Paulo César Nascimento
Estatísticas já demonstraram que a participação das mulheres no mercado de trabalho brasileiro ampliou-se na década de 1990. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a presença feminina na população economicamente ativa do País cresceu cerca de 9% enquanto a masculina caiu aproximadamente 4%. Porém, ao contrário do que se poderia supor, a inserção qualificada, motivada pela oferta de bons empregos e salários, e alimentada pelo desejo da mulher de obter realização profissional, tem pequena parcela de responsabilidade nesse crescimento.
Ocorreu, sim, uma significativa precarização da mão-de-obra feminina urbana, resultado, entre outros fatores, do ingresso no mercado de um expressivo contingente de mulheres na faixa etária de 40 a 54 anos, com baixa escolaridade e sem profissionalização, que, na sua grande maioria, se tornaram empregadas domésticas premidas pela necessidade de auxiliar a família economicamente.
A constatação é da cientista social Adriana Strasburg de Camargo Andrade, da Unicamp, autora da tese de doutorado "Mulher e Trabalho no Brasil dos Anos 90", financiada pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). O estudo, ainda em desenvolvimento, mostra que os impactos da estagnação econômica brasileira na última década, com forte elevação do desemprego e deterioração nos rendimentos do trabalho masculino, empurraram mais mulheres para fora de casa.
O trabalho doméstico no Brasil dos anos 90
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46,5 milhões de empregadas domésticas
(22% das mulheres trabalhadoras)
0-54 anos é a faixa etária predominante
57,9% têm ensino fundamental incompleto
50% trabalham mais de 45 horas semanais
80% não têm registro em carteira de trabalho
60% recebem até dois salários mínimos
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"Houve uma queda generalizada na renda dos trabalhadores, mas o resultado foi mais desfavorável para os homens. O reflexo disso na família é a continuidade do êxodo da mulher para o mercado de trabalho, para ajudar no orçamento doméstico. Ela também se torna a única responsável pelo aporte econômico familiar quando o marido está desempregado ou quando ela é a chefe da família nos casos de separação ou viuvez", explica Adriana.
Face sombria - Conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de
Domicílios (PNAD), do IBGE, utilizados por Adriana em seu estudo, a taxa de atividade econômica da população feminina saltou de 26,9% nos anos 80 para 43,6% em 2000 - e foram as mulheres mais maduras e com responsabilidades familiares as maiores responsáveis por esse aumento. As trabalhadoras que na década de 1980, em sua maioria, eram jovens (de 18 a 24 anos), solteiras e sem filhos, passaram a ser, nos anos 90, casadas e mães, com idade superior a 40 anos.
Os números do IBGE também revelaram a face mais sombria dessa nova força de trabalho feminina: essas mulheres têm, em geral, baixo nível de instrução, baixo nível social e baixa profissionalização. A PNAD mostrou que, em 1999, 57,9% da população feminina economicamente ativa, de 40 a 54 anos, haviam sequer completado o ensino fundamental.
Adriana observou, então, que na contramão da expansão quantitativa dos empregos, fatores como a idade e a situação socioeducacional das mulheres acima de 40 anos colaboraram para tornar muito precária a qualidade da ocupação feminina na última década.
"Quando a mulher entra no mercado, com baixa escolaridade e mais idade, ela praticamente não tem chances de alcançar melhores cargos e salários. Geralmente permanece no mercado de modo intermitente (entrando e saindo), em ocupações de baixo prestígio social, piores rendimentos e sem garantias sociais", argumenta a pesquisadora. "É de se supor que, nesses casos, ela não esteja entrando para o mercado porque quer se realizar profissionalmente, mas tão-somente porque precisa do rendimento daquele trabalho para sobreviver e manter sua família".
Exército de 6,5 milhões - De acordo com ela, é o segmento de serviços para pessoas, com ênfase no trabalho doméstico remunerado, que absorve esse impressionante exército de trabalhadoras, nada menos que 22% da população feminina economicamente ativa, ou cerca de 6 milhões e meio de mulheres, conforme indicadores obtidos em 1999.
Ao longo da década, o serviço a um indivíduo ou família dentro de casa cresceu aproximadamente 40% (em 1991 ocupava 19,5% da força de trabalho feminina) e, embora considerado precário em virtude das longas jornadas de trabalho, do pequeno número de carteiras de trabalho assinadas e dos baixos rendimentos auferidos, consolidou-se como a principal ocupação das trabalhadoras brasileiras. Segundo o IBGE, aproximadamente 50% das empregadas domésticas trabalhavam mais de 45 horas semanais, 80% delas não possuíam registro em carteira de trabalho e 60% ganhavam até dois salários mínimos.
O estudo de Adriana captou ainda outras nuances da categoria. A discriminação, presente em todo o mercado de trabalho, afetou o emprego doméstico na faixa etária pesquisada. Nos anos 90 as trabalhadoras negras e pardas ganharam por hora de trabalho, em média, metade da remuneração das brancas. Estas, por apresentarem nível de escolaridade ligeiramente superior (o ensino fundamental completo, por exemplo) ao das trabalhadoras dos outros grupos raciais, foram também privilegiadas nas contratações.
Mas o que explica o crescimento e a manutenção da demanda que alimentou o mercado brasileiro de serviços domésticos nos anos 90? A distribuição desequilibrada de renda, causa de outras mazelas nacionais, pode ser uma das razões.
Tanto aqui como em outras partes do mundo, o problema aprofunda as desigualdades socioeconômicas entre ricos e pobres, e estimula a oferta da atividade, principalmente por parte de famílias com crianças pequenas e nas quais as mães trabalham fora de casa. Nesse aspecto, o fenômeno revela a sua ironia: mulheres só conseguem sair de casa para trabalhar porque se utilizam de outras que são pagas para as substituírem no lar.