual, a chamada "disgenesia gonadal", também conhecida como "sexo reverso". Esta anomalia é encontrada em pessoas que têm um fenótipo feminino perfeito ou apresentam ambigüidade genital, mas que guardam em seus cromossomos uma bagagem genética exclusivamente masculina.
"Na espécie humana, o que diferencia o homem da mulher é a existência do chamado cromossomo Y. Tanto o homem como a mulher têm 46 cromossomos em sua bagagem genética. Nas mulheres, toda a bagagem genética é constituída pelos chamados cromossomos X. O Y só aparece nos homens e é o responsável pelo surgimento das características sexuais masculinas", explica a professora Maricilda Palandi de Mello, coordenadora do laboratório de Genética Humana do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp e ligada ao Giedds, uma das responsáveis pela pesquisa que levou à descoberta da mutação.
Nos casos de disgenesia gonadal completa, a pessoa apresenta todas as características exteriores de uma mulher, mas sua bagagem genética leva o cromossomo Y, como a dos homens. "Esta anomalia só é descoberta na puberdade, uma vez que a mulher não tem óvulos. Assim, as características sexuais secundárias que surgem na adolescência simplesmente não se manifestam", lembra Maricilda.Estes casos são raros. Entre os 800 pacientes com algum tipo de anomalia de diferenciação sexual em tratamento no Giedds, apenas quatro apresentam disgenesia gonadal completa. Foi a partir do estudo de um destes casos, acompanhado há mais de três anos pelo grupo, que os pesquisadores descobriram a mutação no gene SRY.
O SRY mutante - "O motivo que leva o indivíduo a possuir o cromossomo Y em sua bagagem genética, mas sem que ele se manifeste, é uma das questões intrigantes da genética humana e alvo de pesquisa em vários laboratórios do mundo", afirma Maricilda. A descoberta das causas da anomalia, segundo ela, deverá trazer luzes importantes para a compreensão dos mecanismos genéticos responsáveis pela diferenciação sexual. "Buscávamos isso quando iniciamos a nossa pesquisa", conta ela.
O SRY foi o ponto de partida das investigações dos pesquisadores por causa das características já descobertas sobre o seu funcionamento. O SRY foi identificado há pouco mais de dez anos e, desde então, tem sido exaustivamente estudado.
"O SRY é um pedaço do cromossomo Y e tem pelo menos uma função já bastante conhecida: a de disparar o mecanismo de ativação da diferenciação masculina no embrião", diz a pesquisadora. Até sete semanas após a fertilização, o embrião humano não tem definição de sexo. Exatamente na sétima semana, o gene SRY começa a se expressar. Ele produz uma proteína que entra em funcionamento e, então, começa a criar as características do fenótipo masculino.
"O que nós descobrimos, quando começamos a investigar o SRY de uma de nossas pacientes com disgenesia gonadal completa, é que num sítio muito específico deste gene havia uma mutação", revela Maricilda. A mutação foi descoberta a partir do seqüenciamento do DNA do gene da paciente e de sua posterior comparação com o seqüenciamento genético de SRY normal. "O que descobrimos foi a existência de uma pequena troca de base no SRY da nossa paciente", diz ela.
A partir desta descoberta, a equipe realizou testes in vitro com o SRY da paciente e, em todos eles, o gene alterado inibiu totalmente a sua expressão do cromossomo Y. "Nós analisamos ainda duas funções bem específicas daquele sítio do gene onde ocorrera a mutação", lembra Maricilda. Estas investigações levaram à descoberta de que a mutação inibia uma função bioquímica fundamental no processo de funcionamento genético, a chamada fosforilação.
Alguns genes produzem proteínas reguladoras e estas proteínas, que são produzidas no citoplasma da célula, devem entrar no interior do núcleo para se ligar aos cromossomos. Mas isso só é possível se passarem pelo processo bioquímico da fosforilação. Os pesquisadores descobriram que as proteínas produzidas por estes genes mutantes não se fosforilavam e perdiam sua capacidade de se ligar ao DNA.
"Todos os testes que fizemos in vitro mostraram que aquele pequeno pedaço do SRY que sofrera a mutação realmente produzia a proteína, mas tratava-se de uma proteína incapaz de fosforilar e, portanto, incapaz de entrar no interior do núcleo e cumprir o seu papel de ligação com o DNA do cromossomo", conta ela.
Em outras palavras, estavam dadas ali as pistas para se compreender o mecanismo disparado pela mutação e, com isso, a descoberta do grupo abriu um novo horizonte de pesquisas para se compreender melhor o funcionamento do SRY. Mas foi exatamente quando avançou nestas pesquisas que o grupo descobriu que havia aberto também- "E numa proporção muito maior", como diz Maricilda- um universo de dúvidas.