ARTIGO
Fundos Setoriais e Universidades
Antônio Márcio Buainain
Flávia Maia Jesini
Os economistas reconhecem que as falhas de mercado comprometem a alocação eficiente de recursos. A chamada informação incompleta é a falha mais grave: mal-informados, os agentes têm uma visão distorcida e tomam decisões que parecem certas, mas que não resistem ao teste da realidade. Em muitos, casos o erro custa caro e os danos são irreversíveis.
Parte da comunidade acadêmica ainda está mal-informada sobre alguns aspectos dos fundos setoriais, cujo esclarecimento evitaria posicionamentos que poderiam se mostrar equivocados à luz de mais informação. Em primeiro lugar, ainda se insiste que os fundos subtraem recursos do sistema tradicional de C&T, em particular do CNPq, cujo papel fundamental para o progresso do País está acima de qualquer disputa; em segundo, também se comenta que o foco na inovação desvia recursos da universidade e do sistema público de pesquisa para empresas privadas; por último, os fundos não investiriam em pesquisa básica e em formação de recursos humanos qualificados, sem os quais não há inovação.
A simples análise das leis de criação e das diretrizes que vêm orientando a montagem dos fundos é suficiente para esclarecer alguns pontos que têm sido objeto de controvérsia alimentada por falhas de informação. Todos os fundos setoriais devem destinar no mínimo 20% dos recursos arrecadados para financiar infra-estrutura de pesquisa. Aí se incluem laboratórios, bibliotecas, equipamentos, instalações etc. que são utilizados tanto para viabilizar o trabalho de pesquisa em geral como para capacitar recursos humanos em todos os níveis.
A fim de evitar a dispersão de recursos que reduziria o impacto do Fundo de Infra-estrutura, o MCT e demais parceiros que integram o seu Comitê Gestor (MEC e comunidade científica) definiram áreas-chave e regras de alocação dos recursos e deixaram ao arbítrio das instituições eleger suas próprias prioridades. Enquanto o marco legal assegura a alocação de recursos para infra-estrutura de pesquisa, o mecanismo de gestão compartilhada reduz possíveis falhas de informação entre os tomadores de decisão, proporcionando um ambiente adequado para a definição do foco e das diretrizes a partir de um debate aberto envolvendo instituições e atores que ocupam espaços e funções diferenciadas no sistema de C&T e cujas visões não podem ser ignoradas. Trata-se de contribuição positiva para superar um dos mais graves problemas da administração pública brasileira: a da falta de coordenação institucional.
Os resultados da operação dos fundos setoriais no período 1999-2002 refutam de forma inequívoca a idéia de que estes não estão canalizando recursos para as universidades. Do total de R$ 824,5 milhões, 69% destinaram-se às instituições de ensino superior, todas públicas, exceto unidades da PUC, que receberam recursos. O CT-Infra aprovou R$ 280 milhões no último biênio, a maior injeção de investimentos em infra-estrutura de pesquisa nos últimos dez anos. Esses recursos foram particularmente relevantes para as universidades federais, muitas das quais vinham perdendo capacidade de ensino e pesquisa devido à deficiência de infra-estrutura de pesquisa.
A idéia de que o foco na inovação desvia recursos das universidades para as empresas decorre da incompreensão da natureza da inovação como processo sistêmico que envolve múltiplos atores. Esse processo não é um jogo de soma zero; ao contrário, o jogo pode ser paretiano e beneficiar todos os participantes. Um papel nobre da política de CT&I é precisamente criar um ambiente institucional adequado para assegurar que a trajetória seja de fato paretiana.
Em 2002, um único fundo, o Verde-Amarelo, cujo objetivo é promover a inovação por meio da cooperação entre universidade e empresa, e que por isso mesmo vem sendo objeto de maiores críticas de setores da academia, aprovou 419 projetos no valor de R$ 109 milhões, dos quais pelo menos 60% destinaram-se a financiar projetos que envolvem diretamente as universidades. As empresas aportaram cerca de R$ 80 milhões adicionais como contrapartida financeira, quase dobrando o valor total dos projetos de pesquisas que são executados, em sua maioria, por universidades e institutos de pesquisa públicos. Este valor não contabiliza outras contribuições e benefícios, que no caso dos projetos cooperativos incluem desde o uso de facilidades das empresas para a realização de pesquisa até o alargamento do horizonte de trabalho para alunos, professores e pesquisadores, o aprendizado e a experiência adquirida a partir do contato com a realidade das empresas, os novos objetos de pesquisa e campos de conhecimento suscitados a partir do rico intercâmbio universidade-empresa.
A breve experiência dos fundos permite afirmar que os mesmos vêm atuando como instrumento de articulação de empresas e instituições de pesquisa e tecnologia, somando esforços, promovendo parcerias válidas e multiplicando os recursos investidos na Ciência, em Tecnologia e na Inovação, inclusive o destinado às universidades.
O momento é de transição. A primeira fase, de concepção, aprovação e implementação dos Fundos Setoriais, reconhecidos inclusive em outros países como iniciativa criativa e válida, foi concluída. Trata-se agora de corrigir problemas que sempre existem, aperfeiçoar mecanismos, azeitar processos e consolidar a experiência. A comunidade científica é um ator essencial do sistema de CT&I, e sua opinião terá um peso considerável na política em geral e no destino que será dado aos fundos setoriais. Não seria próprio desta comunidade, cujo trabalho assenta-se na reflexão crítica, incorrer em falhas de informação ao posicionar-se diante dos fundos setoriais. Talvez fosse o caso de a Unicamp organizar um amplo debate sobre a agenda de CT&I, e em particular sobre o papel e funcionamento dos Fundos Setorias de CT&I.
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Antônio Márcio Buainain é professor do Instituto de Economia da Unicamp
Flávia Maia Jesini é assessora técnica da secretaria do FVA, CGEE
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