Autora de tese sobre estresse de atletas, psicóloga defende que estado emocional dos jogadores vai ser decisivo na fase eliminatória da Copa do Mundo
Sob pressão
Manuel Alves Filho
Os aspectos físicos e técnico-táticos serão determinantes para que uma seleção se destaque na Copa do Mundo, certo? Errado. O grande diferencial estará provavelmente no preparo psicológico dos jogadores. A afirmação, que fará arrepiar os cabelos dos adeptos tanto do futebol-força quanto do futebol-arte, é de uma mulher. Mas não se apresse em criticar a previsão, valendo-se apenas dos elementos gerados pela nossa arraigada cultura machista. A análise foi feita por Regina Brandão, profissional que trabalha há cerca de 18 anos com psicologia do esporte. Doutorada pela Unicamp, ela já “fez a cabeça” de centenas de atletas, de modalidades como o tênis, o vôlei e, claro, o futebol. Como se não bastasse, ela é a “mulher de confiança” do técnico Luiz Felipe Scolari, o Felipão, nessa área. Dois dias antes de embarcar para a Coréia do Sul, onde a Seleção Brasileira jogou a primeira fase do Mundial, o treinador esteve com Regina. Juntos, traçaram alguns planos para trabalhar o lado emocional do elenco. Foi dela, por exemplo, a sugestão para que os jogadores fossem acomodados em quartos individuais, medida que mereceu elogio dos craques.
A lógica de Regina é simples. No aspecto físico, segundo ela, os atletas que disputam a Copa estão num mesmo patamar. À exceção de uns poucos jogadores, a maioria atua em grandes clubes da Europa, o que faz com que não haja grande diferença nesse segmento. O mesmo pode ser dito em relação à parte técnico-tática, uma vez que o Mundial reúne os maiores craques dos 32 países classificados para a competição. Qual o diferencial a ser trabalhado, então? Ora, o lado psicológico de cada elenco. “A equipe que conseguir dominar melhor o estado emocional dos seus jogadores ao longo do torneio certamente levará vantagem sobre as demais”, assegura a psicóloga.
Mesmo longe da rotina do selecionado nacional, Regina tem participado da preparação do elenco brasileiro na Ásia. A psicóloga envia recados para Felipão, por meio da mulher dele. “Ele é extremamente sensível e sabe como estimular seus jogadores”, afirma. De acordo com ela, a preparação psicológica dos atletas da Seleção é diferente da empregada num clube. Ao vestirem a camisa amarelinha, diz a pesquisadora, os atletas sentem o peso da responsabilidade. Além da tradição de um país tetracampeão mundial, eles ainda têm de enfrentar a pressão natural de um torneio curto e que está sendo visto por bilhões de pessoas. O sucesso, nesse caso, dependerá muito da união do grupo. “É preciso controlar as vaidades. Pelo que pude notar, o Felipe está fazendo um ótimo trabalho, pois tanto as estrelas quanto os jogadores de menor expressão estão tendo um comportamento semelhante, de muita solidariedade”, afirma a psicóloga.
Esta semana, começa a fase eliminatória do Mundial, mais conhecida como mata-mata. Quem perder, volta para casa. De acordo com Regina, é o momento de reforçar o trabalho psicológico desenvolvido até aqui, chamando a atenção dos jogadores para a responsabilidade de cada um. “É preciso destacar esse aspecto, inclusive em relação àqueles que ficam no banco de reserva. Além de serem requisitados para os momentos difíceis, eles são responsáveis por incentivar quem está em campo”, adverte. Para exemplificar a importância desse procedimento, a psicóloga lembra o caso de uma atleta do vôlei, que disputava os Jogos Olímpicos de Barcelona. A jogadora, considerada reserva, engordou sete quilos diante da perspectiva de não ser aproveitada pelo treinador.
De acordo com Regina, Felipão não é um treinador de obter resultados imediatos. Ele normalmente precisa de um tempo maior para transmitir aos seus comandados o que deseja que façam em campo. Segundo a psicóloga, que começou a trabalhar com o técnico em 1998, quando ele dirigia o Palmeiras, Felipão sempre deu grande importância ao preparo psicológico dos atletas. “Ele anota tudo o que eu falo e depois me dá retorno. Está sempre preocupado em estimular seus meninos. Além disso, o Felipe tem muita estrela nos momentos decisivos. É o tipo de profissional que gosta da tensão e que consegue passar para os jogadores toda a emoção que está sentindo”, diz a pesquisadora.
Embora conheça apenas alguns atletas que estão disputando a Copa, dos quais traçou o perfil psicológico, Regina acredita que os planos elaborados conjuntamente com o técnico da Seleção darão bons resultados. “Eu sempre digo que os melhores times são os que sabem esperar pelo inesperado. O Felipe é um profissional que encarna como ninguém essa filosofia”, acrescenta a pesquisadora. É esperar e torcer.
Tese - O trabalho que Regina desenvolve na área esportiva tem uma sólida base científica, construída ao longo de 18 anos de atividade. Em dezembro de 2000, a psicóloga defendeu tese de doutorado junto à Faculdade de Educação Física da Unicamp (FEF), tendo como orientador o professor Pedro Winterstein. O título do trabalho é “Fatores de estresse em jogadores de futebol profissional”. Para realizar a pesquisa, ela lançou mão da avaliação psicológica que havia feito de 520 atletas. O objetivo foi analisar como esses profissionais percebiam o estresse e até que ponto ele poderia prejudicar ou ajudar na performance de cada um.
Conforme Regina, foram levantados 77 fatores de estresse. Alguns estão relacionados com a própria competição, como jogar contra um adversário desconhecido ou em um estádio sem torcida. Outros, fazem parte do plano pessoal: uma noite mal dormida ou o relacionamento conflituoso com um companheiro de time. Há, ainda, variáveis físicas (treinamento excessivo) e traumáticas (perda de um gol num momento decisivo). A partir desses dados, a psicóloga apurou que a percepção do estresse por parte dos atletas muda conforme a posição em que atuam e do tempo de carreira.
Assim, quanto mais experiente é um jogador, menos ele percebe o estresse como negativo. “Enquanto para um jovem tomar um gol no início do jogo é desesperador, para um veterano isso é encarado com naturalidade, pois ele sabe que poderá virar o placar”, explica Regina. De acordo com ela, os goleiros também tendem a perceber o estresse de forma menos negativa do que os atacantes. Isso se deve, diz, à própria característica de cada posição. “Normalmente, o goleiro é bastante frio e calmo. Já os atacantes são mais impulsivos e explosivos”, esclarece a psicóloga.
A tese de Regina rendeu alguns “filhotes”, como ela define. Já foram feitas versões para o espanhol, o inglês e o japonês. Graças a esses trabalhos, foi possível estabelecer diferenças de comportamento entre os jogadores brasileiros e os estrangeiros. “Os brasileiros são muito mais passionais. Eles percebem o estresse de maneira muito mais positiva ou negativa do que os demais”, afirma a pesquisadora. Como exemplo, ela cita a questão do favoritismo diante de um adversário. “Para um argentino, isso é um fator de estímulo. Já os brasileiros encaram esse aspecto de forma negativa, pois alegam que interfere na concentração”.