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Jornal da Unicamp - 17 a 23 de junho de 2002
Agora semanal


Pesquisa

As faces do riso

Trabalho de psicobióloga disseca propriedades terapêuticas da manifestação e sua importância na comunicação

Maria Alice da Cruz


O jargão “rir é o melhor remédio” pode fazer sentido não somente em títulos de publicações humorísticas. No dia-a-dia, esta manifestação natural tão pouco estudada por cientistas do comportamento tem propriedades terapêuticas imprescindíveis tanto à saúde física e mental quanto ao bem-estar social, acredita a psicobióloga Silvia Helena Cardoso, do Núcleo de Informática Biomédica (NIB) da Unicamp. Caso não tivesse, como se explicaria o trabalho voluntário de ONGs como Doutores da Alegria, empenhadas em levar o riso a enfermarias de hospitais para tentar amenizar o sofrimento de pacientes? Silvia classifica o riso como uma das principais expressões para a comunicação social. Por meio do riso, o ser humano revela sua disposição em se aproximar. “Nada que existe em nosso comportamento deixa de ter uma função. A do riso é a comunicação”, argumenta.

Após publicação de um artigo na revista Cerebrum, Silvia foi convidada a proferir palestra na Semana de Conscientização do Cérebro, realizada há dois meses em Londres. As considerações feitas durante a palestra aguçaram a curiosidade da equipe de reportagem da revista New Scientist, que dedicou quatro páginas a uma entrevista sobre a importância e a origem do riso.

Silvia pesquisa o ato de rir sob vários aspectos. O primeiro é a própria origem. Por meio de um estudo com crianças deficientes visuais de uma entidade de Campinas, ela pretende provar que o riso é inato e instintivo. A descoberta quebra o mito de que o bebê aprende a rir com a mãe. “Uma evidência é que nossos ancestrais primatas riem”, questiona. Em uma de suas primeiras investigações, Silvia conseguiu captar a imagem de uma criança cega rindo. A pesquisa pretende verificar o riso em cegos congênitos, observar como eles riem, identificando os padrões de vocalização, expressão facial e motora. “Se eles também riem já é uma evidência de que é genético”, afirma. O objetivo é investigar se existe alteração em relação a crianças normais. Uma das inquietações é descobrir se as características do riso são inteiramente genéticas, ou se os cegos deixam de exibir certas características do riso por não ter sido possível para eles aprender com outras pessoas.

A dedicação de Silvia à pesquisa tem um endereço em Campinas: o Instituto Edumed, (centro de ensino e pesquisa na área da saúde), no qual é sócia-fundadora e diretora. Neste instituto ela iniciou o desenvolvimento de uma metodologia educacional especial que incorpora elementos que provocam o riso, baseando-se nos conceitos psicológicos, biológicos e cognitivos do riso, e irá investigar o efeito sobre a aprendizagem e motivação de alunos cegos com aplicação desta metodologia. “Vamos comparar uma aula tradicional transmitida a esses alunos com uma aula normal utilizando uma tecnologia moderna e especial, a qual acreditamos que irá facilitar e motivar ainda mais o aprendizado desses alunos: a síntese de voz”, revela a pesquisadora. Segundo Silvia, esta tecnologia permite converter qualquer texto em voz para que os cegos tenham um ensino mais facilitado e aprimorado. A partir disso, ela e sua equipe irão incorporar elementos do humor e do riso para ensinar.

Riso inato – Silvia menciona pesquisas realizadas por outros cientistas que comprovam que algumas espécies de animais também emitem vocalizações similares ao riso humano, por exemplo, em algumas espécies de macacos como chimpanzés, gorilas e orangotango. Há estudiosos que acreditam que o riso pode estar presente em mamíferos até menos evoluídos. O neurobiologista Jaak Panksepp observou que ratos apresentam vocalizações ultra-sônicas típicas quando estão brincando com seus companheiros. A pesquisadora explica que os seres precisam de componentes motores, emocionais e cognitivos para rir. O homem divide com os animais os componentes motores – movimento da face e tórax – e os emocionais. “Os animais exibem uma respiração diferente quando estão alegres ou brincando.” Mas o cognitivo, segundo Silvia, é exclusivamente humano.

A pesquisadora explica que o homem tem uma parte do cérebro, o córtex cerebral, que é mais desenvolvida do que a dos animais. E mais especificamente no lobo frontal, as pessoas conseguem perceber o que significa uma piada. Mas se houver lesões em partes específicas do cérebro, como o lado direito, os cientistas garantem que a pessoa é incapaz de entender a piada.

Bom para a saúde – No aspecto fisiológico o riso afeta a grande maioria dos sistemas do organismo, garante Silvia. No cardiovascular, ele inicialmente aumenta a freqüência cardíaca e a pressão arterial. Posteriormente, a vasodilatação das artérias promove uma queda da pressão, que é benéfica, principalmente aos hipertensos.

Com relação ao sistema respiratório, Silvia gravou um som normal e outro com riso. Comparando, descobriu que a freqüência e a intensidade de som durante o riso é muito maior. Isso aumenta a quantidade de oxigênio captada pelos pulmões e facilita a saída de gás carbônico. “Também quando rimos muito os órgãos do abdômen se contraem e se movimentam. E isso aumenta o fluxo saguíneo dos órgãos, o que também é muito positivo para o organismo”, garante.

Estudos mostram que o riso afeta até o sistema imune, aumenta a liberação de células que previnem contra infecção. Já foi comprovado também o aumento na produção de endorfinas (também chamadas morfinas endógenas) pelo organismo de quem ri. Isso, segundo Silvia, promove bem-estar, pois alivia e até diminui a dor. “Por isso que hoje em muitos hospitais, inclusive no Brasil, grupos como os Doutores da Alegria usam o riso como verdadeira terapia.” Segundo Silvia, estudos da dra. Margaret Stuber em hospitais pediátricos norte-americanos comprovam que esta terapia reduz o período de recuperação

Chorar de rir – Na palestra realizada em Londres, durante a Semana de Conscientização do Cérebro, Silvia Cardoso utilizou como ilustração uma imagem de Bill Clinton chorando por perder o controle do riso. Ela explica que o corpo humano possui uma glândula lacrimal na área lateral de cada olho. Quando a pessoa ri muito, a contração repetida dos músculos ao redor dos olhos comprime essas glândulas provocando o fluxo de lágrimas.

Outros exemplos de reações fisiológicas foram mostrados em sua palestra, por exemplo, a bem conhecida “dor na barriga” quando a pessoa dá uma boa gargalhada, que é causada por contrações dos músculos da parede torácica, abdômen e diafragma, promovendo um aumento do fluxo sanguíneo.

O riso contagia – Alguns cientistas hipotetizam que o riso é contagioso, informa Silvia Cardoso. Em cinema, ou programas de humor, a produção costuma investir em gravações de gargalhadas para estimular o riso do telespectador. Isso acontece porque uma boa risada contagia. O contágio acontece de forma natural. A mesma cena de Clinton foi utilizada por Silvia para ilustrar as informações sobre o riso contagioso. Ao ver o ex-presidente dos Estados Unidos rir compulsivamente, todas as pessoas presentes também perderam o controle do riso.

“Temos uma complexa rede neural, mais especificamente no córtex auditivo. Essa rede enviaria o som para um gerador de riso, que seria uma outra rede neural no córtex cerebral”, explica.