Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 27 de agosto de 2012 a 02 de setembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 537Na maré
da troca e da cooperação
Projeto do artista residente Ernesto Bonato é finalizado com exposição
Ernesto Bonato resolveu deixar de dar aulas há alguns anos, após longo período de docência, porque não estava mais satisfeito com o modelo tradicional de aprendizado. Ele vislumbrava a possibilidade de tornar mais próximos ensino e pesquisa, exatamente o que faz o Programa de Residência Artística da Unicamp, para o qual foi o convidado nos últimos dois semestres. Bonato levou a proposta do programa quase ao pé da letra, transferindo seu ateliê para o Instituto de Artes (IA). Chegava todo dia para trabalhar às 9 da manhã, saía às vezes depois das 10 da noite.
“A ideia não foi dar um curso ou aulas expositivas porque essa experiência os alunos já têm normalmente com os professores, mas oferecer outra situação de trabalho, mais aberta”, salienta. Dessa forma, pensa Bonato, um artista com mais experiência trabalha ao lado de artistas mais jovens em um ambiente de cooperação e de troca. Foi o que aconteceu ao longo do último ano. Com o ateliê aberto a qualquer um que se interessasse em participar ou somente observar, Bonato construiu uma relação com os alunos. Alguns deles produziram gravuras que também integram a exposição “Maré”, montada na Galeria de Arte da Unicamp, como encerramento do trabalho do artista residente na Unicamp.
No dia a dia, o trabalho no ateliê era dividido da seguinte forma: pela manhã Bonato se dedicava à gravura e à gravação de matrizes, além do desenho. As tardes eram reservadas também ao desenho e à pintura. No período da noite, para quem visitasse o ateliê, o tempo era consumido apenas com a pintura. “O contato intenso que os estudantes puderam ter com o trabalho foi muito interessante, especialmente pela imersão em determinadas técnicas que durante a graduação não é possível. Nesse caso, eles puderam se aprofundar em uma expressão mais autêntica. O programa propõe isso”, afirma.
Além da presença constante de um grupo de estudantes, a frequência de alunos no ateliê não foi pequena. Em um registro de visitação, há mais de mil assinaturas. A seleção dos alunos que participam da exposição foi feita naturalmente, segundo Bonato. “Ficaram os que persistiram, aqueles que se identificaram com o trabalho”. Wagner De Santana Silva foi um deles. “Para mim foi e é um grande aprendizado vivenciar o dia a dia do ateliê, desde os fundamentos de qual material usar e como, até receber a atenção do Ernesto, acompanhando nossa evolução”.
A experiência remonta o antigo aprendizado da arte, que se dava somente nos ateliês. “Só muito recentemente o aprendizado da arte passou a se dar na escola. Nosso modelo vem da universidade francesa e de um pensamento mais teórico do ensino”, esclarece o artista. De acordo com ele, a aproximação entre ensino e pesquisa possibilita que as descobertas sejam feitas com a contribuição dos estudantes. “O frescor e a ingenuidade dos mais jovens, às vezes, trazem soluções que os mais experientes não ousariam pensar. Na pesquisa, isso é importante”. No lugar da transmissão do conhecimento, o artista residente fala em construção do conhecimento.
Para o aluno Deni Lantzman, que também participa com gravuras próprias na exposição, a coincidência de ter nascido no mesmo bairro paulistano do Atelier Piratininga, que tem Bonato como co-fundador, não é mero acaso. “Eu já admirava o trabalho do Ernesto, então aproveitei a oportunidade. O meu trabalho não era tão consistente como é hoje, me ajudou muito. E, para nós, é importante participar de uma exposição grande como essa”.
Maré
“Maré.01” é composta por três impressões diferentes da mesma gravura homônima, cada uma com 1 x 4 metros. Os estudantes só não participaram do processo de concepção da obra, que é de autoria de Bonato. “Trabalhei no começo em duas frentes: gravando as matrizes do projeto Maré e preparando os estudantes para me ajudarem depois. Isso demandou muitos meses. Quando estavam aptos, participaram no final da gravação e, sobretudo, na impressão. Claro que cada um colocou o seu gesto ali. Deixou sua marca”, diz o artista.
Bonato traz para as gravuras imagens que aparecem no trabalho dele há pelo menos uma década: da água. “Até o momento que eu fiz uma foto de água e vi que essa imagem poderia representar o que eu sinto. Foi uma coincidência eu ter chegado nessa imagem, poucos meses antes de eu vir para a Unicamp”. A partir de uma foto, Bonato teve a intenção de atribuir à imagem uma qualidade diferente daquela encontrada em uma ampliação fotográfica comum. Nessa perspectiva, o projeto nasce no âmbito da fotografia e vai buscar a gravura para se realizar. “Queria que a ampliação da fotografia se desse manualmente, incorporando a matéria da madeira, por isso a escolha da xilogravura. A imagem é gravada na madeira e depois é impressa no papel”.
Embora o compromisso de Bonato com a Unicamp tenha se encerrado, o projeto ainda deve continuar com o envolvimento dos alunos. O processo de gravação das matrizes será feito até a obra triplicar de tamanho. “Nós terminamos o período na Universidade com algo real, um trabalho que chega realmente a um resultado consistente, não apenas um exercício de sala de aula. Isso coloca o ensino em outro patamar”, observa.
Serviço
Exposição: Maré.01
Artistas: Ernesto Bonato, Adeise Pinez, Carol Vergotti, Deni Lantzman, Dio Pinez, Isabelle Cedotti, João Paulo Marques, Roger Soler e Wagner De Santana Silva
Quando: até 5 de setembro
Local: Galeria de Arte da Unicamp
Horário: Dias úteis, das 8h30 às 17h30