No
biênio 2006-2007 a indústria voltou a ser o motor da economia
brasileira, tendo à frente a indústria paulista. São Paulo,
que vinha apresentando taxas de crescimento industrial inferior
à média do país e perdendo para três ou quatro Estados mais
dinâmicos, inverteu sua posição e voltou à liderança do
processo. A constatação está no amplo diagnóstico denominado
“Agenda de Competitividade para a Indústria Paulista”, entregue
ao governo do Estado por pesquisadores da Unicamp, USP e
Unesp.
O projeto encomendado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas
(IPT), órgão da Secretaria de Desenvolvimento, constituiu-se
de 26 estudos setoriais sobre as atividades produtivas mais
relevantes. “A partir dos resultados destes estudos foram
elaboradas proposições que desenham uma política industrial
para o Estado de São Paulo”, informa o professor Fernando
Sarti, do Instituto de Economia (IE) da Unicamp e um dos
coordenadores setoriais do projeto.
Como suporte aos trabalhos foi criado um banco de dados
igualmente disponibilizado ao governo. Segundo Sarti, os
dados mostram perda significativa de São Paulo na participação
do valor agregado industrial brasileiro entre 1996 e 2005
– de 49,4% para 40,1% em termos reais. “Diante da taxa pífia
de crescimento do Brasil nos últimos 25 anos, a indústria
foi perdendo a capacidade de ser o motor da economia. Neste
processo, o Estado mais prejudicado foi São Paulo, por possuir
a maior estrutura industrial”.
O professor Célio Hiratuka, também do IE/Unicamp e da coordenação
setorial, explica que a indústria sempre tendeu a puxar
a economia por causa dos chamados encadeamentos industriais.
“Dentre os vários setores produtivos, é ela que apresenta
o maior grau de inter-relações dentro da própria indústria.
Um exemplo é a automobilística, que encadeia fabricantes
de autopeças, plásticos, vidros, borrachas, e ainda os serviços
como de distribuição e de manutenção”.
Da mesma forma, acrescenta Hiratuka, São Paulo é claramente
o Estado que mais reproduz estas inter-relações dentro do
próprio Estado. “Por isso, quando a sua indústria tem dificuldade
para crescer, os encadeamentos intra-setoriais também vão
perdendo espaço, em especial no Estado brasileiro com o
tecido industrial mais denso”.
A menor participação de São Paulo no produto industrial,
conforme o diagnóstico, não seria preocupante para o país
se esta perda estivesse associada a um maior dinamismo industrial
de outros Estados. A descentralização é um fenômeno até
desejado, por acelerar o desenvolvimento de outras regiões
e, inclusive, favoreceria São Paulo enquanto maior fornecedor
de bens, serviços e insumos industriais, além de outros
serviços como os financeiros, os tecnológicos e de logística.
Fernando Sarti observa que nestes 25 anos, ainda que tenha
havido algum deslocamento de indústrias para outros Estados,
São Paulo continuou sendo o fornecedor de várias delas.
“Montadoras instalaram plantas no Paraná, Rio Grande do
Sul e Bahia, mas o grosso das autopeças permanece aqui,
assim como da eletrônica embarcada. Mesmo assim, o Estado
perdeu participação”.
Daí, a avaliação preocupante: que a perda de São Paulo
foi acompanhada de uma queda expressiva também da participação
do produto industrial brasileiro frente às principais economias
emergentes, sobretudo as asiáticas; e que a quase estagnação
nas últimas três décadas teria provocado efeitos mais danosos
à indústria paulista, devido a sua estrutura produtiva mais
diversificada, adensada e sofisticada tecnologicamente.
Reversão
Contudo, segundo Sarti, os dados apontam para uma reversão
a partir de 2004-2005, primeiramente com o aumento das taxas
de crescimento da economia do país como um todo. “Em seguida,
vemos este crescimento sendo puxado pela indústria e, inicialmente,
pela indústria de bens de consumo – tanto duráveis (como
automóveis) quanto não-duráveis (como alimentos e vestuário)
– por conta da maior transferência de renda e das melhores
condições de financiamento”.
O pesquisador afirma que no biênio 2006-2007 ocorre o engate,
quando o crescimento passa a ser puxado por máquinas e equipamentos
– os bens de capital. “Temos então o incremento não apenas
do consumo, mas também do investimento. Com esta mudança
qualitativa no padrão, São Paulo é que volta a ganhar. Haja
vista o aumento fantástico na produção da indústria automobilística,
que demanda máquinas e equipamentos fortemente. A indústria
paulista já está crescendo, novamente, acima da média industrial
nacional”.
Pesquisa aponta gargalos
O projeto de pesquisa “Agenda de Competitividade para a Indústria Paulista” teve a coordenação geral dos professores Hélio Nogueira da Cruz, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, e Mariano Laplane, diretor do Instituto de Economia (IE) da Unicamp. Além do diagnóstico da indústria do Estado de São Paulo, os pesquisadores apontaram gargalos e apresentaram proposições visando melhorar a competitividade da estrutura já existente e torná-la atrativa para novos investimentos.
