Invasão bem-humorada
Mostra traz o melhor do cartum e da caricatura para a Unicamp
LUIZ SUGIMOTO
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Ziraldo e as passistas da Nenê da Vila Matilde, na abertura da I Mostra Internacional de Humor Gráfico da Unicamp: produção premiada |
O cartunista Ziraldo e a bateria da escola de samba Nenê de Vila Matilde abriram passagem para a invasão do bom humor na Unicamp. A I Mostra Internacional de Humor Gráfico, que foi aberta em 22 de julho e vai até 15 de agosto, trouxe para o Espaço Cultural Casa do Lago o melhor da produção de cartunistas e caricaturistas brasileiros e estrangeiros. Depois das palestras e mesas-redondas da primeira semana, a Mostra mantém a retrospectiva "29 anos do Salão Internacional de Piracicaba" e "Unamos las Universidades com una Sonrisa", exposição itinerante entre Brasil e Argentina montada para percorrer universidades latino-americanas.
O Salão de Piracicaba nasceu em fevereiro de 1974, com o apoio fundamental do pessoal do Pasquim - Zélio, Millôr Fernandes, Ziraldo, Fortuna, Jaguar, Ciça, Alcy -, tornando-se referência mundial no desenho de humor. Nesta retrospectiva estão 85 trabalhos premiados, dentre eles os de artistas então iniciantes e hoje consagrados como Angeli, Laerte, Glauco, Chico Caruso, Santiago e Nani. Ao mesmo tempo, talentos da nova geração como Dalcio Machado, Flávio Augusto Rossi, Wilson Lazaretti, Paulo Branco, André de Pádua, Magno Brasil e Paulo Henrique Félix apresentam seus trabalhos e oferecem oficinas de caricatura e animação gráfica.
Ao lado dos brasileiros estarão os argentinos Bianfa e Rep, idealizadores deste evento na Unicamp. Estão expostas, ainda, as caricaturas premiadas no Salão Universitário de Humor da Unimep. Gualberto Costa e Jal, criadores do prêmio HQ Mix, contam em painéis os 14 anos de história daquele que é considerado o Oscar dos quadrinhos e das artes gráficas no Brasil. A I Mostra Internacional de Humor Gráfico na Unicamp fica aberta das 12h às 20h.
Chargista, caricaturista, pintor, cartazista, jornalista, teatrólogo, escritor e hiperativo aos 71 anos de idade, o consagrado Ziraldo Alves Pinto poderia descansar das preocupações do mundo adulto e se retirar para o mundo de Flicts e do Menino Maluquinho. Mas, anteriormente com a revista Bundas e agora com O Pasquim 21, ele insiste em fazer gente grande cair na realidade. Nesta entrevista ao Jornal da Unicamp, Ziraldo, ao invés de falar de si mesmo, é convidado a avaliar os talentos do cartum e da caricatura que estão surgindo.
Jornal da Unicamp - Qual é sua avaliação do humor gráfico feito hoje?
Ziraldo - Há um mistério na evolução do cartum. Aquilo que chamávamos genericamente de "desenho de humor" morreu na imprensa do mundo todo, pelo menos em comparação ao nível de intensidade de 30 anos atrás. Naquela época, quando eu ia à Europa e Estados Unidos, voltava carregado de álbuns de humor, assinados por cartunistas famosos que eram o orgulho dos jornais desses países. O cartum tinha importância reconhecida. Na imprensa americana, somente Life e Time não tinham cartunistas. The New Yorker, que reuniu tantos ícones, não possui um décimo do prestígio de antes - Saul Steinberg morreu. Não existem mais álbuns de humor.
JU - E os brasileiros neste cenário?
Ziraldo - Dois países fora da Europa e Estados Unidos desenvolveram um cartum de qualidade internacional: Brasil e Argentina. Os argentinos conseguiram projetar nomes como os de Quino e Mordillo mundialmente. Já os brasileiros não marcaram tanta presença porque não têm poder econômico, não falam o castelhano e não possuem um aliado forte na Europa como a Espanha - para os europeus, Portugal era um país africano até bem pouco tempo.
JU - E quanto ao humor brasileiro ser diferente, incompreensível para o estrangeiro?
Ziraldo - Não concordo, nossos cartunistas sempre sofreram influência européia. E formaram times de primeira desde as revistas de humor do século 19. No abolicionismo, a charge política teve um papel fundamental. Veio o pessoal da Belle Époque, com J. Carlos e Raul Pederneiras, o da luta contra o nazismo, com Belmonte, Nássara, Augusto Rodrigues, e do Cruzeiro, com Millôr, Carlos Estevão, Péricles, Alceu Pena, seguidos pelos meninos do Millôr, com Ziraldo, Jaguar, Fortuna. A charge política deu uma desaparecida quando veio a ditadura, mas se reergueu com grande força no Pasquim.
JU - O cartum brasileiro sobreviveu diante dos outros.
Ziraldo - Sempre houve na alma do brasileiro esse talento para a crítica, para rir de si próprio. É um talento presente nas manifestações culturais, na velha imprensa. Os índios riem o tempo todo, convivi com eles e achei muito engraçado como vivem gozando uns aos outros. O velho Pasquim acabou, mas continuamos fazendo desenho de humor de alta qualidade, com essa rapaziada do Dalcio, Jean, Rossi, Rico, Ronaldo e Reinaldo, Gilmar... O que permitiu isso foram os salões de humor, que são uma invenção do Brasil. Chamo a região de Piracicaba de "vale do cartum e da caricatura" porque seu salão gerou artistas maravilhosos. É como no Ceará, que tem 500 mil humoristas por causa do Chico Anísio.
JU - O apoio do pessoal do antigo Pasquim foi importante para a consolidação do Salão de Piracicaba.
Ziraldo - É, pode ser. Mas veja que hoje O Pasquim 21 é um lutador solitário. A Argentina perdeu o humor, creio que Rep é o último grande cartunista que apareceu por lá. No Brasil surgiram pelo menos 15 que, fosse há três décadas, estariam desenhando em qualquer revista do mundo. Dalcio e Jean são dois fenômenos e, aí sim, reivindico o mérito de Bundas e do Pasquim 21, que se preocuparam em botar essa rapaziada dos salões para criar.
JU - Há uma grave crise no jornalismo, com muito desemprego. As animações de Chico Caruso no Jornal Nacional não indicariam a chance de trabalho em outras mídias que não a impressa?
Ziraldo - O mercado está ruço. Chico Caruso é um caso peculiar, pois ele tem sua biografia e prestígio junto à Globo. Mas a televisão não é um mercado para nós, nem as outras mídias. O site do Mariano divulga milhares de cartunistas, mas há uma distância muito grande entre um garoto talentoso se destacar e viver do que faz. Para sobreviver, ele vai ter de fazer muitas coisas ao mesmo tempo, como livros e ilustrações por encomenda.
JU - O que acha da proposta de tornar essa mostra da Unicamp itinerante, levando-a para outras universidades latino-americanas?
Ziraldo - Toda iniciativa que promova uma reflexão sobre a capacidade de criação do homem é uma forma de luta contra a desumanização da sociedade. O homem inventou tanta coisa para substituir atividades do dia-a-dia que, se parar também de pensar, vira um autômato. Quando falo do mercado para cartunistas, não falo como um pessimista, apenas não sei o que vai acontecer. Estou certo de que humanidade não vai suicidar, ninguém consegue substituir o divertimento e o deleite.