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O gene mutante

Pesquisa decorrente de tese orientada no IB é eleita melhor trabalho do Congresso Brasileiro de Cardiologia

LUIZ SUGIMOTO

O pesquisador Rodrigo Gonçalves Dias, autor do estudo inédito: investindo no “rastreamento de genes candidatos” (Foto: Divulgação) O pesquisador Rodrigo Gonçalves Dias é autor de um estudo inédito que vem causando impacto no campo da cardiologia, ao dar conta de que aproximadamente 8% das pessoas apresentam uma alteração no código de um dos genes mais importantes para o bom funcionamento do sistema cardiovascular. Trata-se de uma mutação que resulta na alteração de uma enzima conhecida como eNOS (óxido nítrico sintase), impedindo-a de desempenhar sua função normal, que é de dilatar veias e artérias.

“Este resultado teve grande repercussão por provar que parte das diferenças fisiológicas entre indivíduos é modulada pela bagagem genética que cada um carrega no seu DNA, tornando alguns mais susceptíveis ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares ou, quem sabe, mais sensíveis ou resistentes a determinados medicamentos”, explica Rodrigo Dias. Sua tese de doutorado, defendida no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, foi indicada ao prêmio Eduardo Moacyr Krieger e, posteriormente, escolhida como a melhor pesquisa apresentada no último Congresso Brasileiro de Cardiologia.

Orientado na Unicamp pela professora Marta Helena Krieger, do Departamento de Fisiologia e Biofísica do IB, Dias esclarece que sua pesquisa foi desenvolvida no Instituto do Coração – InCor (HCFMUSP), em São Paulo. Lá foi orientado pelo professor Carlos Eduardo Negrão, diretor da Unidade de Reabilitação Cardiovascular e Fisiologia do Exercício, tendo recorrido também ao Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular, do professor José Eduardo Krieger.

Segundo Rodrigo Dias, com o avanço das técnicas de biologia molecular, a leitura do código do DNA humano tornou-se rotina dentro dos grandes laboratórios de genética. “Dentro deste contexto, a ciência em cardiologia vem investindo no chamado ‘rastreamento de genes candidatos’, ou seja, na identificação de mutações no código de genes que modulam as respostas fisiológicas naturais do sistema cardiovascular.”

O gene da eNOS contém o código específico para a produção da enzima que recebe o mesmo nome. Esta enzima, por sua vez, produz o óxido nítrico, que é o causador direto da vasodilatação. Aproveitando-se da infra-estrutura do InCor, o pesquisador genotipou 1.500 pacientes, identificando a mutação no código deste gene em 8% deles. “É comum encontrarmos ‘letras’ trocadas no código genético, verificando-se pelo menos uma alteração a cada mil letras lidas. No entanto, nem todas as mutações alteram as respostas fisiológicas normais do organismo”.

O ponto principal do estudo de Rodrigo Dias foi a verificação de que, quem apresentava a mutação no código do gene, não vasodilatava de forma normal. “Na seqüência, era importante saber se a vasodilatação deficiente seria conseqüência de uma enzima defeituosa e que não produzia o óxido nítrico em quantidades suficientes. Esta análise exigiu a realização de exames extremamente complexos e invasivos, com a seleção de 33 pacientes com a mutação, mas que eram absolutamente saudáveis”.

O exame, que durava perto de cinco horas, consistia na introdução de um cateter na artéria do braço, para a infusão de compostos que bloqueiam a ação da enzima, e de uma agulha num nervo da perna, para verificação de como o sistema nervoso controla o fluxo sangüíneo nos vasos. “Constatamos que, realmente, a produção do óxido nítrico é deficiente nos portadores do gene mutante. Estes resultados sugerem de forma expressiva que tais indivíduos podem apresentar maior propensão ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares, como hipertensão e infarto agudo do miocárdio”.

Mapa genético
Rodrigo Dias informa que um dos temas mais discutidos atualmente é a medicina genômica. “Ainda teremos que aguardar alguns anos, mas na cardiologia, por exemplo, será possível elaborar um mapa genético apontando quais são os genes – no universo dos aproximadamente 30 mil genes do DNA humano – e suas respectivas mutações com potencial para alterar as respostas fisiológicas naturais do sistema cardiovascular”.

De acordo com o pesquisador, futuramente, um pai levará o filho de um mês de idade ao cardiologista, que irá retirar uma amostra de sangue e solicitar o mapa genético da criança. “A identificação de mutações nos códigos de alguns genes – de um total de 100 previamente identificados e que trabalham na manutenção do sistema cardiovascular –permitirá estimar o risco relativo do bebê desenvolver determinada doença. O alerta poderá resultar na adoção de uma conduta preventiva, com prescrição de uma alimentação saudável e atividades físicas regulares desde a infância”.