“Depois de quase três décadas de investimentos muito baixos, agora acontece um novo boom e São Paulo precisa adotar políticas que atraiam uma parcela deles. Obviamente, o Estado não quer tudo. Até para não entrar no discurso bairrista, deixamos claro no projeto que a indústria paulista se beneficia quando a demanda do resto ao país cresce”, afirma o professor Fernando Sarti.
Sobre isso, o professor Celso Hiratuka acrescenta que não se faz qualquer proposição visando atrair investimentos destinados a outros Estados. “Não se alimenta esta competitividade. Pelo contrário, o objetivo sempre foi avaliar riscos e oportunidades para a indústria paulista frente à concorrência mundial, que é acirrada. O Brasil perdeu participação em vários setores para os países emergentes, especialmente os asiáticos”.
As proposições foram separadas em quatro campos estratégicos: formação de recursos humanos, infra-estrutura tradicional e nova infra-estrutura, poder de compra e regulação, e coordenação e investimento. Uma proposta já aprovada na Assembléia Legislativa é a criação da Agência de Competitividade para elaborar ações de política industrial e apoiar a Secretaria de Desenvolvimento na promoção de investimentos.
Recursos humanos
Fernando Sarti ressalta a carência de mão-de-obra qualificada como um problema muito explicitado nas entrevistas. “Uma reclamação é que formamos menos engenheiros por que o país parou de investir. Mas nós da academia respondemos com outra questão: se a carência não se deve ao fato de a indústria, pressionada pelo aumento de custos (notadamente do petróleo e aço) ter feito um ajuste brutal dos salários, inclusive dos engenheiros, que foram atuar em setores como o financeiro, onde se paga melhor”.
Como faltam não apenas engenheiros, mas tecnólogos e outros técnicos, uma proposta é mobilizar recursos do governo para ampliar a disponibilidade destes profissionais oriundos das escolas técnicas de nível médio e superior e das universidades públicas e privadas sem fins lucrativos. A proposta inclui a reciclagem de trabalhadores – inclusive de engenheiros fora da ativa – e o aumento de vagas nas escolas tecnológicas (Fatecs) e nas instituições de ensino superior.
Infra-estrutura
Célio Hiratuka afirma que uma segunda proposição importante se refere à infra-estrutura, tanto a tradicional (como transporte e energia) quanto à nova, que visaria capacitar a indústria focando áreas intensivas em conhecimento. “Sugerimos a criação de centros de pesquisas pré-competitivas em áreas de interesse comum a vários setores industriais. Se uma grande empresa pode ter seu próprio laboratório, as médias de autopeças poderiam testar nestes centros um novo ferramental”.
Fernando Sarti observa que a Embraer dá o exemplo com seu centro de P&D para desenvolver materiais compósitos, materiais metálicos mais leves e fibras de carbono. “Apareceram demandas importantes para o setor aeronáutico, com mudanças tecnológicas envolvendo principalmente novos materiais visando à redução de peso e um enorme aumento da eletrônica embarcada. A Embraer, que é altamente competitiva, sabe que terá de investir recursos nestas inovações”.
Hiratuka inclui neste conjunto de proposições a criação de centros de pesquisa em design. Eles contemplariam principalmente setores mais tradicionais como de calçados, têxtil, móveis, vestuário e de transformados plásticos, ameaçados pela concorrência de produtos baseados em mão-de-obra barata, no caso, os asiáticos. “Também é necessário fortalecer os parques tecnológicos e aperfeiçoar os APLs (arranjos produtivos locais)”.
Poder de compra
Outra área estratégica, na opinião dos professores da Unicamp, está na regulação, com foco no controle de qualidade dos produtos industriais, expandindo os serviços laboratoriais de calibração, metrologia, normalização, etc. Os produtos, segundo a proposição, seriam certificados com um “selo de qualidade paulista”. Esta certificação poderia se estender ao plano ambiental, com um “selo verde”.
Outro instrumento de política industrial, conforme Fernando Sarti, é o poder de compra de um Estado como São Paulo. “Somente a Sabesp fatura R$ 6 bilhões por ano e adquire mais de R$ 2 bilhões em insumos, que vão de cloro a tubulações. A empresa poderia induzir o fabricante a aprimorar a qualidade de um hidrômetro, por exemplo, especificando na licitação a inclusão de um novo display. É um poder a ser estendido para todas as secretarias, estatais e autarquias”.
Por fim, o projeto aponta a premência de um maior nível de coordenação das ações de política industrial, que segundo os pesquisadores encontram-se dispersos em várias secretarias e órgãos do governo do Estado. “Fizemos um diagnóstico da estrutura existente, mas é preciso pensar na estrutura que será condicionada pelos novos investimentos. Não se pode ficar olhando apenas para trás. Este é o grande desafio da política industrial paulista hoje”, diz Fernando Sarti.