Edição nº 623

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 27 de abril de 2015 a 10 de maio de 2015 – ANO 2015 – Nº 623

Pastagens recuperadas = mais água no Cantareira

Melhorias em pastos diminuiriam em até 70% taxa de sedimentação no Sistema, aponta pesquisa

Pastagens em represa do CantareiraA mera recuperação das pastagens degradadas que existem na área do pequena ilustracao de uma torneira e o personagem do jogo come-comeSistema Cantareira já poderia ter um impacto significativo na qualidade e na disponibilidade da água produzida ali, reduzindo a taxa anual de sedimentos que chegam aos rios e córregos em até 70% do que é observado atualmente. Esse resultado é superior ao que poderia ser obtido com a manutenção das pastagens ruins associada à recomposição da mata ciliar, que traria uma queda na taxa de sedimentos de apenas 25%. Já a combinação entre recomposição da mata e melhora nas pastagens faria o assoreamento anual também cair em até 70%, mas traria o benefício adicional de aumentar em 44% a cobertura florestal nas Áreas de Proteção Ambiental de corpos d’água do sistema.

Essa análise faz parte da tese de doutorado “Custo efetividade na conservação de serviços ecossistêmicos: um estudo de caso no Sistema Produtor de Água Cantareira”, defendida por Oscar Sarcinelli no Instituto de Economia (IE) da Unicamp. Na relação entre custo e efetividade – que busca medir os ganhos de qualidade ambiental, visando a produção de água, em relação aos custos dos investimentos necessários –, o cenário de recuperação das pastagens, sem recomposição da mata, foi o que se mostrou mais promissor. 

Na tese, o pesquisador comparou os custos financeiros e os benefícios ambientais, principalmente para a questão da água, de três cenários: recomposição da mata ciliar; recuperação das pastagens; e uma combinação de ambos.

“O professor Ademar sempre brinca que o melhor desenho seria a gente conseguir reflorestar todo o Cantareira”, disse Sarcinelli ao Jornal da Unicamp, referindo-se ao professor o IE Ademar Romeiro, orientador de sua tese. “Mas há as circunstâncias socioeconômicas da região, a necessidade da população que está lá ter uma forma de se desenvolver, de usar das pastagens”. 

O chamado Sistema Produtor de Água Cantareira compreende uma área total de drenagem de 227,8 mil hectares, e é considerado um dos maiores sistemas de abastecimento de água para consumo humano do mundo. É formado por cinco reservatórios interconectados, e provê água para mais de 13 milhões de pessoas, na região metropolitana da capital e no interior do Estado. Cerca de 42% da área é coberta por florestas, remanescentes da Mata Atlântica. As pastagens ocupam quase 38% do total. O restante se divide entre plantações comerciais de eucalipto (11%) e zonas urbanas (4%), além da área tomada pelos reservatórios propriamente ditos.

 

PASTO E MATA CILIAR

O Sistema Cantareira tem 37,4 mil hectares de Área de Proteção Permanente (APP) que, de acordo com a lei, deveriam estar ocupados com mata ciliar. Na realidade, porém, só 54% dessas áreas, pouco mais de 20 mil hectares, seguem preservadas. Os 46% restantes estão tomados por atividade humana, principalmente pastagens.

“A floresta protege o solo da erosão e faz com que uma boa parte da água da chuva se infiltre. E ao se infiltrar, a água embaixo da floresta vai lentamente percolando, vai alimentar os lençóis freáticos, e depois essas águas vão verter justamente para as represas, de maneira que quando não estiver chovendo mais, na época seca, tem água subterrânea que continua fluindo para as represas”, disse o orientador da tese, Ademar Romeiro, explicando o papel da mata como provedora de serviços ecossistêmicos – no caso, da água que vai para os reservatórios do Cantareira. “Então, quanto mais floresta houver, mais água estará disponível no período das secas, porque ela se infiltrou mais no período das chuvas. Principalmente por esta razão é que a floresta é um produtor de água”.

O professor Ademar RomeiroRomeiro lembra, no entanto, que a área coberta de pastagem também pode fornecer esse serviço ecossistêmico de produção de água. “Mas, atualmente, não fazem isso. Porque as pastagens estão todas degradadas. O que isso quer dizer? Pastagens ralas, sem cobertura, o capim muito pouco, muito ralo, de maneira que a água não é infiltrada”, afirma. “A água que cai sobre as pastagens na região praticamente não se infiltra, corre direto, produzindo erosão, sujando a água das represas, portanto aumentando o custo de tratamento, e o excedente da água se perde”. 

