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Tese analisa mudanças psicossociais
relacionadas à doença de Parkinson

Pesquisadora adota o psicodrama para
mensurar impacto da doença em famílias de  8 pacientes

CARMO GALLO NETTO

A orientadora, professora Elisabete Abib Pedroso de Souza, e a psicóloga Erika Sproesser Cardoso, autora da pesquisa. (Foto: Antoninho Perri)A doença de Parkinson (DP) é crônica e neurodegenerativa. Seu avanço produz alterações físicas, cognitivas, emocionais, comportamentais, sociais e relacionais na vida do paciente e de seus familiares, comprometendo-lhes a qualidade de vida. Classificada como distúrbio de movimento, apresenta como sintomas principais tremor, rigidez, alteração do reflexo postural e bradicinesia (lentidão dos movimentos). É controlada através de medicação, como a levodopa, e não tem cura. O desenvolvimento da doença, que ocorre de forma lenta ou rápida, pode avançar em cinco estágios de gravidade: o acometimento unilateral que atinge um lado do cérebro; o posterior comprometimento bilateral; alterações no reflexo postural; quedas frequentes e dependência do paciente; e, finalmente, o paciente acamado ou na cadeira de rodas.

Pesquisa realizada pela psicóloga Erika Sproesser Cardoso, orientada pelas professoras Elisabete Abib Pedroso de Souza e Elizabeth Quagliato, respectivamente psicóloga e neurologista, do Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, aborda mudanças psicossociais provocadas por essa doença crônica, enfatizando os aspectos relacionais familiares, escassos na literatura correspondente, principalmente quanto à abordagem socioeconômica, lembram as pesquisadoras. A socionomia, além da vida intrapsíquica do indivíduo, explora as relações interpessoais, investigando o homem em relação com o outro, ou seja, os vínculos, através de técnicas psicodramáticas.

A idéia de uma avaliação mais profunda das relações familiares através de tese de doutorado surgiu no decorrer dos atendimentos assistenciais de Erika no Ambulatório de Psicologia Aplicada à Neurologia. A pesquisadora constatou que, além do impacto que a doença causa na vida do paciente em relação às limitações físicas, às alterações emocionais e comportamentais, leva a mudanças nas relações familiares, modificando a rotina diária e os papéis sociais das pessoas envolvidas.

No Laboratório de Qualidade de Vida nas doenças neurológicas sob supervisão da professora Elisabete, ligado ao Ambulatório, são realizadas pesquisas voltadas para questões do bem-estar psicológico. Os temas das pesquisas surgem no contato rotineiro com os pacientes no ambulatório médico. As atividades assistenciais realizadas no Laboratório englobam psicoterapia individual, familiar e de grupo com pacientes com DP, epilepsia e outras doenças neurológicas. As pesquisas ali desenvolvidas têm enfoque na qualidade de vida, identificando aspectos relevantes para intervenções psicossociais, explica Elisabete.

Ela enfatiza que a tese partiu de uma experiência que Erika vem acumulando há anos e possibilitou uma série de observações próximas ao campo clínico: “Nosso interesse não é apenas pesquisar, mas temos a preocupação de levar à prática os ganhos científicos, de forma a atender as necessidades desta população. Tivemos ainda como objetivo verificar as necessidades da família, também afetadas quando um membro adoece”.

O processo
Psicóloga e psicodramatista de formação, Erika adotou o psicodrama, que utiliza técnicas de dramatização, como recurso para avaliar o impacto psicológico dentro do contexto familiar de oito pacientes do Ambulatório de Neurologia do Hospital das Clínicas da Unicamp. Ela utilizou inicialmente duas sessões de entrevistas com cada paciente e seus familiares, procurando entender como estes lidam com a doença, as limitações e as perdas na rotina diária. Considera esta fase importante, pois o olhar do psicólogo detecta os aspectos emocionais e sociais que vão além da avaliação física.

Para esta primeira etapa foi utilizado um questionário que procurou explorar o conhecimento que o paciente tem da DP, e como ele lida e enfrenta a doença no seu dia-a-dia junto com seus familiares. Embora com perguntas focadas, o questionário deixa brechas para que o psicólogo questione as respostas dadas, o que torna a entrevista semidirigida. O foco do questionário é o paciente, mas os familiares ajudam nas respostas.

No terceiro encontro foram utilizadas as dramatizações de cenas. Erika exemplifica: “Para a dramatização, eu pedia ao paciente e familiares presentes que pensassem em uma cena significativa para a família antes do surgimento da doença. Na dramatização questionava sobre os sentimentos e o que a cena representava para eles. O processo revelou que nesta fase a situação era muito idealizada, como se não existissem conflitos. Ou seja, eles viam a doença como negativamente impactante em suas vidas, com consequências destrutivas em suas relações, por ter mudado de forma abrupta seus papéis sociais. À medida que a pessoa adquire o estado de doente, passa a tê-lo como foco e são minimizados ou deixam de existir outros papéis que faziam parte de sua vida”.

Depois dessa primeira dramatização, pedia-se aos familiares que pensassem sobre uma cena após a doença. Novamente, na dramatização, com a utilização de técnicas psicodramáticas, como o solilóquio, procurou-se fazer com que eles manifestassem pela emoção o que efetivamente estavam sentindo naquele momento, deixando de lado a verbalização racional. Esse processo, muitas vezes, traz para a cena um familiar que não está fisicamente lá, mas cuja imagem o faz presente junto aos demais. Erika resume a importância desta fase: “O psicodrama pode explorar o significado da doença para essas pessoas naquele momento e o impacto na vida e nas suas relações, principalmente para o grupo familiar”.

