Edição nº 537

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 27 de agosto de 2012 a 02 de setembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 537

Médica investiga
degeneração macular
relacionada à idade

Histórico familiar, doenças cardiovasculares,
dislipidemia e sedentarismo são fatores de risco

 

A degeneração macular relacionada à idade (DMRI) é uma das principais causas de cegueira no mundo desenvolvido, acometendo indivíduos com mais de 65 anos. Degenerativa, progressiva e decorrente de condições multifatoriais, ocasiona perda da visão central de um ou de ambos os olhos e afeta a independência do idoso. Entre os vários fatores de risco associados a ela, estão os oculares, genéticos, demográficos, nutricionais, médicos e ambientais. Sobre eles não há estudo sistemático na população brasileira, embora seja importante conhecer o alcance e proliferação desses fatores de risco no Brasil com vistas à adoção de eventuais estratégias de prevenção e diagnóstico precoce da doença. Principalmente quando se sabe que, apesar dos notáveis avanços na terapia da DMRI, o impacto socioeconômico dela e de suas complicações tende a crescer com o sistemático aumento da perspectiva de vida das populações que, segundo o censo de 2010, chega a 73 anos no Brasil. Com o objetivo de identificar os fatores de risco associados ao desenvolvimento e progressão da DMRI em um segmento da população brasileira, a médica Priscila Hae Hyun Rim, da Disciplina de Oftalmologia, do Departamento de Oftalmo-Otorrinolaringologia, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, realizou pesquisa junto a pacientes assistidos no serviço de Oftalmologia do Hospital de Clínicas (HC) da Universidade.

O estudo transversal envolveu 236 participantes com mais de 50 anos, incluindo 141 afetados pelo mal e 96 controles, em que todos foram submetidos a exame oftalmológico completo incluindo fundoscopia, retinografia e angiografia. Os participantes foram ainda submetidos a um questionário para o mapeamento dos fatores demográficos, antecedentes médicos e oculares, histórico familiar de DMRI, estilo de vida, hábitos de tabagismo e etilismo. O trabalho e a tese decorrente foram orientados pela professora Antonia Paula Marques de Faria e coorientados pelo professor Luis Alberto Magna, médicos docentes da FCM.

A degeneração macular relacionada à idade é uma doença que compromete a mácula, região da retina responsável pela visão detalhada, pela percepção das cores, produzindo uma mancha que prejudica a visão central tanto de perto como de longe. Se não diagnosticada precocemente e tratada em tempo hábil, a doença gera prejuízos à qualidade de vida dos pacientes por dificultar a realização de tarefas diárias e até a locomoção. Ela atinge basicamente a retina e a coroide, situada abaixo da retina, que constituem uma das regiões mais importantes do sistema ocular. Com efeito, se a córnea pode ser trocada por transplante e nas cirurgias de catarata o cristalino é substituído por uma lente intraocular, a retina, o nervo ótico e o sistema nervoso central relacionado à visão, uma vez danificados não podem ser recuperados. Se mortas as células nervosas dessa delicada área central de visão, em que se encontram os foto sensores, não há possibilidade de substituí-los.

Para a pesquisadora, essa doença complexa ou multifatorial envolve carga genética e fatores ambientais. Vários genes estão associados a ela e seus portadores têm muito mais possibilidade de desenvolvê-la na velhice. Embora a idade seja uma das causas comprovadas na manifestação da doença, a literatura menciona como fatores de risco a predisposição genética, nos casos de antecedentes familiares, hipertensão arterial, doenças cardiovasculares, obesidade, tabagismo, consumo de álcool, olhos e pele claros, exposição excessiva aos raios solares, dieta pobre em vitaminas, minerais e antioxidantes e sedentarismo. 

O aumento da perspectiva de vida em países desenvolvidos ou em desenvolvimento determina o crescimento do porcentual de idosos e, em consequência, as doenças degenerativas passam a aparecer. Nos estudos epidemiológicos da OMS, a DMRI ocupa o terceiro lugar como causa de deficiência visual, antecedida pela catarata e pelo glaucoma e sucedida pela retinopatia diabética. A catarata se resolve com cirurgia, o glaucoma é controlável com medicação na grande parte dos casos e a retinopatia diabética está atrelada ao controle do índice de glicemia. Restou como inevitável a DMRI. Com efeito, já em 2010, a OMS constatou que nos países desenvolvidos a doença ocupava o primeiro lugar, até porque para ela não há cura, mesmo em países altamente desenvolvidos que dispõem de alta tecnologia e recursos para medicações. No Brasil, os tratamentos caros não são acessíveis à maioria da população.

Fatores de risco

Segundo estimativas, 50 milhões de pessoas no mundo são portadoras da doença que, dependendo da região, atinge de 11% a 30% das pessoas com mais de 75 anos. Devido à sua complexidade, esse estudo não foi ainda realizado em termos de Brasil. Essa dificuldade levou Priscila a estudar os fatores de risco prevalecentes em uma amostra portadora da doença, comparado-os primeiro com  um grupo de controle e depois com os dados da literatura internacional. 

