Mal do pânico sob nova abordage
"É preciso dar voz ao paciente para que
ele ajude a se curar, ao invés de apenas medicá-lo"
LUIZ SUGIMOTO
Subitamente a pessoa se vê dominada por extrema angústia, uma sensação de morte iminente, parece estar enlouquecendo. Sente palpitações intensas, falta de ar, tonturas, vertigens, secura na boca, calafrios, formigamentos pelo corpo. Tem impressão de que vai perder o equilíbrio, mas assim mesmo quer sair correndo e fazer alguma coisa, sem saber o que. E a crise, embora passe em minutos, deixa uma terrível sensação de insegurança, o medo de morrer e uma profunda e desconsolada tristeza.
A síndrome do pânico foi descrita oficialmente em 1980. Desde então se sucedem os estudos sobre as bases neurobiológicas e neuroquímicas do fenômeno, somando conhecimentos na parte orgânica e medicamentosa que levam a programas de tratamento mais eficazes. Um grupo de pesquisa da Unicamp, criado em 1984, contribuiu com experiências em medicação pelo menos no início de suas atividades. Integrava a equipe o ainda médico residente Mário Eduardo Costa Pereira, que depois enveredaria por outro caminho, teorizando em cima dos casos clínicos para atenuar o tom científico e, como ressalta, dar voz ao doente.
"Nossa abordagem do pânico não é genética, nem neurobiológica, e sim psicopatológica, no sentido de escutarmos o paciente para saber como ele vivencia o transtorno e organiza sua vida, e que tipo de consideração emocional, afetiva ou conflitiva encontra-se em jogo no desencadeamento da crise", explica o psiquiatra e psicanalista. Encorajado a estudar a síndrome sob esta perspectiva, ele fez quatro anos de doutorado pela Universidade Paris VII, tese que resultou no livro Pânico e Desamparo, publicado em 1999 pela Editora Escuta (é autor também de Contribuição à Psicologia dos Ataques de Pânico, Lemos Editorial, 1997).
"As pesquisas experimentais e psicofarmacológicas são indispensáveis porque remédios aliviam o sintoma, que é muito desesperador e incapacitante. Nessas pesquisas, porém, a palavra que se dá ao paciente relaciona-se às perguntas que o médico quer fazer: "quantas crises teve hoje?, classificaria a crise como moderada, intensa, muito intensa?...". O médico coloca sua grade no discurso do paciente", observa Costa Pereira, hoje no Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM).
Segundo o professor, o problema do pânico é exemplar de uma questão mais abrangente, a ideologização da abordagem neurobiológica: "Temos aí um reducionismo explicativo, onde o cientista reduz o conjunto da explicação de um fenômeno exclusivamente à sua própria maneira de ver. Não se trata do reducionismo metodológico ao qual toda a ciência está submetida, mas de um reducionismo na forma de conceber e explicar aquilo que se estuda. O problema psicopatológico é reduzido ao genoma do paciente, à serotonina [neurotransmissor envolvido no controle das emoções]", comenta.
O psicanalista acrescenta que é como se não houvesse a história, o social, a cultura, a economia, o simbólico, o sujeito e o mundo organizado a partir do ponto de vista deste. "Não se trata de desqualificar a pesquisa experimental, mas de lidar melhor com um fenômeno que talvez seja o mais complexo existente: aquele em que a pessoa sofre de ansiedade, depressão, angústia. É de sofrimento humano que estamos tratando".
Desamparo - Costa Pereira afirma que um aspecto fundamental na psicopatologia do pânico é a relação do sujeito com o próprio desamparo. "Faz parte da existência de todos conviver com certa dimensão de falta de garantias. No limite, nem eu nem você temos certeza absoluta de que seguiremos vivos depois desta porta, mas continuamos trabalhando, levando nosso dia-a-dia e incorporando os riscos de alguma forma", observa. O portador da síndrome, explica o professor, consegue manter uma vida estável, mas desde que seja sustentado por alguém ou algo concreto. "Se um dia ele perde aquela pessoa próxima, seu mundo desaba".
Pereira lembra um caso clínico, em que o paciente levava uma vida profissional consistente, dentro da empresa familiar bem sucedida graças à iniciativa e suor do pai. Jamais questionou se a empresa poderia falir ou se deixaria de viver sob o manto protetor paterno. "Certa manhã o irmão sofre um infarto e, à noite, ele tem a primeira crise de pânico. A lógica motivadora da crise seria o temor de que seu coração também falhasse. O raciocínio dele, porém, é outro: "se aconteceu com meu irmão, imagine com meu pai na idade que tem". Ao constatar o risco de ficar desamparado, sua reação foi de desespero, entrando, em seguida, em pânico".
Medicamento - Duas décadas atrás, era comum encontrar pessoas que sofriam crises de pânico havia dez e até trinta anos. Tinham agorafobia e outras seqüelas, não saíam de casa e por isso perderam o emprego. "Hoje o paciente se autodiagnostica, sabe o que o atormenta. O transtorno já é bem conhecido e poucos ainda não testemunharam um caso na família ou no trabalho", compara Mário Costa Pereira. O problema, de acordo com o especialista, está na postura do paciente em meio à cultura marcada pela idealização das neurociências. "Ele vem atrás de remédio. Toda a fé perdida quando o mundo desabou é depositada no medicamento que permite reorganizar sua vida. A pessoa não se coloca em questão, não admite que algo pode estar errado com ela".
Como as drogas realmente são eficazes no controle das crises, surge outro inconveniente: "Tendo alívio garantido, o paciente não quer parar de tomá-las; quando pára, sai sempre com um comprimido no bolso, é um hipocondríaco. Ao depositar todas as fichas na autoridade do médico e no medicamento, o sujeito que sofria de pânico torna-se, em longo prazo, um neurótico sem crise".