Na quarta sessão continuava-se a discussão e reflexão sobre o que as pessoas de cada grupo familiar perceberam nas cenas dramatizadas e emergiam as perdas de papéis ou a imposição de outros que a doença acarretou. É o tratorista que, com a DP, é privado de sua atividade profissional e que fica sem casa porque morava no lugar de trabalho. É a preocupação da família com essas perdas que comprometem a sobrevivência. Na primeira cena, eles se viam em um belo jardim ou na beira de um lago, porque o tratorista gostava muito de pescar com a família. Vem a imagem dele com a esposa ao lado e o filho, então pequeno, brincando no entorno, evocações com o sabor que a ausência de conflitos ressalta. Na segunda cena, já estavam em uma sala em que viam televisão, cada um em seu canto, sem se olharem, sem comunicação. Todos individualizados, paralisados e sem perspectivas. Depois da discussão, fecha-se o processo de avaliação e oferece-se tratamento psicológico.

Erika considera que “a avaliação já constitui indiretamente um processo terapêutico para os pacientes e seus familiares, pois eles percebem como estão e o que sentem frente à DP. O tratamento psicoterapêutico oferecido para essas pessoas constitui a ajuda que precisam para encontrar outros caminhos. São as mudanças físicas, emocionais e nos papéis sociais que deixam o paciente sem rumo e sem saber o que fazer. Percebemos que os nossos médicos têm consciência disso e não lhes cabe lidar com essas situações, mas encaminhá-las para atendimento psicológico”.

Elisabete esclarece que “os problemas mais sérios detectados pelos médicos são discutidos com os psicólogos. O atendimento ao paciente é otimizado quando ocorre a interlocução médico-psicologia. Privilegiamos o tratamento em grupo em que o doente tem um espaço onde consegue falar sobre aquilo que está sentindo e as dificuldades que enfrenta, compartilhando com outros pacientes. E isso é fundamental porque, além dos sintomas, o que mais atrapalha e limita a vida do individuo é a convivência com a doença, com as perdas nas relações e as consequências emocionais decorrentes”.

Consequências
As pesquisadoras entendem que todo esse processo ajuda os familiares a identificarem as mudanças, a buscarem recursos para se adaptarem e a encontrarem formas de ajudar o paciente a lidar com a doença. Contribui ainda para que os profissionais de saúde entendam que lidam não apenas com um doente, mas com um indivíduo com família, e que o tratamento não implica apenas no controle físico da doença, mas exige que esse paciente tenha condições de lidar com suas limitações e com as consequências delas em sua vida.

Com o estabelecimento da doença, acrescenta Elisabete, o âmbito familiar, os sentimentos e comportamentos não saudáveis e viciados causam desconforto emocional. É preciso haver uma ruptura neste padrão, para que os envolvidos possam aprender a responder de forma mais adequada. O primeiro passo terapêutico é a percepção que o doente tem de sua realidade, de sua família, de suas relações, é a identificação das coisas que trazem desconforto. A terapia visa justamente trabalhar com o paciente sobre os caminhos que ele vai seguir para chegar às mudanças que quebrem esse circulo vicioso e tornem as relações mais saudáveis. O estigma que existe sobre a DP leva o indivíduo a isolar-se por vergonha e deixar de frequentar ambientes sociais. O grande enfoque da psicologia na doença crônica, dizem as pesquisadoras, é fazer com que o paciente reestruture seus papéis comprometidos e construa outros mais satisfatórios.

Por outro lado, nem sempre as pessoas da família assumem posturas que a situação exige. A pesquisa identificou manifestações de raiva, de hostilidade, de não-aceitação das limitações do doente. Constatou relações comprometidas e conflituosas quando se estabelecem as dependências nas situações diárias de convivência. Mostrou, também, como nessas relações surge a figura do cuidador, muitas vezes à sua revelia. É o caso da filha mais jovem que no entendimento da família já havia completado seus estudos. Ela vê tolhidos seus desejos pessoais, pois queria trabalhar. São situações que geram sentimentos de raiva e de culpa. Erika lembra que o problema é agravado pelos imperativos da vida contemporânea em que as pessoas buscam seus projetos individuais, o que contribui para deprimir ainda mais doente e cuidador.

Sobre a pesquisa, Erika conclui: “eu queria ressaltar que na doença crônica, entre outras, se considere também o aspecto psicológico. Não se deve focar somente no aspecto da doença física, mas enxergar também a doença emocional envolvida, que acaba sendo um complicador. Essa postura ajuda muito na melhora e na adesão ao tratamento”.

Quando os alunos da FCM da Unicamp passam pelo Departamento de Neurologia, a professora Elisabete tem oportunidade de colocá-los em contato com essas realidades.  Ela constata que os próprios médicos sentem essa necessidade que nem sempre sabem ou conseguem trabalhar ou encaminhar, mas a consciência da classe médica em relação ao problema é cada vez maior. E conclui: “Minha atuação junto aos alunos tem como objetivo despertá-los para as contingências psicológicas da doença, promovendo mudanças na percepção do futuro médico com relação aos cuidados com a pessoa que adoece”.

 
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