O envelhecer e a memória viva de um bairro
RAQUEL DO CARMO SANTOS
No
início, a fotógrafa Maria Lúcia Secoti Filizola quis
entender o processo de envelhecimento de um grupo de senhoras
da Vila Castelo Branco, um dos bairros mais antigos de Campinas.
A ideia foi oferecer oficinas de fotografia para as mulheres
e, assim, utilizar a ferramenta como fio condutor para a
compreensão do processo de envelhecer em uma camada social
menos favorecida. O estudo inicial, no entanto, transcendeu
a proposta original. “O grupo se mostrou extremamente
ativo e articulado, a tal ponto de permitir muitas outras
ações como pequenas excursões não só no bairro, como
em museus e exposições na cidade. Eram mulheres na faixa
de 58 a 80 anos com câmeras digitais nas mãos e muita
disposição para fotografar”, destaca Lúcia. Para ela,
o projeto ganhou novas proporções e possibilitou outros
desdobramentos, além de um aprendizado mútuo.
Entre outros fatores, o trabalho desenvolvido junto às mulheres permitiu propor uma metodologia denominada pesquisa-ação, que se mostrou eficiente para este tipo de abordagem. A pesquisa-ação é caracterizada, justamente, por um processo participativo nas decisões do projeto, ou seja, dá a voz ao sujeito da pesquisa. Neste modelo, não se trata apenas de levantar dados, mas envolver o sujeito nas avaliações e diretrizes do estudo. Segundo Lúcia, isso foi possível graças ao vigor do grupo em enfrentar desafios, o que levou a pesquisadora a perceber o processo de envelhecer sob outra perspectiva.
Essas mulheres, afirma a autora da pesquisa apresentada na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e orientada pela professora Olga von Simsom, encaram com força os obstáculos e surpreendem quando o assunto é superação. Muitas trabalham fora e ainda são as mantenedoras da família. Ao contrário das pesquisas nesta faixa etária em que as senhoras são casadas, no grupo estudado a maioria é solteira. Elas participam do Projeto Gente Nova (Progen) – criado em 1984 e voltado para atender crianças e adolescentes do bairro e do entorno – que é constituído basicamente de mães que, em outros anos, levaram seus filhos e, agora, envolvem os netos no projeto. Ao longo dos anos, as avós do Progen se organizaram e deram origem a um outro grupo, o Viver em Ação, que desenvolve várias atividades, inclusive a fabricação de produtos como forma de auxiliar na renda familiar.
Uma característica peculiar dessas mulheres é que 75% delas participam assiduamente de outros projetos como ginástica, artesanato, dança, etc. Isso define o perfil de senhoras interessadas no aprendizado de coisas novas. Sempre com a máquina digital em mãos e a vontade de registrar tudo que viam, as mulheres montaram uma exposição com os fotos produzidos no bairro e confeccionaram painéis coloridos e enfeitados para servir de molduras. Entre os locais visitados, além das ruas do bairro, estão o Mercado Municipal (Mercadão), Museu de Imagem e do Som (MIS) e exposição no Sesc. Conheceram o Centro de Memória da Unicamp e constataram a importância da imagem. “Elas entenderam o processo de construção da memória e perceberam que constituem a memória viva do bairro”, comenta.