Edição nº 623

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 27 de abril de 2015 a 10 de maio de 2015 – ANO 2015 – Nº 623

A era dos extremos


Escombros e casas destruídas depois da passagem de tornado na cidade catarinense de Xanxerêpequena ilustracao de uma torneira e o personagem do jogo come-comeNos últimos 14 meses – entre outubro de 2013 e fevereiro deste ano – o Estado de São Paulo assistiu à pior seca já registrada desde que começaram os registros meteorológicos no Sudeste brasileiro, há mais de  80 anos, disse ao Jornal da Unicamp o climatologista Carlos Nobre, atual diretor do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. “Só para dar uma ideia, de outubro de 2013 a março de 2014, choveu cerca de 50% do que deveria ter chovido nesses seis meses”, declarou. “De outubro de 2014 ao final de março de 2015 choveu 75% do que seria esperado. E 25% abaixo da média ainda é bem seco, mas muito diferente da mega seca que foi há um ano”.

Nobre participou da elaboração de vários relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas, que avaliam as causas e impactos do aquecimento global. Ele explica que a relação entre a mudança climática, em curso atualmente no mundo, e fenômenos extraordinários específicos, como a recente seca paulista, é mais complexa do que uma simples ligação linear entre causa e efeito. “Não é bem assim, não é tão simples”, adverte.

“Não dá para afirmar que, sem a mudança climática antropogênica, esta seca, possivelmente a maior em 100 anos, não teria acontecido”, disse ele. “Não se pode afirmar, categoricamente, que não haveria a seca se o planeta não tivesse aquecido.”

O que a mudança climática faz – “e fará cada vez mais no futuro”, de acordo com o pesquisador – é exa-cerbar a variabilidade natural e aumentar a frequência dos fenômenos climáticos extremos. 

 “Uma seca como essa que afligiu São Paulo em 2014 é um fenômeno muito raro. Vamos supor que pudéssemos dizer que isso acontece, naturalmente, uma vez a cada 100 anos”, disse. “O que a mudança climática faz, e fará mais ainda no futuro, é diminuir esse período de recorrência. Não sabemos qual a diminuição ainda, precisamos estudar muito. Mas podemos dizer que eventos dessa natureza, que eram muito raros, vão acontecer com mais frequência, nos extremos com menos ou com mais chuvas”, explicou. “É isso que mudança climática faz: havia uma certa variabilidade de fenômenos extremos muito raros, e de repente, por conta da mudança climática, começam a ficar mais frequentes”.

Esse aumento da frequência torna os eventos extremos mais prováveis ao longo do tempo. Além disso, a mudança climática pode, também, intensificá-los. “Vai acontecer mais vezes, e pode até acontecer com intensidade maior, talvez até com intensidade nunca registrada”, disse, lembrando a seca sem precedentes em São Paulo. “Não se pode dizer que o fenômeno extremo só passou a acontecer como resposta direta ao aquecimento”, reiterou. “O que se pode dizer é que o aquecimento vai mudar a natureza probabilística desses extremos climáticos do ciclo hidrológico e vai torná-los mais frequentes”.

 

Ilhas de calor

Especificamente na cidade de São Paulo, explica Nobre, o efeito climático dominante é o da ilha urbana de calor, gerado pelo crescimento e adensamento de mudança da cidade, com a eliminação de áreas verdes e a impermeabilização do solo. A temperatura média global à superfície elevou-se em 0,8º C desde a revolução industrial. “Mas em São Paulo, nos últimos 70 anos, subiu entre 3º C e 4º C, em média”, disse o pesquisador. 

O climatologista Carlos Nobre“Dependendo do lugar - tomando, como exemplo, um dia ensolarado da primavera, sem nuvens - a diferença entre a temperatura da periferia de São Paulo e a do centro pode chegar tranquilamente a 6º C, 7º C”, acrescenta. “Nesse caso, no centro de São Paulo, o aquecimento urbano, da ilha urbana de calor, já saturou. No entanto, à medida que a cidade vai se urbanizando, vai se concretando, há mais pavimentação e o desaparecimento da vegetação, esse efeito vai cobrindo uma área maior, vai crescendo como uma bola”.

