| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU |Edição 344 - 20 a 26 de novembro de 2006
Leia nesta edição
Capa
Opinião: 10 anos de Cemarx
Renda do brasileiro
Morfologia do trabalho
Retrato dos ex-alunos
'Unicamp Ventures'
Reencontro festivo
Adubo
Convivência em sala de aula
Espaço midiático
Maturação sexual
Coração
Saúde da Região Metropolitana
Painel da semana
Teses
Livro da semana
Longevidade empresarial
Vinho
 

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OPINIÃO

10 Anos de Cemarx

Caio Navarro de Toledo

Com freqüência, em todo o mundo, a “morte do pensamento de Marx” é comemorada pelos ideólogos liberais e do conservadorismo. Nos anos 90, no auge do pensamento neoliberal e com o chamado pós-modernismo, estas comemorações voltaram a se manifestar enfaticamente na mídia e em certos meios acadêmicos e culturais. Para estes, a desagregação da antiga URSS e a rendição do socialismo do leste ao capitalismo neoliberal eram provas definitivas do colapso do pensamento de Marx e do marxismo em geral. De forma cética, quando não cínica, renomados intelectuais – outrora militantes do socialismo – anunciaram que, no plano do pensamento, a contemporaneidade agora se expressava pelo pós-marxismo ou pelo pós-socialismo. Fim da história, fim das ideologias e vitória da democracia liberal constituíam, assim, o senso comum dominante nos meios culturais e acadêmicos.

Contra esse senso comum e navegando contra a corrente, um grupo de acadêmicos da Unicamp, em meados dos anos 1990, tomou a iniciativa de criar um centro de estudos que tomava a obra de Marx como referência fundamental de pesquisas e de debates.

O Cemarx surgiu no IFCH com uma afirmação central e uma justificativa teórica básica: o conjunto da obra de Marx é imprescindível para o trabalho de investigação no terreno da filosofia e das ciências sociais. Assim, se se pretende produzir conhecimento rigoroso e crítico sobre a sociedade capitalista contemporânea não podemos dispensar os conceitos, as categorias heurísticas e a metodologia propostos, implícitos ou sugeridos pela obra de Marx.

Desconhecer ou interditar o acesso dos pesquisadores e estudantes ao pensamento de Marx – como fazem sistematicamente instituições e centros de estudos não necessariamente privados –, significa objetivamente impedir que floresça e se desenvolva um pensamento crítico e criador.

Longe de nós a infundada suposição de que apenas na companhia de Marx poderemos alçar ao plano do pensamento crítico. As obras de Platão, Spinoza, Kant, Hegel, Weber, Wittgenstein, Freud e de muitos outros são também imprescindíveis, pois constituem um patrimônio do pensamento e da razão humana. Valiosos e bem vindos são, pois, os centros de estudos, existentes em várias partes do mundo, em torno da obra destes pensadores.

É de se admitir que quem se vincula a centros como estes, tem, basicamente, um legítimo interesse cognitivo. No entanto, um centro de estudos em torno de Marx não visa apenas o entendimento rigoroso do pensamento deste autor; seus pesquisadores – na boa tradição do marxismo clássico – também se comprometem no sentido de produzir uma reflexão crítica e transformadora.

Refletir sobre a obra de Marx nunca será um ato gratuito, diletante ou inconseqüente para quem leva em conta os pressupostos teóricos centrais desse pensamento. A rigor, levar a sério o projeto intelectual de Marx implica tomar posição diante das lutas históricas que homens e mulheres travam pela transformação da ordem burguesa e capitalista.

Significa isso afirmar que o Cemarx deve, publicamente, assumir posições militantes e ter um caráter político? Em absoluto. O Cemarx, nestes 10 anos de existência, jamais se identificou com uma particular posição ou uma definição político-partidária. Nunca se posicionou nem se posicionará oficialmente sobre aspectos da conjuntura política brasileira ou mundial. Embora não assuma nenhum tipo de ecletismo ou neutralidade axiológica ou política, o Cemarx tem sido conseqüente na defesa e na prática do pluralismo teórico e político em todas suas atividades.

O significado do engajamento político-ideológico de um centro de estudos como este – distinguindo-se, pois, dos seus congêneres – reside no compromisso de promover a discussão da realidade político e social do capitalismo contemporâneo. Paralelamente aos grupos de pesquisas e de estudos que se desenvolvem no Centro, são organizados debates com pesquisadores e especialistas – socialistas ou não – sobre questões cruciais e relevantes, tais como a guerra imperialista no Afeganistão, no Iraque, no Líbano; o 11 de setembro; a violência contra o povo palestino e o conflito árabe-israelita; o golpe de 1964; as esquerdas e a eleição presidencial no Brasil etc.