Mesmo acreditando que o gene da eNOS seja o mais importante, Rodrigo Dias ressalta que o sistema cardiovascular é modulado por múltiplos genes e que outros precisam ser igualmente estudados. “Seria inconseqüência dar início ao diagnóstico genético a partir da análise de um único gene, ainda que o da eNOS tenha uma participação de mais de 90% no fenótipo analisado. Para fazer ciência de forma correta, é importante ter cautela e aguardar as análises de outros genes. Mas certamente este gene será um dos mapeados e, dentro de poucos anos, minha pesquisa poderá oferecer uma aplicação clínica”.

Repercussão
O estudo de Rodrigo Dias já tinha sido selecionado entre os oito melhores que concorreram ao prêmio do Congresso Brasileiro de Cardiologia de 2006. “Disputamos com trabalhos de altíssimo nível e creio que não vencemos por que a pesquisa ainda não estava concluída, embora já apresentasse resultados interessantes. Agora, pelo que me informou um dos membros do júri, a decisão foi unânime”.

Participante de um dos maiores congressos nos Estados Unidos em abril deste ano, o autor afirma que o interesse por seu trabalho foi grande, levando a duas sessões de apresentação, algo bastante raro no evento. Dias também recebeu convites para iniciar imediatamente o pós-doutorado naquele país, vindos de pesquisadores das universidades da Califórnia e de Illinois, mas sair do Brasil não faz parte dos seus planos neste momento.

Na verdade, Rodrigo Dias já iniciou seu pós-doc no InCor, com uma pesquisa que irá rastrear o genoma de pacientes hipertensos, trabalho bem mais complexo do que o anterior. Impedido de fornecer detalhes por se tratar de um grande projeto temático, o pesquisador revela somente que está envolvido com uma nova tecnologia, capaz de trazer resultados fabulosos, a ponto de tornar mais palpável a idéia do mapa genético.

Para tornar o homem mais veloz

Rodrigo Gonçalves Dias é doutor em biologia funcional e molecular pelo IB/InCor e pesquisador da área de genômica funcional do InCor, mas faz questão de ressaltar sua condição de educador físico, formado na Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp. “O fato de um educador físico ser o primeiro colocado num Congresso Brasileiro de Cardiologia é um orgulho. Aliás, dedico esse prêmio à minha formação básica, a educação física”.

Já no início da graduação na FEF, Dias encantou-se com a área científica e aproveitou a possibilidade oferecida pela Unicamp de atuar em outras unidades para desenvolver pesquisas no IB. Foram quatro anos de iniciação científica no Departamento de Fisiologia e Biofísica no Laboratório de Estudos do Estresse, coordenado pelas professoras Dora Maria Grassi Kassisse e Regina Célia Spadari-Bratfisch. Quando prestou prova para o mestrado, acabou selecionado diretamente para o doutorado, título obtido com a pesquisa desenvolvida no InCor.

Hoje, Rodrigo Dias é considerado um dos maiores especialistas do país em genética, performance física humana e doping genético. Ele explica que os cientistas já vêm identificando genes específicos que podem tornar o homem mais veloz e resistente, sendo que, dentre os quase 200 genes já identificados, alguns já estão cotados para serem usados como doping genético. “Os métodos para a transferência e o bloqueio de genes já estão disponíveis e existem inúmeros laboratórios no mundo com biotecnologia para a aplicação da técnica”, escreveu em artigo para a revista Época.

Em paralelo ao seu projeto principal no InCor, Dias também trabalha com o rastreamento de genes com potencial em influenciar a performance física humana e a boa forma física relacionada à saúde. Por conta do Pan de 2007 e da Olimpíada de Pequim, o pesquisador tornou-se fonte da mídia quando o assunto era o “doping genético”.

“Em termos de resultados, ele não difere significativamente do doping convencional. A manipulação dos níveis de uma substância no sangue, como a testosterona e a eritropoietina (EPO), pode ser feita com o uso da proteína recombinante (droga sintética produzida em laboratório) ou com a ‘transfecção’ de um gene que contenha o código específico para produzir esses hormônios no organismo do atleta”, afirmou no mesmo artigo.

Na opinião de Dias, o que torna o doping genético mais atraente para o atleta de alto desempenho é o fato de uma única aplicação poder resultar em superprodução contínua do hormônio. Outra vantagem seria a possibilidade de introduzir genes em grupos musculares específicos, como das pernas de um jogador de vôlei, oferecendo maior potência no salto. Além disso, a estrutura química do hormônio produzido pelo gene artificial é virtualmente idêntica à estrutura do hormônio produzido naturalmente, o que dificulta sua detecção no antidoping.

Entretanto, segundo Rodrigo Dias, os atletas correm grandes riscos, pois a maioria destes resultados vem de estudos com animais de laboratório e, por isso, o doping genético malsucedido pode trazer conseqüências irreversíveis para humanos. Um exemplo é a droga MYO-029, bloqueador de uma proteína que inibe o crescimento muscular, desenvolvida como esperança para o tratamento da distrofia muscular e que apenas começa a ser testada em humanos, mas cuja utilização por atletas de elite já é tida como inevitável.

 

 
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