Edição nº 537

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 27 de agosto de 2012 a 02 de setembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 537

Música
com 'aroma'


 

Alex Steinweiss tinha 89 anos quando recebeu a visita de um pesquisador que veio de longe. André havia combinado a entrevista por carta simples, enviada do Brasil. Dia e horário foram acertados por telefone e o local teria que ser o Assisted Living, na cidade de Sarasota, Flórida, onde Steinweiss acompanhava a mulher no tratamento para a doença de Alzheimer. Quando abriu a porta, estavam frente a frente, vestindo camisas da mesma cor. Aquele rapaz mais alto, de fala pausada, parecia ávido pelas histórias do artista. Fazia mestrado em Educação, Arte e História da Cultura, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, e tentava controlar a ansiedade pelo feito: entrevistar o designer gráfico considerado o inventor das capas de disco. A conversa começou na casa de apoio, se estendeu para o ateliê, na residência de Steinweiss, que ficava em um bairro próximo, e terminou em jantar em um restaurante chinês. Em 2011, cinco anos depois do encontro, Steinweiss morreu.

André Novaes de Rezende defendeu o mestrado logo na volta para Brasil. Ele investigava a representação da figura do sambista malandro nas capas de discos e a entrevista se transformou em um anexo, por pura falta de tempo. Era muito desperdício. Um integrante da banca disse o que parecia óbvio: o anexo deveria ser o ponto de partida para uma tese de doutorado. E assim foi feito. “No Caminho das Pedras Brancas: Alex Steinweiss e o processo de fundamentação de um paradigma para o projeto de capas de discos” procura não só descrever a obra do artista e resgatar a importância de Steinweiss para história da indústria fonográfica, mas, para além disso, propor um resgate dos diversos fatores que contribuíram para que Steinweiss se tornasse um pioneiro no design do segmento.

Para fazer a coleta de dados, André conseguiu uma bolsa Capes e pesquisou durante um período na Universidade de Yale, em Connecticut, sob supervisão de Sheila Levrant, de Bretteville. Na Unicamp, foi orientado pelo docente Edson do Prado Pfützenreuter, do Instituto de Artes (IA).

Já na época da entrevista, Steinweiss se surpreendeu com a visita do brasileiro. O designer era pouco lembrado em seu país e muita gente sequer sabia que ele ainda estava vivo – com exceção do pessoal da editora especializada Taschen, que concluía a edição de um dos livros a respeito da vida dele. E André, que percorre o caminho de Stein (pedra em alemão) Weiss (branca) ao longo do doutorado. A entrevista foi carne e espírito da tese. “Steinweiss foi um divisor de águas em uma área que acaba unindo música e design gráfico”, afirma o pesquisador.

Não é difícil entender o motivo da consideração. Até 1938 havia um padrão gráfico para as capas de discos de 78 rotações por minuto. Sobre um fundo pardo, as informações eram impressas na capa por tipografia, da mesma forma como ocorria em publicações de jornais e revistas. Mesmo nas lojas, a forma de armazenar os discos era diferente do que ainda hoje costumamos ver. Os discos eram colocados em estantes e exibiam apenas as lombadas, como se fossem livros. O consumidor não comprava nada com os olhos, mas fazia suas escolhas apenas conforme o gosto musical.

Entre a Grande Depressão e o início da Segunda Guerra Mundial, os donos da companhia CBS decidiram reabrir a Columbia Records.  Steinweiss era a pessoa certa no lugar certo, reafirma André. Era um jovem que passava a integrar uma das primeiras turmas dos grandes designers norte-americanos, tais como Paul Rand e Lester Beall. O grupo respirava a arte da vanguarda europeia por meio dos artistas que migraram para os Estados Unidos.

Steinweiss foi contratado como diretor de arte da Columbia. Ele compara as antigas capas da gravadora com lápides de uma sepultura. Este seria o motivo pelo qual a venda de discos não se desenvolvia como esperado, comenta André. Logo Steinweiss propõe a renovação do projeto gráfico. “Para não ser tão categórico, a RCA Victor e a Deca fizeram algumas tentativas de capas ilustradas, mas sem sucesso”, explica. A Steinweiss foram oferecidas cinco tentativas para “emplacar” suas ideias.

“O processo de impressão tipográfica também possibilita o uso de imagens, mas prioriza o uso de cores uniformes. São confeccionados clichês ou placas gravadas em relevo, correspondentes às diferentes cores pretendidas. Durante a impressão, cada clichê imprime uma cor e a sobreposição de cores resulta na composição final”, esclarece o autor da tese. Para André, este foi o “pulo do gato” de Steinweiss: tirar proveito de uma tecnologia que já existia.

A capa da sinfonia Eroica, de Beethoven, de 1943, foi a que o consagrou definitivamente. Trazia um chapéu que lembrava o de Napoleão e um bilhete de oferecimento da obra “a um grande homem”. As vendas desse disco dispararam, chegando a 900% a mais que a edição com a capa anterior. Com isso, mais discos foram sendo tirados da prateleira e levados para a vitrine.