O Cemarx é, hoje, inegavelmente, a mais importante referência acadêmica no campo dos estudos marxistas no Brasil. Para o ex-diretor do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso), o sociólogo Atílio Borón, o Cemarx é um exemplo a ser seguido pelos universitários marxistas da AL. Se isto nos incentiva, não podemos, contudo, deixar de reconhecer que este Centro de estudos poderia ser mais forte e consistente do ponto de vista intelectual e acadêmico.

Como o exercício da crítica e da autocrítica é inerente à reflexão marxista, temos de reconhecer que nem todos marxistas da Unicamp participam do Cemarx. Dissensões no passado provocaram o afastamento de colegas que estiveram presentes na criação do Centro. Não sendo este o momento mais apropriado para examinar esta situação, cabe, de forma positiva, observar que, nos anos recentes, colegas do IFCH e de outros institutos, cujas preocupações teóricas se vinculam à teoria marxista, têm sido convidados e participado de nossas atividades. Fortalecer o campo do marxismo no interior da universidade brasileira, em particular na Unicamp, tem sido uma preocupação constante do Cemarx.

Finalmente, devemos ressaltar um valor que distingue o funcionamento e a organização do Cemarx. É muito lembrado que, nos tempos atuais, ninguém ousa ser contra a democracia; difícil, no entanto, seria encontrar entidades ou comportamentos democráticos. Deixando de lado a questão da veracidade ou não desta blague, importa assinalar que no espaço do Cemarx o exercício da democracia tem sido uma realidade efetiva.

Se, em virtude da especificidade do trabalho acadêmico, a responsabilidade da Direção do Centro cabe sempre a um docente, tudo o mais é objeto de debate e decisão por parte do conjunto de seus participantes (professores, pesquisadores e estudantes, sejam eles graduandos ou pós-graduandos).

Exemplar neste sentido é a organização da atividade que mais tem projetado o trabalho do Cemarx nos meios acadêmicos brasileiros. Na organização dos Colóquios Marx e Engels tudo está em questão: a definição de sua problemática, os temas a serem discutidos, a escolha dos conferencistas e debatedores, a definição dos grupos de trabalhos, a seleção dos textos a serem ai apresentados e as demais responsabilidades que implicam a efetiva realização do evento. O testemunho dos estudantes – mais do que minhas palavras que, certamente, poderiam ser aqui interpretadas como mera retórica – deveria ser invocado para comprovar a efetiva existência da democracia no cotidiano e na prática do Cemarx.

Porém, se o público for benevolente e conceder que este discurso é veraz, diria que a democracia interna pode ser um fator que explica consolidação do Cemarx bem como sua relevância na vida cultural e política da Unicamp.

Por último, já que falamos em democracia, devemos lembrar que, em pesquisa feita no ano passado pela BBC, Marx foi eleito o mais importante pensador de todos os tempos. Certamente, é possível questionar o rigor deste tipo de consulta de opinião. Mas não se pode deixar de concluir: a própria mídia que enterra, vê-se obrigada – por força da rebeldia do público – a reconhecer que o pensamento de Marx ainda está vivo e continua nos interpelando.

Caio Navarro de Toledo é professor do Departamento de Ciência Política do IFCH e diretor associado do Cemarx

Comemoração
(Fotos: Neldo Cantanti)

O Centro de Estudos Marxistas (Cemarx) da Unicamp celebrou 10 anos de atividades com um dia de debates e uma exposição de cartazes, em 9 de novembro. Segundo a diretora Andréia Galvão, o Centro vem organizando seminários, grupos de estudos e pesquisas em torno de textos, autores e correntes do marxismo, somando 71 eventos desde 1996. Os grupos de pesquisa mantidos pelo Cemarx são de Marxismo e Teoria Política, coordenado pelo professor Álvaro Bianchi;

eoliberalismo e Relações de Classe, coordenado pelo professor Armando Boito; e o mais recente, Capital, coordenado pelo professor Hector Benoit. A professora Andréia Galvão (à esquerda na foto do grupo) observa que, mesmo com o refluxo acadêmico e político deste pensamento a partir da década de 1980, há várias iniciativas, no Brasil e no exterior, no sentido de revigorar o marxismo. “A crise amplia o interesse em estudar a política a partir de uma perspectiva marxista, que representa um instrumental teórico crucial para compreender o funcionamento da sociedade capitalista”, afirma.

 



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