Um objetivo era caracterizar os fatores de risco e outro verificar o que levava a doença a desenvolver-se nos seus vários estágios de graduação, que vão da forma mais branda a mais agressiva. Na realidade, existem cerca de 70 fatores de risco descritos na literatura, mas a pesquisadora se ateve aos mais frequentemente associados à doença. Com base em entrevista pessoal com cada paciente, ela comparou os dois grupos quanto a antecedentes familiares, presença de doenças cardiovasculares; colesterol ou triglicérides alterados; sedentarismo; índice de massa corpórea; realização de cirurgia de catarata; cor da pele; cor da íris; uso do tabaco e de bebidas alcoólicas; tempo de exposição solar;  hipertensão arterial sistêmica; presença de diabetes; tipo de dieta; e consumo de antioxidantes, entre os quais as vitaminas C, E, A e zinco, que exercem efeitos benéficos para a saúde em geral.
Priscila explica: “A partir da verificação da preponderância dos fatores de risco no universo estudado, pretendia propor medidas preventivas que pudessem ser aplicadas com a finalidade de evitar a progressão das formas leves da doença ou mesmo a sua instalação”. Acrescenta ainda que é em relação aos aspectos multifatoriais que o estudo adquire maior importância, porque os pacientes podem evitar a progressão da doença controlando a pressão arterial, adotando dieta menos calórica, eliminando o fumo e o álcool e tudo que possa contribuir para diminuir as complicações cardiovasculares.

Se em relação à carga genética nada pode ser feito, resta atuar em relação aos fatores subjacentes como estilo de vida, controle de doenças, sem desconsiderar o diagnóstico precoce, mesmo porque existem certos formas de DMRI incontroláveis se descobertas tardiamente. Por esta razão, a médica adota como uma das metas do estudo o diagnóstico precoce.
Identificados os fatores de risco que mais afetam uma população suscetível à doença, a partir de uma determinada idade, os indivíduos com antecedentes familiares devem ser submetidos a um exame fundoscópico anual. Mas toda a população, a partir de uma certa idade, deve ser submetida preventivamente a exames de fundo de olho, como já ocorre de certa forma em relação a outros males que podem afetá-la como hipertensão arterial e diabetes.

Em relação aos fatores de risco, a pesquisadora procurou comparar a população brasileira com a de outros países, face às diferenças de hábitos e de etnias. Por exemplo, os indivíduos de pele branca, os chamados caucasianos, e os de olhos claros têm mais chances de desenvolver a doença, devido à radiação solar. As estatísticas internacionais mostram também que 30% dos portadores da doença entram em depressão e 60% revelam dificuldades na vida diária, como caminhar sem companhia ou dirigir veículos.

O predomínio da baixa renda na população pesquisada a impede de chegar a tempo para tratamento, que por sua vez, nem sempre é barato. Apesar de apenas 10% dos portadores serem acometidos pela modalidade neovascular, associada à formação de vasos indevidos, 90% da cegueira provocada pela doença provém deles. Mas, mesmo para esses casos, existe um tratamento relativamente recente, em que uma injeção intraocular aplicada no tempo devido pode levar a resultados positivos. Essa medicação inibe a formação dos vasos e atrofia os que se formaram, mas tem custos altos.

Para os casos menos graves, o emprego de determinados antioxidantes e a mudança de hábitos conseguem evitar a progressão da doença em 25% dos casos ou até reduzir a velocidade da progressão. A pesquisadora considera que, depois de determinados os polimorfismos no DNA da população brasileira, estudo a que se dedica atualmente, os filhos dos pacientes poderão ser orientados em relação aos fatores de risco e a exames periódicos quando atingida certa idade. Mas ela considera ideal um exame de fundo de olho rotineiro em todos os indivíduos acima de 50 anos que chegam a um consultório oftalmológico.

Conclusões

Considerando o desenvolvimento e a progressão da DMRI na amostra estudada, Priscila Rim afirma que idade, história familiar positiva, doenças cardiovasculares, dislipidemia (alteração dos níveis sanguíneos de colesterol e/ou triglicérides) e sedentarismo constituem os principais fatores de risco. Indivíduos com antecedentes de doenças cardiovasculares apresentaram risco aumentado no desenvolvimento da forma avançada da DMRI e a hipercolesterolemia mostrou-se predominante naqueles com a doença na fase inicial.

Ela constatou que mais de 70% dos afetados tinham a forma avançada da doença e 52 deles apresentavam visão subnormal (19%) e cegueira (33%). Nesse grupo, tipo de alimentação, uso de antioxidantes, etilismo, tabagismo e exposição solar não foram associados significativamente ao desenvolvimento ou à forma de DMRI.

A pesquisadora entende que as doenças cardiovasculares e a DMRI na forma avançada aparentemente apresentam vários fatores de risco em comum e poderiam ser prevenidas conjuntamente por meio de programas de promoção da saúde do idoso, envolvendo combate a fatores como hipertensão arterial, diabetes, obesidade (alto IMC), tabagismo, etilismo e maus hábitos alimentares, embora isoladamente esses fatores não fossem estatisticamente significativos no estudo realizado.

 

Publicação

Tese: “Degeneração macular relacionada à idade: estudo dos fatores de risco em uma população brasileira”
Autora: Priscila Hae Hyun Rim
Orientadora: Antonia Paula Marques de Faria
Coorientador: Luis Alberto Magna
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)

Comentários

Comentário: 

Excelente artigo. Poderia no entanto ser escrito em linguages : acessível ao universitário, ao estudante, ao funcionário e à comunidade .

mcamorosolima@gmail.com

Comentário: 

Parabéns a Dra Priscila pelo trabalho desenvolvido. Interessante perceber os fatores de risco e tentar evitá-los, uma vez que, após a lesão tecidual não existe meio de reparação celular.

Comentário: 

Parabéns à Priscila e seus orientadores pela pesquisa realizada sobre um tema tão relevante para a saúde no Brasil e no mundo.
Precisamos de pesquisas como estas para atuar na prevenção da doença e contribuir para o delineamento de programas de saúde pública.
Minha avó possui DMRI avançada, caso precisem de mais voluntários para a pesquisa.

nfmarconi@gmail.com