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Software orienta
uso composto de lixo como adubo
Programa desenvolvido pela Feagri e pela
Embrapa é importante ferramenta para agricultores
MANUEL ALVES FILHO
Pesquisadores da Embrapa Informática Agropecuária e da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp desenvolveram software pioneiro que orienta o uso de composto de lixo urbano (CLU) na agricultura. Trata-se de um Sistema Especialista (SE), ferramenta dotada de conhecimentos gerados a partir de estudos multidisciplinares e multiinstitucionais, o que lhe confere a capacidade não apenas de avaliar a qualidade do CLU, mas também de recomendar o seu uso de maneira adequada e segura na adubação de diversas culturas. "O programa desempenha papel similar ao de um especialista humano, constituindo uma importante ferramenta de apoio à extensão rural e a produtores", explica o engenheiro agrônomo Fábio César da Silva, pesquisador da Embrapa e um dos coordenadores do projeto.
O SE, conforme Silva, foi concebido para ser instalado junto às usinas de compostagem de lixo, unidades que processam a matéria orgânica e a transformam em fertilizante. O pesquisador da Embrapa lembra que não há no Brasil legislação que regule a qualidade e a aplicação do composto de lixo na agricultura, situação que deixa brechas para que ocorram casos de contaminação ambiental e de produtos agrícolas. "O software, nesse caso, estabelece um conceito importante de controle regional de qualidade do composto, tanto do ponto de vista agrícola quanto ambiental", afirma.
De acordo com Silva, o SE foi abastecido com informações geradas por várias frentes de pesquisas, conduzidas por profissionais da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (ESALQ-USP), Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Feagri, Escola de Engenharia de Piracicaba (EPP) e Universidade de Taubaté (Initau). A partir dessa base de conhecimento, formada por dados sobre as rotinas de análises de fertilidade do solo, do CLU e de outros fatores, o sistema é capaz de recomendar de forma segura a adubação diferenciada por grupos de culturas, como hortaliças, cana-de-açúcar, arroz, feijão, milho, trigo, mandioca e aveia branca.
A ferramenta, reforça Silva, é fundamentada em regras que analisam a qualidade do CLU. São considerados, entre outros aspectos, a estabilização física e biológica da matéria orgânica, os níveis aceitáveis de metais pesados e a eficiência do uso dos nutrientes contidos no composto. "A base de verificação também contempla os teores de fósforo e potássio do solo e os valores de nitrogênio, fósforo e potássio presentes no composto", esclarece o pesquisador da Embrapa.
As pesquisas que resultaram no programa de computador desenvolvido pela Embrapa e Unicamp demandaram oito anos de estudos e investimentos da ordem de R$ 250 mil, financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Ministério da Ciência e Tecnologia e empresas privadas. Atualmente, revela Silva, o sistema está sendo implantado em São José dos Campos. A expectativa é que outras cidades passem a adotar a ferramenta, de modo a dar um destino mais nobre e seguro para parte do lixo urbano. Piracicaba, segundo Silva, também já demonstrou interesse no SE.
A disposição adequada dos crescentes volumes de resíduos sólidos produzidos pelos municípios brasileiros é um dos principais desafios das prefeituras. As práticas usuais, como lixões e até mesmo os aterros controlados, produzem sérios impactos ambientais, além de se constituírem em foco de problemas de saúde pública, por meio da contaminação das águas subterrâneas e da proliferação de animais e insetos transmissores de doenças. "Diante desse cenário, a reciclagem do lixo, sobretudo a sua parte orgânica, é uma das melhores formas de minimizar tantas dificuldades", pondera Silva.
Pelo menos metade do lixo urbano é formada por matéria orgânica passível de reaproveitamento. Em Campinas, isso equivale a aproximadamente 400 toneladas de resíduos por dia, que poderiam gerar algo como 130 toneladas de composto de boa qualidade diariamente. O produto, rico em nutrientes, pode ser aplicado em hortas comunitárias e, desde que coletado de forma seletiva, em jardins e praças públicas. O excedente normalmente é vendido a pequenos produtores rurais da própria cidade ou de localidades vizinhas, gerando recursos adicionais aos normalmente combalidos cofres públicos. Uma tonelada de CLU de boa qualidade, calcula o especialista da Embrapa, pode ser vendida a R$ 30,00.
Empresa aposta em fertilizante orgânico
Projeto elaborado pela EcoSigma Soluções Integradas em Gestão de Meio Ambiente Ltda pretende transformar parte do lixo domiciliar de Campinas em fertilizante orgânico para uso na agricultura. Segundo Hélio Shimizu, engenheiro agrícola formado pela Unicamp e um dos sócios da empresa, a meta é reaproveitar, num primeiro momento, cerca de 30 toneladas de resíduos por dia, o que corresponde a três vezes o volume total reciclado atualmente pela Prefeitura. "Posteriormente, essa quantidade poderá ser ampliada. Das 800 toneladas de lixo produzidas diariamente pelos campineiros, metade é de origem orgânica e tem potencial para ser transformada em compostos para enriquecer o solo", afirma.
De acordo com Shimizu, as negociações com a Administração Municipal para a implantação do projeto-piloto estão em andamento. A EcoSigma, que está abrigada na incubadora de empresas da Companhia de Desenvolvimento do Pólo de Alta Tecnologia de Campinas (Ciatec), também aguarda para os próximos dias resposta da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) a um pedido de financiamento. Pela proposta da empresa, a Prefeitura cederia um hectare da área do Aterro Sanitário Delta 1, localizado na periferia da cidade, para os trabalhos de compostagem.
Ainda segundo a proposta da EcoSigma, a Administração Municipal doaria as 30 toneladas de lixo previstas no acordo, enquanto a Ecocamp, consórcio que promove a coleta domiciliar e opera o Aterro Delta 1, forneceria máquinas e mão-de-obra. Como contrapartida, a EcoSigma doaria mensalmente à Prefeitura 10% do composto obtido. "As 30 toneladas de resíduos geram algo como 500 toneladas de composto. Ou seja, a Prefeitura receberia 50 toneladas de fertilizantes por mês, para usar em hortas comunitárias e praças públicas", explica Shimizu.
Segundo o ex-aluno da Unicamp, todos tendem a ganhar com o projeto. O primeiro beneficiado seria o meio ambiente, pois uma parcela do lixo deixaria de ser enterrada. Isso aumentaria a vida útil do aterro e reduziria o volume de chorume, líquido nocivo ao solo e ao lençol freático gerado pela decomposição dos resíduos. A vantagem da Prefeitura, afirma Shimizu, seria obter, sem qualquer custo, um fertilizante de boa qualidade a partir de material que seria desprezado.
"A EcoSigma também ganharia, pois o excedente do composto orgânico seria vendido", diz o engenheiro agrícola. Cada tonelada desse adubo custa em torno de R$ 70,00 no mercado, segundo avaliação de Shimizu. Se for transformado em húmus, pela ação da minhoca, esse valor pode ser multiplicado por dez. "Assim que o projeto-piloto estiver consolidado, nossa expectativa é levar a experiência para outras cidades que compõem a Região Metropolitana de Campinas", adianta o sócio da empresa.
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