De acordo com os cenários do IPCC, se nada for feito para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa nas próximas décadas, as temperaturas médias globais poderão chegar (no ano de 2100) de 3º C a 4º C acima dos níveis pré-industriais. “Na região do Estado de São Paulo, haveria uma elevação de 3º C, 3,5º C. 

O impacto no Brasil central seria de 4º C, 5º C e o impacto na Amazônia em 5 º C, 6 º C” enumera Nobre. “Isso é o que a maioria dos cenários indica, no caso de continuarem aumentando as emissões”.

No melhor cenário, caso sejam tomadas medidas para impedir a subida de mais 2ºC na temperatura média global, acima dos níveis pré-industriais até 2100, a temperatura no Estado de São Paulo subiria da ordem de 2º C. 

“Mas como já subiu 0,8º C, nós temos ainda, nesse cenário benigno, 1,2º C para chegar nesse marco simbólico de 2º C”, disse Nobre. “Para isso, temos que chegar a emissões de gases de efeito estufa negativas em 2100. Quer dizer, tirar o dióxido de carbono (CO2) da atmosfera”.

 

Chuvas

O pesquisador lembra que não é possível prever como serão os próximos verões em São Paulo, se secos ou chuvosos. “Cientificamente, não há previsibilidade, com alto grau de acerto, para além de poucos dias. O que dá para dizer numa escala de décadas, de um século, que a cidade vai estar mais quente”, disse. “E a ilha urbana de calor traz um aumento da chuva. Chove em São Paulo, hoje, 30% a 35% mais do que chovia há 80 anos. Isso é um efeito direto da ilha urbana de calor.” 

Numa perspectiva mais geral, para o Estado ou a região Sudeste como um todo, os cenários de longo prazo do IPCC indicam uma pequena modificação no volu-me de chuvas, mas sem sinal claro. “Alguns cenários mostram uma tendência à pequena diminuição das chuvas. Outros, uma pequena elevação. O Sudeste é uma região de transição”, explica. “Lá no Nordeste, os mo-delos indicam uma diminuição da chuva. No Sul e em parte da Argentina, um aumento das chuvas. O Sudeste ficou no meio, num lugar onde o sinal é positivo ao sul e negativo ao norte. Há uma situação de maior incerteza”. 

“Mas não se prevê uma mudança climática com maior volume de chuvas, a longo prazo. Então, não vai virar um deserto”, acrescenta. “O que muda é a natureza das chuvas. Deve-se gerar maior número de dias com pancadas fortes de chuvas e, igualmente, maior número consecutivo de dias secos”.

 

Adaptação

O aumento na variabilidade do clima e na probabilidade de fenômenos climáticos extremos já está exigindo esforços de adaptação por parte dos agentes públicos. “A cidade tem que ter uma preparação para esse novo cenário. E tem que se adaptar rapidamente, porque ele já está acontecendo”, alerta Nobre. “Não é para daqui a 20, 30, 50 anos”. 

“Já estamos vivendo uma situação de grande mudança nos regimes climáticos”, disse. “Portanto, toda a infraestrutura e a estrutura de abastecimento de água têm que levar em consideração essa variação, colocando em ação uma série de mecanismos de aumentar resi-liência”. 

Como exemplo de ação uma necessária, cita o reflorestamento das bacias dos rios. “Isso é muito importante, tanto para melhorar a qualidade da água e aumentar a vida útil dos reservatórios, como também para moderar os picos de inundação. O reflorestamento ajuda a redistribuir a água, com menos vazão na época de chuva e mais vazão na época seca do ano”, explica. “Só estou dando um exemplo de uma atividade típica de adaptação à maior volatilidade climática. Outro caso muito concreto - e que todos estão sentindo, paulistanos e paulistas - é a crise hídrica”.