Conhecimento histórico

Steinweiss só pôde trazer para a capa essas referências por causa de seu amor pela música, que era anterior a qualquer ambição profissional, sugere André. Ele conhecia as histórias, os autores, as peças. “Tinha um acúmulo de conhecimento histórico que possibilitou que ele extraísse elementos simbólicos e arquetípicos para gerar imagens que fossem imediatamente identificadas pelo público ou que instigassem o consumidor a entrar em contato com esse material”, acrescenta.

George Gershwin, nascido no bairro do Brooklin, é representado na capa pela imagem do skyline novaiorquino e o piano em primeiro plano. Uma obra de Prokofiev, que é um compositor moderno, faz alusão à desconstrução de pintores cubistas. La Traviata, de Verdi, relaciona a personagem Violetta com “A Dama das Camélias”, de Alexandre Dumas.
As composições visuais dependem de estratégias adotadas em diferentes períodos que se complementam muitas vezes, como salienta o pesquisador. “As fases não cessam, mas se sobrepõem. Tentei fazer um apanhado por tipo de solução empregada e em qual período ele se dedicava a esse tipo de solução”.

Em um primeiro momento, as composições exploram elementos centrais, o fundo é predominantemente neutro. Depois, Steinweiss começa a criar espaços constituídos por perspectivas, ocupa todo o plano, transforma o fundo em mais um cenário. No terceiro momento são incorporados elementos externos (o chapéu de Napoleão, por exemplo) e metáforas.

André destaca uma capa que é a do disco Blues by Basie, de Count Basie. “O artista brinca com a palavra blues, pintando a mão que aparece na capa de azul e fazendo com que ela ‘caminhe’ sobre uma calçada no formato de teclas de piano”. Outra estratégia observada, ainda neste mesmo disco, é a utilização de elementos em escala reduzida que exigem um segundo momento de atenção. “Há uma placa onde está escrita a palavra Lenox, que é a rua da casa noturna onde ocorriam as batalhas das big bands, ou seja, ele cria dois graus de impacto sendo que o segundo nível é um passo além no sentido de contextualizar historicamente a composição da capa”.

Durante a entrevista a André, o próprio artista faz o seguinte comentário referindo-se a uma capa de uma sinfonia de Sibelius: “Este é Sibelius. Sibelius veio de um país frio, a Finlândia. E aqui está uma sugestão da bandeira da Finlândia. E, claro, água, gelo e árvores. É isso o que você tem que fazer. Se você não pode mostrar a música, você proporciona o ‘aroma’ da música”.

Na contramão da maioria dos artistas gráficos de seu tempo, a obra de Steinweiss não investe no abstrato. “Os outros designers que tiveram uma formação de vanguarda exploram mais a divisão racional do espaço, as famílias tipográficas que conversam com as formas geométricas e orgânicas. Steinweiss mantém o vínculo com a mensagem embutida, que seria o canal pra se comunicar com o consumidor”. Apenas no final do período de gala na Columbia, ele assume para seu trabalho elementos abstratos.

Quando a tecnologia evoluiu e os discos de 78 rotações se transformaram em long-plays, o designer também foi o responsável tanto pela criação da nova “embalagem” dos discos, que substituiu os álbuns, como pelo logotipo que perdurou com as letras “LP”.

Capa cartaz

Nas conclusões, o trabalho de André lança mão das teorias de Abraham Moles, para quem “o cartaz, como a poesia, sugere mais do que diz”. André identifica nas capas de Steinweiss os mesmos aspectos que garantem a eficiência comunicativa de um bom cartaz. E mais uma vez aqui, a formação de Steiweiss é evidenciada, uma vez que o artista foi aprendiz daquele que foi, segundo o autor da pesquisa, um dos maiores cartazistas da Europa, o austríaco Joseph Binder.

A partir da segunda metade do século 20, Steinweiss foi deixando a indústria fonográfica. Com a emergência do rock, as impressões em offset também foram padronizadas porque as gravadoras precisavam estampar na capa o rosto dos artistas em composições fotográficas. “Um pouco por desilusão, um pouco por falta de tato com a nova realidade, o Alex sai do mercado na década de 60”, afirma André. A tese contribui com o legado do artista e responde à principal questão proposta pelo autor: por que o trabalho de Steinweiss foi paradigmático?

 

Publicação

Tese: “No Caminho das Pedras Brancas: Alex Steinweiss e o processo de fundamentação de um paradigma para o projeto de capas de discos”.
Autor: André Novaes de Rezende
Orientação: Edson do Prado Pfützenreuter
Unidade: Instituto de Artes (IA)
Financiamento: Capes

Comentários

Comentário: 

A tese " No Caminho das Pedras Brancas: Alex Steinweiss e o processo de fundamentação de um paradigma para o projeto de capas de discos” deveria ser publicada a meu ver. A tese está digitalizada?

mcamorosolima@gmail.com

Comentário: 

Parabéns André! Fiquei com vontade de ler TUDO!!!

Comentário: 

Andre, sua tese trouxe,além de conhecimentos valiosos,um toque muito seu, muito verdadeiro...Escrito com a sobriedade e modéstia que lhe são próprias mas com uma criatividade ímpar.Seu trabalho me tocou!Parabéns!

snrezende@yahoo.com.br