Na elaboração da tese, Sarcinelli ouviu dos pecuaristas os motivos que alegam para avançar sobre as faixas de preservação nas beiras de rios e nascentes. “Nas entrevistas, o que eles dizem é que as propriedades são pequenas, com pastagem extensiva. Ou seja, mesmo que seja um minifúndio, a relação de unidade animal por hectare é muito baixa. Então, eles falam que falta pasto, por isso ocupam as áreas de preservação”. 

Romeiro acrescenta: “Nas áreas onde, por razões econômicas e sociais, a pastagem deve permanecer, porque é o meio de vida de pessoas, ela pode ser manejada, tratada, com manejos de pasto, de maneira que o pasto fique realmente com volume grande de capim, que proteja o solo da erosão e infiltre a água também”.

 

DEMOGRAFIA

Oscar Sarcinelli, autor da teseMudar o estilo da pecuária, para uma prática mais intensiva, que não requeira tanta área, poderia ser uma opção, mas enfrenta resistências. Sarcinelli menciona a falta de apoio técnico e financeiro para a adoção de procedimentos mais sofisticados. Já Romeiro lembra que a idade média do pecuarista na região da Cantareira é alta, o que gera uma dificuldade demográfica. “A intensificação, o manejo melhor, aumenta muito a produtividade, mas exige uma atenção maior, dá mais trabalho. Essa disposição para intensificação é que é um problema, eu diria que é um problema, porque os jovens não querem ficar no campo”.

O “custo de oportunidade” para um jovem se manter numa atividade rural na Cantareira – sendo que tem a metrópole muito próxima – é alto, aponta o orientador.  “Então eu diria, qual a disposição dos jovens, que já existem em menor número por conta da mudança na demografia do país, de se manterem como agricultores? A minha avaliação pessoal é de que é zero”.

 

EXEMPLOS

O orientador ressalva que, embora a recuperação dos pastos, sem recomposição da mata, possa ser útil em termos ambientais e eficiente no diz respeito aos custos, a estratégia mais completa – que envolve o resgate tanto das pastagens quanto da floresta no entorno dos cursos d’água – “é barata, é muito barata”. 

“Se considerar a arrecadação da Sabesp, sai muito barato”, disse ele, referindo-se à Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo. O custo estimado de implantação desse sistema completo de recuperação ambiental, de acordo com a tese, é de R$ 580 milhões. “E não é R$ 580 milhões todo ano, é para implantar, depois tem só um custo de manutenção”, acrescentou. “Além disso, pela lei, que já existe há muitos anos, há a cobrança pelo preço da água. A água tem um valor. Não é só o custo de tratamento, captação e distribuição. A água tem um preço. E esse preço ainda não é bem calculado, é mais simbólico”. 

Romeiro diz que já existem estudos que mostram que a população, ao menos na região de Campinas (SP) aceitaria pagar mais pela água. “É algo assim, de 1 real a mais na conta da população que pagaria isso tranquilamente. Então, não se faz isso por inação dos poderes públicos, que nessa crise da água ficou evidente”, criticou. 

Romeiro cita o caso da cidade de Nova York, que há décadas adotou um programa de ajuste do uso e ocupação do solo em sua área de mananciais, localizada nas montanhas Catskill. “Nova York, empiricamente, fez esse ajuste para ter água limpa em quantidade”. Num exemplo mais próximo, menciona o município de Extrema (SP), localizado na área da Cantareira. “A prefeitura de Extrema paga o custo do leite, por hectare. Então, ‘se o senhor ganha 10 reais por hectare, produzindo leite, aqui está o dinheiro. Pago 10 reais por hectare, e nesse lugar o senhor põe a floresta’. Essa é a ideia”. Com esse programa, diz Romeiro, Extrema “subsidia” água para São Paulo. “Nós é que deveríamos estar pagando para eles”, afirma.

Programas assim, disse ele, são amplamente conhecidos por gestores públicos. “Isso é uma coisa muito conhecida, não é novidade. Os gestores de água do Estado de São Paulo sabem disso há 20 anos. É um ponto importante: há 20 anos que sabem tudo o que precisa ser feito, tudo, e não fizeram nada. Repito: nada. Literalmente, nada”.

 

Publicação

Tese: “Custo efetividade na conservação de serviços ecossistêmicos: um estudo de caso no Sistema Produtor de Água Cantareira”

Autor: Oscar Sarcinelli

Orientador: Ademar Romeiro

Unidade: Instituto de Economia (IE)