ANTONIO ROBERTO FAVA
Durante mais de três anos, o biólogo David Enrique Aguilar Rodrigues investigou os males provocados por um tipo de anemia que pode causar a morte de cerca de 80% dos pacientes antes de completarem 40 anos de idade. Trata-se da anemia de Fanconi - nome emprestado do seu descobridor, o pediatra suíço Guido Fanconi -, problema hereditário que afeta principalmente a medula óssea, gerando uma redução na produção de todos os tipos de células sanguíneas do organismo.
As pesquisas, com o apoio da Fapesp, foram realizadas nos Laboratórios de Citogenética do Hemocentro, coordenadas pela professora Carmem Silvia Passos Lima, e no Departamento de Genética Médica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Dos 52 pacientes investigados com suspeita clínica de anemia de Fanconi, em 22 casos foi possível confirmar o diagnóstico por meio dos testes citogenético e molecular.
A amostra para as pesquisas envolveu sete homens e 15 mulheres com idade variando entre 2 e 33 anos, com idade média de 14,1 anos. "Para os outros 30 casos, representando 57,7% do total, apesar de existir a suspeita clínica, não foi possível determinar diagnósticos porque os pacientes podem ter outras mutações não estudadas", observa o pesquisador. Pode ser que esses pacientes tenham a anemia de Fanconi, mas não foi possível identificá-las. "O que pretendemos com isso é padronizar a investigação da doença em nosso país, uma vez que atualmente esse estudo só é realizado no exterior", acentua David, biólogo graduado pela Universidade Ricardo Palma, de Lima, no Peru.
Os estudos apresentados por David representam, no Brasil, o primeiro trabalho a tratar do assunto, cujos resultados culminaram na tese de doutorado Estudo Molecular da Anemia de Fanconi, defendida recentemente, sob a orientação da professora Carmem Silvia Bertuzzo.
A tese mostra que os primeiros sintomas hematológicos, ou sinais da doença, começam a aparecer quando o indivíduo está com aproximadamente sete anos de idade. Mas há pesquisadores, no entanto, que afirmam que uma criança que ainda não tenha manifestado a doença já pode ter nascido com ela. "Como é uma doença genética, ela pode se manifestar assim que a criança nasce. Ou pode revelar-se até os 30 anos de idade", salienta David.
Os sintomas iniciais aparecem como uma anemia simples, peso baixo, magreza e que depois vai evoluindo para doenças mais graves. Um paciente com um quadro clínico característico de Anemia de Fanconi apresenta, por exemplo, baixa estatura, ausência de dedos polegares, microcefalias, manchas "café-com-leite", manchas hipopigmentadas e uma aparência facial particular que lembra os "duendes", devido a cabeça e boca pequenas. Além disso, o paciente tem as fendas das pálpebras estreitas demais, e o epicanto (dobra semilunar da pele quase vertical e habitualmente simétrica, que às vezes sobre o olho).
O pesquisador explica que investigações internacionais revelam que, de modo geral, no mundo todo, mais de 90% dos pacientes com anemia de Fanconi desenvolvem a anemia aplástica, um tipo grave da doença, provocada pela deficiência dos glóbulos vermelhos, freqüentemente associada à diminuição da produção de outras células do sangue, explica David. A maioria dos pacientes portadores dessa anemia apresenta anomalias congênitas e ou anomalias ao exame físico, sendo que as mais freqüentes são as alterações de pigmentação de pele (64%), baixa estatura (62%), malformações do eixo radial (osso do braço), anomalias oculares (41%), microcefalia, anomalias renais (34%) e deficiências mental.
Transplante - Segundo David, a anemia de Fanconi é raramente observada em populações negras. Nelas, verifica-se uma prevalência de homozigotos - células do indivíduo que possui nos seus cromossomos homólogos dois genes idênticos - de 1 em 476 mil pessoas. Na África do Sul, onde há concentrações consideráveis de descendentes de holandeses, a incidência nos homozigotos é de 1 para 22 mil. Nos países como Estados Unidos e Japão, verifica-se que esse índice aumenta de modo considerável: a freqüência nos heterozigotos (com genes diferentes) é estimada de 1 em cada 300 habitantes.
Por ser uma doença genética, ainda não há nenhum tipo de tratamento para uma cura absoluta. Primeiramente é preciso definir se a pessoa é portadora ou não da doença, passando por um rigoroso acompanhamento médico."Nos casos mais graves, cuja doença pode evoluir para a leucemia, os pacientes devem ser submetidos ao um transplante de medula, que melhora sensivelmente a sua condição física do paciente", diz o pesquisador.