Estudo desenvolvido por
físicos brasileiros é tido como referência pela Science
Trabalho com nanofios
de ouro ganha destaque internacional
CLAYTON LEVY
Três físicos brasileiros acabam de dar um importante passo para a futura utilização de fios de ouro em circuitos nanoeletrônicos, estruturas que medem bilionésimos do metro e têm importância estratégica na fabricação de componentes para a próxima geração de equipamentos eletrônicos. Usando simulações em computador, eles conseguiram explicar a provável causa das distâncias de ligação existentes entre os átomos de um fio de ouro. O trabalho, assinado pelos pesquisadores Edison Zacarias da Silva, da Unicamp, José Roque da Silva e Adalberto Fazzio, da USP, e Frederico D. Novaes, aluno de doutoramento da USP, foi destacado pelo editor da revista Science, M. Levine, no artigo "
A Bit of Stretch" na edição do dia 14 de fevereiro, como a melhor literatura mundial em ciência de materiais.
O artigo que ganhou destaque na Science havia sido publicado na edição de 24 de janeiro da Physical Review Letters, uma das mais importantes revistas especializadas em física do mundo. Trata-se da segunda parte de um trabalho iniciado em 2000. A primeira parte, que explica o comportamento de um fio de ouro "esticado" até formar uma fileira de cinco átomos, também foi capa da Physical Review Letters, em 17 de dezembro de 2001. O estudo, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), integra um projeto temático orçado em US$ 180 mil.
"Muitos pesquisadores estudam o comportamento dos átomos em fios de ouro, mas é a primeira vez que um trabalho demonstra esse comportamento de forma tão realista e detalhada", diz o pesquisador Edison Zacarias da Silva, que atua no Instituto de Física Gleb Watagin, da Unicamp. Segundo ele, isso só foi possível porque os físicos brasileiros calcularam de forma mais precisa, por meio de simulações em computador, todas as fases do processo, o que ainda não havia sido realizado em nenhuma parte do mundo. Os cálculos foram desenvolvidos no Centro Nacional de Processamento de Alto Desempenho (Cenapad), instalado no campus da Unicamp.
Conhecer o comportamento dos átomos de um fio de ouro, segundo Silva, tem uma importância básica para a eletrônica do futuro. Devido às suas características, o ouro é visto como o melhor material para formar contatos elétricos entre os dispositivos a ser criados para substituir os chips de silício, hoje os materiais básicos dos atuais computadores. As perspectivas se apóiam nas descobertas, realizadas na década de 1990, de que as moléculas conseguem conduzir eletricidade do mesmo modo que os semicondutores.
"Estes estudos terão grande impacto na nanotecnologia, que deverá servir de base para os circuitos eletrônicos do futuro", diz Silva. Atualmente, os circuitos eletrônicos da maior parte dos equipamentos, como computadores e telefones celulares, é fabricada em escala de microns. Um mícron é mil vezes menor que um milímetro. Na escala nanométrica, um nano é mil vezes menor que um mícron. "Estamos falando de dimensões atômicas, que deverão caracterizar os circuitos eletrônicos do futuro", explica. "Por serem menores, consumirão muito menos energia e permitirão que os dispositivos tenham dimensões ainda mais reduzidas", completa.
Simulações - Nesse segundo trabalho teórico, os pesquisadores conseguiram demonstrar que as distâncias longas entre os átomos enfileirados num fio de ouro seriam explicadas pela presença de impurezas leves, no caso moléculas de enxofre, que ocupam espaços maiores. Nas pesquisas experimentais realizadas anteriormente, com auxílio de microscopia eletrônica, constatou-se que essa distância era de 4.8 Angstrons (numa escala de medidas, um nano é igual a dez Angstrons). Entretanto, os pesquisadores experimentais não sabiam o que ocasionava essa distância entre um átomo e outro.
O mérito do trabalho teórico dos pesquisadores brasileiros está justamente na provável identificação dessa causa. Eles realizaram diversas simulações, "encaixando", entre os átomos de ouro, átomos leves de vários elementos, até constatarem que o enxofre resultava numa distância muito próxima à registrada nas pesquisas experimentais. "O enxofre resultou numa distância de 4.7 Angstrons, o que nos leva a crer que sua presença explica as distâncias longas entre os átomos". Utilizando o mesmo processo, os físicos brasileiros também constataram que as distâncias curtas, da ordem de 3.6 Angstrons, seriam causadas pela presença de átomos de hidrogênio entre os átomos de ouro.
No primeiro trabalho, os pesquisadores simularam no computador a evolução de um fio de ouro enquanto é puxado. Ao ser esticado, o material se torna delgado até reduzir-se a uma única fileira de cinco átomos. A partir daí, o fio não suporta a tensão e se rompe. A seqüência, descrita passo a passo, apresenta um detalhamento impossível nos experimentos de visualização obtidos no microscópio eletrônico.